Não só a violência, mas a ignorância tomou conta do país com o Golpe de 64


José Luis Del Roio
José Luís Del Roio
Em 1964, o ativista e ex-senador italiano, José Luíz Del Roio, acompanhou de perto a repressão ao movimento sindical e operário. Tinha pouco mais de vinte anos, quando foi escalado pelo antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) para fortalecer e ampliar a resistência dos jovens universitários, primeiramente em São Paulo e, depois, no país inteiro. Foi Del Roio que, em 1967, convidou o jovem mineiro, José Dirceu, líder estudantil da “Católica” (PUC-SP), a participar da eleição da União Estadual dos Estudantes (UEE).
Do Golpe (1964) à Anistia (1979), Del Roio sempre esteve nos bastidores da luta, arrigimentando forças, dando suporte e criando condições de sobrevivência para que a resistência à ditadura militar fosse possível. Esteve junto com Carlos Marighella na Aliança Libertadora Nacional (ALN) e, como milhares de outros brasileiros, foi obrigado a se exilar, passando à participação ativa na luta diplomática com os que combatiam, com articulações e a divulgação de informações, a ditadura no exterior. Em 1975, quando o PCB sofria mais uma onda de ataques, Del Roio voltou ao partido. Ao Brasil só regressaria de vez após a Anistia.

Seu riquíssimo arquivo pessoal – foi um dos responsáveis pela recuperação de documentos importantíssimos do PCB – encontra-se hoje na capital paulista, sob a guarda da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Em Milão, ele também criou o Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano e, em 2006,  foi eleito senador (pelo Partido da Refundação Comunista) nas eleições legislativas italianas, pela Lombardia, e tornou-se membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em Estrasburgo e da União Europeia Ocidental em Paris.
Del Roio é colaborador da Comissão Nacional da Verdade. Profundo conhecedor do movimento sindical, da luta camponesa, do movimento estudantil e da luta de resistência à ditadura que se travou também no exterior, sua entrevista de mais de duas horas, generosamente concedidas à Equipe do Blog, é mais do que o depoimento sobre uma época. É uma análise de quem viu, viveu, protagonizou e, sobretudo, fez história. Acompanhem:
Del Roio, onde você estava no dia do Golpe?
[ José Luíz Del Roio ] Em São Paulo. Eu pertencia ao PCB e fazia um trabalho de campo voltado à sindicalização rural. Os sindicatos rurais tinham acabado de ser legalizados no governo de João Goulart, pelo ministro do Trabalho, Franco Montoro. Nós sabíamos que o Golpe estava para ser desencadeado. Mas, naquele dia, eu não sabia o que fazer. Fui para o velho prédio Martinelli, onde ficavam as sedes do PCB e do Sindicato dos Bancários, e quando cheguei lá, estava tudo bloqueado pelas Forças Armadas.
Então corri para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, muito importante, o maior que nós tínhamos, e ele também estava bloqueado. Depois de tentar vários sindicatos, eu fui para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia, onde eu conhecia muita gente. Nós tínhamos um grupo de estudos do PCB com muitos estudantes da Filosofia. Lá ainda não havia sido atingido. Era uma zona muito vivaz, muito intensa, muitos estudantes de esquerda e uma fortíssima organização do PCB. Próximo dali estava a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU, que não havia se mudado para o campus da USP, ainda), a escola de Sociologia.
Entre o dias 31 de março e 1º de abril, eu permaneci em contato com a base do PCB na Maria Antônia, esperando uma reação. Nós esperávamos, até porque o Jango estava se deslocando para Porto Alegre. Passei esses dias tentando contato com todas as outras forças que existiam, como o Grupo dos Onze (G-11) do Brizola, a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP), a Ação Popular (AP) e tantas outras.
Começou, então, a preocupação com um eventual ataque do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), sobretudo do Mackenzie. Nosso problema era “o que fazer?” Nós queríamos um esquema ligado ao Jango, dariamos apoio caso a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) decretasse uma greve geral. Estávamos à espera. Mas, dias depois, os comunistas mais expostos da USP começaram a recuar e toda aquela organização na universidade – que era muito grande – recuou também. E recuaram porque eram lideranças muito conhecidas e houve uma ordem do Partido para evitar a prisão dessas pessoas. Só para vocês terem uma ideia, nos dois primeiros meses do golpe, foram presas 50 mil pessoas (não havia vaga nas prisões para todos e transformaram navios como o Raul Soares, da Marinha, em prisão).
Eles estavam prendendo em massa as direções sindicais e os militares democráticos das Forças Armadas que não aceitavam e resistiam ao Golpe. Não podemos jamais nos esquecer que, praticamente, 10% das Forças Armadas, foram presas. Muitos militares democratas foram expulsos, muitos torturados. Nós não podíamos recuar e, assim, eu assumi a direção do PCB da USP.
Você chegou a ser detido?
[Del Roio ] Sim, no dia 06 de abril. Mas, foi rápido, porque eles tinham muita gente presa. Conosco, com os peixes menores, eles estavam interessados em fazer uma ficha carimbando ali “comunista”, “elemento perigoso”. Com isso, você era impedido de conseguir emprego. Como havia a obrigação de apresentar uma ficha para conseguir trabalho, como “comunista” e “elemento perigoso”, você não conseguia mais. Isso já asfixiava a vida de muita gente. Os primeiros dias do Golpe foram assim.
O PCB era hegemônico na USP?
[Del Roio ] O PCB era um partido ilegal (fora proscrito em 1946), mas não clandestino. Ligados a ele na USP, nós tínhamos 500 pessoas, com grupos muito grandes na Sociologia, Letras, Psicologia, Física… Aí, passou a ser clandestino e você tinha de reduzir esse pessoal a grupos de 5 ou 6 para criar uma organização clandestina. Era preciso dividir o PCB da USP em 70 grupos diferentes. E isso deu um trabalhão, porque tínhamos de fazer vários encontros em esquemas longíquos. A maior característica da clandestinidade é perder tempo. Lembrem-se que nós não tínhamos celular, internet, facebook… Você tinha de contactar pessoa por pessoa e fazer encontros longe. O bom senso, aliás, recomendava que não se tomasse notas, então, nós tínhamos de decorar “tenho de encontrar fulano no Largo da Batata, hora tal”; “o pessoal da Física na Estação da Luz, hora tal…” Além disso nós não tínhamos dinheiros, os carros disponíveis eram muito poucos, e tínhamos de encontrar casas de desconhecidos da polícia para proteger quem estava sendo perseguido e preso. Nós tínhamos de criar uma estrutura.
E diziam que os estudantes eram ricos…
[Del Roio ] O Golpe foi feito para arrebentar a estrutura operária e a estrutura camponesa que eram as grandes bases do Jango. Já os estudantes, eles consideravam que acabariam aderindo por uma questão de classe. Eles (militares golpistas) achavam que estudante era tudo rico e “rico adere ao golpe”. Na fase do incêndio da UNE e da prisão das lideranças, a repressão ainda se concentrava no setor mais popular.
Essa história de que os estudantes eram ricos é muito “teoricamente”. Na verdade, alguns eram de famílias mais ricas, mas a maioria era estudante trabalhador. Muitos vieram do interior e moravam em pensões, em repúblicas. Não eram ricos. Eu tinha de ficar bastante recuado naqueles primeiros dias, porque estava organizando a estrutura. E um dos problemas ali era a fome. Você não tinha dinheiro e passava fome sim.
Assumindo a direção política do partido na USP, o que sobrou da direção do partido, caiu em cima de mim pedindo casas para as lideranças. Nós contávamos com casas de amigos, de professores. Alguns tinham sítio no interior, porque muitos vinham de lá. Eu tinha de trabalhar nisso. Não podia contar para ninguém e mantinha uma lista de contatos.
E depois do Golpe?
[Del Roio ] Depois que o Golpe se consolida, a gente tem uma frente de alianças com a AP, a POLOP e com um grupo de independentes, pessoas sem partido, mas muito ativas na luta contra a ditadura. O primeiro tempo foi essa reorganização, ir para o fundo da terra e, com a solidariedade, criar uma máquina de subsistência para quem não pode trabalhar. Tínhamos de fazer funcionar essa máquina, ajudar na reorganização do movimento popular e manter o movimento estudantil existente.
O movimento estudantil era ativo antes do Golpe, mas não tão importante quanto os dos camponeses e operários. Quando estes foram duramente golpeados, o movimento estudantil fica mais importante. Não era apenas um trabalho de organizar os partidos e organizações ilegais e clandestinas, mas de reorganizar o movimento estudantil como tal, de massas. Para isso tínhamos de fazer tudo legal, porque houve muitas intervenções, e reorganizar os Centros Academicos (CAs), Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs), União Estadual dos Estudantes (UEEs) e recriar a UNE que havia caído na ilegalidade. E havia uma disputa política no interior das forças opositoras. Fundamentalmente, era uma luta entre o PCB e a AP para ver quem tinha hegemonia naquele momento. As eleições estudantis eram a legitimidade e, também, um meio de mobilizar gente. Você não podia mobilizar contra a ditadura, ainda, porque as pessoas tinham medo, mas podia mobilizar para a campanha eleitoral. Todos votavam, faziam assembléias.
Nós precisávamos de candidatos em todas as faculdades, no interior do Estado e nacionalmente. Até porque, a ditadura tinha criado um novo sistema que estrangulava a democracia estudantil. Ao invés de CAs, DCEs, eles tinham criado um sistema no qual o estudante podia fazer festa, ciclos literários, mas não podia falar de política. Nós tínhamos de combater essa estrutura que era uma lei da ditadura. Depois veio a famosa Lei MEC/USAID que, praticamente, destruía tudo o que era Humanas e as subsituía pela ideia do científico. Ciência e ninguém pensaria em política. O MEC/USAID se ligava a um conceito – era um acordo com os Estados Unidos – de fazer universidades do tipo norte-americanas, da privatização do ensino. Foi uma desgraça aquilo. Nós tínhamos de lutar contra esse sistema e fazer batalhas gerais pela democracia.
Quando voltaram as manifestações?
[Del Roio ] Em São Paulo, a primeira manifestação que a gente conseguiu fazer foi só em 1965, a partir da São Francisco (Faculdade de Direito da USP), contra a invasão da República Dominicana pelos Estados Unidos, que contou com a contribuição de muitas tropas brasileiras. Aquilo foi uma vergonha, um ataque a um país irmão. Então, a batalha era essa e você tinha a luta política interna, das organizações de esquerda. Nós havíamos sofrido uma derrota, precisávamos saber as causas e como sair desse buraco. E as divergências eram muito grandes entre cada uma das organizações, mais ainda no PCB que era uma organização um pouco maior. Começa, então, a se discutir a questão do combate à ditadura, qual a política de alianças, quais os tipos de luta. Será necessário chegar a uma ruptura violenta, à luta armada ou a uma greve? Que tipo de luta armada? No campo, na cidade? Debates àsperos que obrigavam a reuniões e reuniões.
Em 1965, fizemos uma primeira reunião para reestruturar a UNE. Uma reunião muito legal na Politécnica, na Tiradentes, e tiramos a primeira direção da UNE na ilegalidade. Já havíamos reconquistado, também, como esquerda a maioria dos Centros Academicos, das UEEs e da UEE de São Paulo.
Quantos anos você tinha?
[Del Roio ] Eu devia ser o mais velho de todos provavelmente, estava com 23 anos. Os outros tinham tudo 22 ou 21, era o pessoal que havia entrado em 1965-66. Nesse período, ganhamos os CAs em confronto com a AP. Foi quando conseguimos, também, lançar um jovem na Católica (PUC-SP) e vencer a AP. Um mineiro ali, que tinha muito prestígio com as massas, um tal de Zé Dirceu. Ele foi eleito numa situação difícil, porque as massas votavam sempre com a AP. Eu lembro que fui buscar o Zé para essa campanha eleitoral. Eu era o secretário político e seguia as campanhas eleitorais. A AP era nossa adversária, não inimiga obviamente, até porque éramos aliados em outras frentes. O fato é que para nós, do PCB, era muito importante ganhar na Católica e o Zé ganhou sua primeira eleição sem muitas condições de ganhar. Mas, ele tinha muita influência nas assembléias estudantis, era um dos companheiros que as massas endossavam. Ele conseguia falar e ser escutado.
Quem mais estava nesse grupo?
[Del Roio ] Muitos companheiros valiosos. O Benetazzo (Antônio Benetazzo, do PCB, do movimento estudantil e do MOLIPO), por exemplo, que era do PCB, da organização de base. Ele fazia FAU e Filosofia, gostava de Historia da arte. Era italiano e morava no (edifício) COPAM, numa quitinete. Gostava muito de ler. O Zé Arantes que já havia sido preso no ITA, a escola mais difícil do Brasil, era do PCB, do ITA de São José dos Campos e depois se integrou na luta, era amigo do Zé. A Iara Iavelberg não era do PCB, era da POLOP e encontrava sempre a Consuelo de Castro (dramaturga), que deu entrevista para vocês (leia mais). A Consuelo era ligada ao PCB. Aliás, as mulheres eram muito presentes na luta e isso teve reflexo nos grupos da luta armada, na ALN. Poderia passar a tarde toda lembrando de todos aqui. Estou cometendo uma injustiça ao deixar muita gente valiosa de fora. Muitos, mas muitos mortos e desaparecidos hoje, que vocês ouvem falar, estavam lá na luta.
E você depois de 1965?
[Del Roio ] Eu era uma pessoa recuada, não podia aparecer, minha responsabilidade era de organização. E a coisa foi complicando, porque tinham eleições no interior e na capital. Eu tinha passado a ser secretário político de todos os estudantes comunistas do Estado, não mais só da USP. Daí tive de tratar da Católica, daí o Zé, que não era da USP… Existiam as organizações, com estrutura clandestina e uma atividade legal. Surgiu, então, a necessidade de se criar a imprensa clandestina para isso e precisávamos de um sistema de carros para agilizar movimentos, fazer panfletagens nas universidades e fora – também, nas fábricas – porque a gente tinha de dar solidariedade aos demais movimentos. Aí, depois, eu acabei assumindo, nacionalmente, a seção juvenil do Comitê Central do PCB.
Em 1966, nós conseguimos fazer uma série de manifestações com caráter democrático, “abaixo a ditadura”, “liberdade para os presos políticos”, “abaixo o MEC/USAID” que era um projeto de destruição das universidades e escolas públicas. Manifestações contra a tortura, pela liberdade dos sindicatos (todos os grandes, sob intervenção, eram dirigidos por um coronel) e contra a guerra do Vietnã – “Viva o Vietnã! Viva o Vietnã!”, porque ali (Sudeste da Ásia) se travava uma luta de vida ou morte terrível contra o imperialismo norte-americano. Juntava tudo.
DelRoio_Cuba1970
Del Roio em Cuba, em 1970
Houve, a partir daí, uma série de manifestações que foram crescendo. As pessoas estavam perdendo o medo. Essas manifestações foram de junho a setembro, e chegaram a um nível muito alto, com muito boa organização. Eram manifestações sem internet e sem celular, por meio de correios. A gente saia correndo, chamávamos uma passeata, mas se a polícia atacava muito duramente, a gente a dissolvia e começava meia hora em outro lugar (as chamadas “passeatas relâmpago”). Havia a palavra de ordem, para onde ir (para a passeata seguinte). Isso cobria o grande centro de São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Era uma correria desgraçada. Tinha cavalaria em cima. Foi quando o pessoal aprendeu a combater nas ruas: jogar bolinha de gude e bombinha para assustar os cavalos. Ali apareceram os primeiros coquetéis molotovs. Foi uma batalha bastante interessante.
Nesse momento a esquerda já tinha recuperado e ampliado as estruturas estudantis. Mas, era um trabalho muito intenso, da manhã até a noite. Os dirigentes de massa também tinham esse trabalho, muita reunião, assembléias longas. E começaram a se destacar uma série de líderes estudantis que haviam começado sua faculdade e eram candidatos não só nos CAs, mas para a UEE. Destacavam-se, também, os artistas que faziam os cartazes, panfletos. A arte veio junto. Estava tudo muito ligado ao movimento cultural, todo o pessoal do Augusto Boal, do Gianfrancesco Guarnieri, o arquiteto (João Batista Vilanova) Artigas, o Cláudio Tozzi, muito jovem. O pessoal da FAU havia criado um labortário naquele período que gerou uma série de artistas excepcionais. Eles davam suporte para essas manifestações, criavam as faixas, toda essa parte visual.


O terror dentro das
fábricas era total

[Del Roio ] Depois da setembrada, eu sai do movimento estudantil e passei a trabalhar diretamente com a reestruturação dos movimentos de bairro, operário e camponês. Claro, que eu mantinha o contato, porque era dirigente estadual do partido e membro da direção nacional. Eu fazia praticamente a mesma coisa (de antes), mas com operários. E estava tudo muito mal. Era um momento de crise política e crise econômica. O desemprego era alto e qualquer um que abrisse a boca era imediatamente mandado embora e muitas vezes preso. O terror dentro das fábricas era total. Cheio de dedo duro, os sindicatos sob intervenção, todos com um coronel como presidente. Era terrível você trabalhar com um quadro desses. Era necessário criar comitês de empresas, células comunistas, no caso nosso. Perdia-se muito tempo com a luta interna.
O movimento estudantil e suas lideranças havia se radicalizado demais. Dentro do fluxo da guerra do Vietnã em 1º lugar, da revolução de Cuba, das guerrilhas na América Latina, o movimento estudantil comunista e a AP, suas lideranças, decidiram pela luta armada. Agora, decidir é fácil. Fazer é muito complicado. Ninguém tinha experiência, ninguém sabia o que era aquilo. O movimento estava numa radicalização constante que leva a 68. Eu acho que a influência que falam tando do Maio Francês não foi decisiva. Era um processo endógeno brasileiro que prescindia muito aos franceses. Nessa acumulação de forças tinha de se chegar às grandes manifestações, ao choque nas ruas.
O desembocar no processo nos levou às grandes manifestações de São Paulo, do Rio – à 6ª feira sangrenta, a Marcha dos Cem Mil – e tínhamos um nível de lideranças estudantis: o Luís Travassos, o Zé Arantes, o Vladimir Palmeira, o Zé Dirceu e tantos outros em outros Estados. Dali nasceu um núcleo de líderes bastante respeitados que eram mais externos e estavam ocupados o dia inteiro com o movimento de massas. Eles viviam em uma situação perigosa e nós não contávamos muitas coisas para eles, porque eles, cedo ou tarde, iam ser presos.
O que você lembra do Zé na época?
[Del Roio ] Eu tenho uma história divertida do Zé. Em 1967, nós havíamos montado uma gráfica clandestina em um prédio bom ali da alameda Barros (Higienópolis/Santa Cecília-São Paulo) e colocamos ali o Dario Canari, um companheiro italiano, não conhecido, ótimo. Ali era a gráfica do comitê estatual do PCB, onde fazíamos o jornal O Combate, e outros jornais. Nós publicávamos livros para fazer o debate político e tal. Pouquíssimas pessoas conheciam a gráfica… porque a coisa mais sagrada de um partido político clandestino é a gráfica. Você tem de morrer, fala tudo, mas a gráfica você não conta de jeito nenhum. É a alma, isso não existe. Então, pouquíssima gente conhecia aquilo. O Joaquim Câmara Ferreira – o “Velho” ou o “Toledo”, seus codinomes na luta armada – era o responsável; eu, porque conhecia o Dario; a Isis Dias de Oliveira, casada comigo, da ciências sociais da USP. Isis é  desaparecida política, assassinada pelos agentes da ditadura em 1972. E havia mais um companheiro marinheiro que entendia de gráfica e nos ajudava. Aquilo era o nosso segredo.
Daí que, logo em cima, o bendito José Dirceu, sem saber de nada daquilo, resolve alugar um apartamento pequeno, bem em cima, para morar. Mas que situação ele nos deixou… O Zé era conhecidíssimo, falava em assembleia grande e, além disso, inevitavalmente ele seria preso. Era a lógica da situação. O cara é líder de massa, o mais conhecido do Estado de São Paulo. Nosso medo maior é que ele fosse seguido e isso era absolutamente possível. Aí a discussão era se eu deveria falar para o Zé mudar. Se eu falasse, obviamente, ele mudava; mas aí ia perceber que tinha alguma esquisitice ali. Eu acabei não falando e ele vivia encontrando o Dario ali que fazia uma cara de pau e inventava qualquer coisa. Eu cheguei a contar essa história para ele depois.
E a luta armada?
[Del Roio ] O PCB foi à fratura interna em novembro de 67. A maioria do partido comunista queria, principalmente o agrupamento comunista que posteriormente daria origem à Ação Libertadora (ALN) com o Carlos Marighella e o Joaquim Câmara Ferreira. O setor estudantil do PCB chamava-se Dissidência Universitária. Eram dissidências da linha da maioria do Comitê Central que começaram a criar organizações políticas em si. A dissidência estudantil do Rio vai para o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário com o Mário Alves; outra parte cria o Movimento Revolucionário 8 de Outubro com o Franklin Martins; em São Paulo, a maioria do partido estava com o Marighella e eles acabam sendo atraídos para a ALN. Aí começa a se criar estruturas de luta armada. Já tinha havido tentativas de luta armada desde Caparaó em Minas, no Rio Grande do Sul. Sobretudo feito por militares. E todas iniciativas reprimidas brutalmente. Repito: o papel dos militares democráticos é muito importante e até hoje não foi reconhecido o valor da luta deles.

Houve uma subestimação
séria do inimigo


E o movimento estudantil?
[Del Roio ] Reflui e o faz porque havia avançado demais. Ele não podia ir mais do que foi após a passeta dos 100 mil. O que faríamos mais? E, obviamente, a repressão se acirrou. Agora, ao meu ver, comete-se um erro em fazer aquele Congresso da UNE em Ibiúna (1968). Uma reunião ilegal e clandestina com duas mil pessoas do Brasil inteiro, todos com 20 a 23 anos. A repressão golpeou duro e todas as lideranças estudantis foram presas. Evidente que não foram presos os dois mil, mas os militares foram criando organograma, fichando todo mundo e mantiveram presos os que achavam mais perigosos. O Zé só vai ser libertado quando do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. um ano depois, 1969. Vejam que eles não haviam cometido crime nenhum. Fizeram apenas uma reunião de estudantes. Só uma ditadura pode fazer o que fez. A ilegalidade é política. Mas, eles se entregaram facilmente ao inimigo. Houve uma subestimação séria do inimigo.
O resultado é que o movimento estudantil vai para a clandestinidade, em massa e você paralisa. Se você ver o nome dos presos, quanta gente valiosa ali. Um bom número daqueles que vão fazer a guerrilha do Araguaia (na 1ª metade da década de 70) saem de Ibiúna. E o movimento estudantil entra em refluxo e caiu na clandestinidade.
Para onde foi o movimento operário?
[Del Roio ] Havia um problema muito sério entre os operários. Eles sofreram com o racha do PCB em São Paulo. Boa parte deles marchou com o Marighella (ALN) e novos grupos se criaram. Começaram a surgir possibilidades de se fazer pequenas paralisações dentro das fábricas, das ferrovias, mas tinha que ter muito cuidado porque a repressão era muito forte e bastava a eles por para fora (demitir) e a família passava fome. Precisávamos, portanto, de uma máquina muito forte para poder suportar esse tipo de coisa e não era fácil. Na minha visão, houve uma superestimação das forças que começou com o 1º de Maio na Praça da Sé em 1968. Eu estava na Praça da Sé. Foi ali que a AP apresentou seu jornal conclamando já à luta armada. Foi, também, quando a ALN se apresentou como tal. A VPR já se desenha como grupo. Em suma, você declara a guerra. O palanque foi incediado. Vai ser ali, também, que a POLOP resiste à luta armada e aumentam as rachaduras. Uma parte vai formar a VPR, a outra criar o POC mais tarde.
Em suma, o 1º de Maio vai provocar uma radicalização do setor operário e camponês para a luta armada. Alguns setores mais avançados da classe operária levarão à grave e à ocupação de fábricas em Osasco (SP). Ali se radicalizou demais em termos da correlação de forças. Houve a ocupação das fábricas, sem uma política vasta de mobilização. Os caras iam de tanque de guerra para cima. Mas, foi um ato heróico. A questão é que os grupos de fogo (da luta armada) nasciam naquele período e começavam suas ações. Mas, eles não arrastavam o movimento operário, nem aquele organizado, porque o operário tem família, não gosta de assalto a banco. Operário tem uma moral rígida, “eu não sou ladrão”. Era difícil você dar o salto, “olha, não é assalto, é uma expropriação”. Vai ter essa fratura dramática, muito triste, já no início. Mas tínhamos muito quadros importantes no movimento operário. Há uma belíssima entrevista do líder operário de Osasco, José Ibrahim, de 1972, concedida ainda no exílio dele na Belgica ao Ricardo Zarattini, sobre esse momento. Eu pretendo publicar esse material.
Os jovens estudantes vão para a luta, arriscam a vida. A melhor possibilidade que você tem ali é de ser metralhado, melhor do que morrer na tortura. Eles acabaram se separando desse trabalho minucioso das organizações populares, de bairro e de fábrica. Isso foi uma tragédia. Além disso a repressão operária foi duríssima.
O destino das pessoas foi três tipos: alguns foram para o trabalho minúsculo que começaria a dar resultado em 1975, na luta democrática – vitória eleitoral do MDB (1974), campanha pela anistia, manutenção de uma rede com distribuição de pequenos jornais, criação de oposições sindicais nas fábricas, nos sindicatos. Um trabalho duríssimo. A outra parte do movimento foi para cadeia e seus integrantes saíram quebrados. A tortura quebra a pessoa e para você se recuperar e recuperá-la… Muitos que saíram da prisão foram para o movimento democrático. E uma outra parte, a terceira, foi para a luta armada. E acabaram ou na cadeia, ou no exílio, ou desistindo porque as condições eram infernais.

A máquina infernal


[Del Roio ] Nosso objetivo era mandar 200 pessoas para Cuba para treinar guerrilha. Com a ALN não antigimos isso, mas junto aos demais grupos acho que chegamos a esse número. Em determinado momento, eu tive de sair do país para mudar os pontos de encontro. Para chegar de São Paulo a Havana, você tinha que ter pontos, encontrar com pessoas que não eram conhecidas, precisava de senhas. Eu sai para montar essas senhas que já estavam usadas demais e organizar os pontos. Mas, quando eu estava em Cuba, soube da morte do Marighella (assassinado em uma emboscada montada pela repressão na alemda Casa Branca, capital paulista). Quando ele morreu, complicou muito. A ALN caiu. Aí, o Câmara Ferreira que assumiu, pediu para eu conseguir passaportes e recursos financeiros para reestruturar a vida das pessoas. Eu fui para a Europa e aí morre o Câmara Ferreira (preso pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, ele não resistiu a tortura).
Isso tudo acontecendo, o Zarattini já tinha voltado (ele também fora trocado pelo embaixador Burke Elbrick em 1969). De 1965 para 1966, ele decidiu que o elo mais frágil da ditadura era o Nordeste e foi para lá. Só que havia um grande atraso na região. Mesmo assim eles criaram o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). O Zarattini foi preso, muito torturado, e consegue fugir da prisão ajudado por Dom Helder Câmara. Eles (a ditadura) haviam acusado injustamente o Zarattini de ter feito um atentado contra o Costa e Silva (no aeroporto dos Guararapes, no Recife). Ele nunca teve nada a ver com aquilo, até porque, isso era contra o que ele acreditava. O Zarattini era pela organização das massas camponesas, um exército popular. Quando ele escapa da morte vem para São Paulo, para um encontro com o Câmara Ferreira e entra na ALN. Eu o conhecia muito, participamos juntos das discussões do Nordeste e da formação do PCBR. Então, quando o Marighella e o Câmara morrem, o Zarattini e o Argonauta Pacheco da Silva fazem um documento que depois foi assinado pelo Rolando Fratti e por um núcleo de operários, criando uma espécie de tendência leninista dentro da ALN (Argonauta e Fratti vinham do PCB).
Eles pediam para voltarmos aos conceitos anteriores, alertavam que estava caindo todo mundo. Era um momento de reorganização da ALN. No mesmo período, em Cuba, o MOLIPO também faz o mesmo tipo de crítica, acusando a debilidade da ruptura com o movimento popular e operário, a ação armada sem um foco político preciso. Mas, o MOLIPO, apesar da crítica, faz exatamente o contrário. Eles vêm de Cuba, sem estrutura e entram na máquina infernal. Tem de assaltar banco porque não têm dinheiro; não têm casa, nem carro, precisa comer e tudo custa dinheiro. Aí se expõe e acaba caindo.
A Tendencia Leninista pregava parar absolutamente a luta armada. E reorganizar, ir para o trabalho de fábrica e de sindicato. Eu entro nessa linha e, em 1975, chego à conclusao que se é pra fazer isso, nada melhor do voltar ao PCB, porque eles já faziam isso. E, naquele momento, o PCB estava sendo duramente atacado. Com cerca de duas mil prisões naquele ano. Foi massacrado e parte da sua direção central exterminada – Montenegro, Ze Romão, David Capistrano (pai) etc. Então, em solidariedade ao PCB e já que era para fazer um trabalho operário, eu e muitos da ALN voltamos ao Partidão.
Qual era o trabalho no exílio?
[Del Roio ] O trabalho no exílio é pouco conhecido, mas absolutamente importante. Os vietnamitas eram bastante claros: “se vocês quiserem fazer luta armada, façam também a luta política e a luta diplomática. Esse era o tripé. O exílio se transformou nessa luta diplomática. Era quando conversávamos com governos amigos, governos neutros e governos inimigos. Quando se criava uma rede de solidariedade para tentar salvar as vidas, diminuir a tortura, ajudar os advogados e as famílias dos prisioneiros. Nós tínhamos muita repressão no campo e núcleos de advogados que trabalhavam nisso, muitos ligados à Igreja Católica. Essas famílias precisavam de dinheiro e nós conseguíamos dinheiro no exterior para manter tudo isso, ajudar a campanha de Anistia e tantas outras.
Outra frente foram as publicações. Nós publicamos pelo menos 90 títulos de jornais brasileiros feitos por exilados. Nós tínhamos jornais nos Estados Unidos, no México, no Chile, no Peru, na Argentina, na Noruega, na Dinarmarca, na Suécia, Alemanha, França, Portugal, Suíca, Argélia… Fazer funcionar essa máquina não era fácil. Havia três tipos de publicações: uma, feita na língua local, francês, irlandês, dinamarquês, inglês etc, para denúncia à sociedade local dos crimes cometidos. Uma coisa que publicamos desde o início era o nome dos torturadores e, recentemente, analisando os documentos do SNI da Presidência da República, tem lá várias notas do período Geisel e Médici: “os nossos funcionários estão temerosos”.
Depois tínhamos um jornal que era briga de brasileiro, em português. Do PCBR, da Tendência Leninista, Val Palmares, MR-8, a briga daqui que continuava lá, com muitas disputas teóricas.E, por fim, um jornal mais raro, do exterior para o Brasil, porque nós mandávamos para cá. Deste último tipo o que mais funcionou foi a Voz Operária do PCB. Era mandado para cá de uma forma bastante simples: você mandava o jornal para todos os militares, depois para um público vasto de deputados e senadores da Arena e do MDB. Para os bons e para um bando de canalhas. Depois para os bispos.
Os canalhas pegavam a Voz Operária que os deputados do MDB recebiam, levavam para a Tribuna e falavam “Olha, ele recebeu, ele é comunista”. E o Geisel cassava…
[Del Roio ] É, só que eles recebiam também´. Todos. Nós mandávamos para o movimento sindical, escolhendo bem entre os terríveis e as lideranças. Um dia, o Lula conversando comigo, contou que o primeiro jornal político mesmo que ele leu era a Voz Operária, que chegava lá no Sindicato e ele recebia. Era um jornal que circulava assim. Outros faziam também algo parecido. A gente reproduzia textos interessantes que circulavam.
Esse material todo está aqui no CEDEM, quem quiser pode ver e consultar. Está tudo aqui no arquivo. Temos a coleção da Voz Operária. Aliás, há coleções desde 1900 de jornais e de revistas de esquerda.

“Não responder, ignorar”


O que foi o Tribunal Russel?
[Del Roio ] Talvez tenha sido um dos maiores atos realizados internacionalmente. O Tribunal havia sido criado pelo filósofo inglês e matemático, Bertrand Russel, para discutir os crimes dos americanos no Vietnã. O Tribunal teve uma repercussão imensa nos Estados Unidos. Os exilados brasileiros pediram ao senador italiano Lélio Basso que havia assumido o Tribunal, após a morte do Russel, para realizar um tribunal sobre o Brasil. O Basso era de esquerda, socialista, e havia participado da resistência contra o nazi-fascismo. Ele e o pessoal do exílio lutaram muito para fazer esse tribunal. Foi muito sério, com um corpo de jurados de altíssimo nível, com prêmios nobel, cientistas, juristas de muitos países, do Vietnã, da Corte Suprema da França. Tinha até um jovem jurado chamado Gabriel Garcia Marques. O escritor e filósofo existencialista Jean Paul Sartre não pode ir porque estava doente, mas escreveu várias cartas e fazia parte do Tribunal. Ele era muito próximo da resistência brasileira. Um apaixonado pelo Marighella. Ele o achava fabuloso. O Sartre nos ajudou muito.
O governo brasileiro foi convidado para se defender e eu li, recentemente, um documento da presidência da República que dizia: “Não responder. Ignorar”. Eles estavam muito preocupados. O Tribunal aconteceu em 1974, em Roma. O “ato de acusa” foi feito pelo Miguel Arraes e nós apresentamos o depoimento de uma série de pessoas torturadas. Foi muito chocante. Evidentemente, a ditadura brasileira foi condenada. Isso teve uma repercussão imensa.
Dá para mensurar a perda para o Brasil representada pelos 21 anos de ditadura?
[Del Roio ] Há uma frase, não sei de quem é que diz: “imagine como teria sido o Brasil, se Paulo Freire não tivesse sido expulso desse país e tivesse sido ministro da Educação”. Só essa frase diz tudo. Nós tínhamos uma plêiade de ministros na época Jango, ministros do presidente e tantos outros que estavam no entorno daquele governo naqueles anos… Darcy Ribeiro era chefe da Casa Civil. Esse homem poderia ter dado muito mais. O Brasil perdeu os anos mais férteis dele enquanto ele, no exílio, colaborou com os governos Allende, no Chile, Juan Velasco Alvarado, no Peru, e trabalhou para outros países. Pensem que todo o teatro do Oprimido nasceu no Brasil e se desenvolveu no exterior, Boal teve de ir embora. O próprio Glauber Rocha, nosso louco genial teve de ir para o exílio. O Celso Furtado e tantos outros. O Brasil não tinha tanta gente assim para se dar ao luxo de não manter essas pessoas. A repressão foi horrível.
O Brasil estava estourando com a música, toda experimentação musical da música pop, as criações meio burguesas como a Bossa Nova. Estávamos estourando com o Cinema Novo. A arquitetura – não apenas Niemeyer, mas tínhamos aqui, estourando, muitos outros arquitetos.Não só em São Paulo…de São Paulo citei o Villanova Artigas, mas havia tantos outros. Na poesia, o Tiago de Mello, o Ferreira Gullar, uma série de poetas extraordinários. Na física, o Mário Schemberg, nas artes plásticas, o Oiticcica e tantos outros. Tudo isso foi cortado radicalmente. O atraso global foi muito grande. O Brasil foi realmente violentado com a ditadura militar. Aí tínhamos os “líderes” importantes da ditadura, como o general Mourão Filho que se declarava uma “vaca fardada”.
Não só a violência, mas a ignorância tomou conta do país e o atrasou.Pensem no que foi a destruição da escola pública com o acordo MEC/USAID. Até hoje nós lamentamos todos os dias a destruição da escola pública que era excelente antes do golpe. Além de todos os programas de reforma urbana, de como fazer uma cidade de nível, sem favelas, sem marginalidade. Era um programa muito avançado e vejam hoje o que virou São Paulo. Até 1964, até o golpe, não tinha criança abandonada na capital paulista. Não tinha gente dormindo na rua.

As grandes cidades foram
jogadas no lixo

[Del Roio ] São Paulo não tinha lixo na rua, em 1964. Não tinha favela, havia bairros operários. Quando eu voltei do exílio para São Paulo, eu encontrei a cidade destruída, com crianças jogadas na rua. Esse é um preço que vamos pagar por três gerações e, ainda assim, por três gerações, só se se trabalharmos direito. As grandes cidades foram jogadas no lixo.
Foi feito todo um projeto de reforma agrária “prussiano”, ou seja, de expulsão do homem do campo, substituindo-o pela máquina, sem redistribuição da terra. Isso estourou as cidades que só incharam. A ditadura fez isso. Com os planos do governo Jango (as reformas de base que seu governo tentou aprovar), se tivesse havido opção de debate, isso não seria feito. Milhões de famílias foram arrancadas da sua situação semifeudal ou de patriarcalismo semifeudístico, mas elas tinham uma cultura camponesa. Dura, difícil, mas tinha. E o que aconteceu com essas pessoas? Elas foram tiradas do campo e jogadas sem emprego ou como exército de reserva indústrial nas favelas das grandes cidades. Sem ser um cidadão, sem ter a cultura urbana. Elas perderam a cultura rural, mas não ganharam a cultura da cidade. Tornaram-se párias. Não tinham nada, não eram nada. Deu no que deu. Foi um crime monstruoso.
Como seria o Brasil sem a ditatura? você me pergunta. Não seria isso, seguramente.
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