Alguém
o viu expressar tristeza com o fato de o processo contra o mensalão
tucano não atribuir o mesmo crime de quadrilha a Eduardo Azeredo, do
PSDB de MG?
O presidente do Supremo, relator da AP 470, esbravejador-geral da Nação,
candidato em campanha a um cargo sabe-se lá do que nas eleições de
outubro, decretou solenemente:
"É uma tarde triste para o Supremo".
É curioso como Joaquim Barbosa se mostra triste com algumas coisas, e não com outras.
Alguém
o viu expressar tristeza com o fato de o processo contra o mensalão
tucano não atribuir o mesmo crime de quadrilha a Eduardo Azeredo
(PSDB-MG) & Companhia Limitada?
O inquérito da
Procuradoria-Geral da República (INQ 2.280, hoje Ação Penal 536), que
sustenta a denúncia contra Azeredo, foi apresentado pelo mesmo
Procurador (Roberto Gurgel), ao mesmo STF que julgou o mensalão petista,
e caiu nas mãos do mesmo relator, ele mesmo, Joaquim Barbosa.
O
que dizia o Procurador? Que o mensalão tucano "retrata a mesma estrutura
operacional de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e
simulação de empréstimos bancários objeto da denúncia que deu causa a
ação penal 470, recebida por essa Corte Suprema, e envolve basicamente
as mesmas empresas do grupo de Marcos Valério e o mesmo grupo financeiro
(Banco Rural)”.
Se é tudo a mesma coisa, se são os mesmos
crimes, praticados pelas mesmas empresas, com o mesmo operador, cadê o
crime de quadrilha, de que Barbosa faz tanta questão para os petistas?
Alguém viu o presidente do Supremo expressar sua tristeza sobre o assunto?
Alguém
o viu decretar a tristeza no STF quando o processo contra os tucanos,
ao contrário do ocorrido com a AP 470, foi desmembrado, tirando do STF
uma parte da responsabilidade por seu julgamento?
Talvez muitos
não se lembrem, mas as decisões de desmembrar o processo do mensalão
tucano e de livrar Azeredo e os demais da imputação do crime de
quadrilha partiram do próprio Joaquim Barbosa.
Foi ele o primeiro relator do mensalão tucano. Foi ele quem recomendou tratamento distinto aos tucanos.
Justificou,
sem qualquer prurido, que os réus estariam livres da imputação do crime
de formação de quadrilha “até mesmo porque já estaria prescrito pela
pena em abstrato”, disse e escreveu Barbosa, em uma dessas tardes
tristes.
Mais que isso, livrou os tucanos também da imputação de corrupção ativa e corrupção passiva.
O
que se tem visto, reiteradamente, são dois pesos, duas medidas e um
espetáculo de arbítrio de um presidente que resolveu usar o plenário do
STF como tribuna para uma campanha eleitoral antecipada de sua possível e
badalada candidatura, sabe-se lá por qual "partido de mentirinha", como
ele mesmo qualificou a todos.
E as tantas outras tristezas não decretadas?
Vimos
a maioria que compõe hoje o STF ser destratada como se fosse cúmplice
de um crime; um outro bando de criminosos, portanto, simplesmente por
divergirem de seu presidente e derrotá-lo quanto a uma única acusação da
AP 470.
Que exemplo!
Sempre que um ministro do Supremo, seja ele quem for, trocar argumentos por agressões, será uma tarde triste para o Supremo.
Há
uma avalanche de questões importantes, que dormem há décadas no STF, e
que seriam suficientes para que se decretasse que todas as suas tardes
são tristes.
Não só há decisões, certas para uns, erradas para
outros. Há sempre uma tarde triste no STF pela falta de julgamentos
importantes. Cerca de metade das ações de inconstitucionalidade
impetradas junto ao Supremo simplesmente não são julgadas.
Dessas,
a maioria simplesmente é extinta por perda de objeto. Ou seja, o longo
tempo decorrido é quem cuida de dar cabo da ação, tornando qualquer
decisão desnecessária ou inaplicável. Joaquim Barbosa se esquece de
ficar triste com essa situação e de decretar seu luto imperial.
Por
exemplo, o STF ainda não julgou as ações feitas por correntistas de
poupança contra planos econômicos, alguns da década de 1980. Tal
julgamento tem sido sucessivamente adiado. Triste. Quem sabe, semana que
vem?
É triste, por exemplo, a demora do STF em julgar a Lei do
Piso salarial nacional dos professores. Nada acontece com prefeitos e
governadores que se recusam a pagar o piso salarial, enquanto o Supremo
não decide a questão. Até agora, o assunto sequer entrou em pauta.
Triste.
Muito mais triste foi a tarde em que auditores fiscais do
trabalho, procuradores do trabalho, militantes de direitos humanos,
sindicalistas e até o ministro do Trabalho, Manoel Dias, se reuniram em
frente ao Supremo para chorar pelos dez anos de impunidade da Chacina de
Unaí-MG.
Fazendeiros acusados da prática de trabalho escravo
contrataram pistoleiros que tiraram a vida de quatro funcionários do
Ministério do Trabalho que investigavam as denúncias.
Nenhum dos
ministros cheios de arroubos com o suposto crime de quadrilha esboçou
tristeza igual com a impunidade de um crime de assassinato.
Até o
momento, aguardamos discursos inflamados contra esse crime que
envergonha o país, acobertado por aberrações processuais judiciárias,
uma delas estacionada no STF.
Quilombolas e indígenas: que esperem sentados?
Tristes
foram também os quase cinco anos que o Supremo demorou para
simplesmente publicar o acórdão (ou seja, o texto definitivo com a
decisão final tomada em 2009) sobre a demarcação da reserva indígena de
Raposa Serra do Sol (RR). Pior: ao ser publicado, o STF frisou que a
decisão não serve de precedente para outras áreas. Triste.
Faltou
ainda, a Joaquim Barbosa e a outros ministros inflamados, uma mesma
tristeza, uma mesma indignação e um mesmo empenho para que o STF decida,
de uma vez por todas, em favor da demarcação de terras quilombolas.
Seus processos, como tantos outros milhares, aguardam julgamento.
Uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo DEM contra o
decreto do presidente Lula, de 2003, que regulamentava a identificação, o
reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras
ocupadas por essas comunidades que se embrenharam pelo interior do
território nacional para fugir da escravidão.
Por pouco não se
deu algo ainda mais escabroso, pois o ministro relator de então, Cezar
Pelluso, havia dado razão aos argumentos do DEM impugnando o ato.
A
propósito, na mesma tarde em que o STF julgou e afastou a imputação do
crime de quadrilha aos réus da AP 470, o mesmo Joaquim Barbosa impediu a
completa reintegração de posse em favor dos Tupinambás de Olivença,
Bahia.
A área dos índios estava sendo reconhecida e demarcada
pela Funai. Joaquim Barbosa, tão apressado em algumas coisas, achou
melhor deixar para depois. Ora, mas o que são uns meses ou até anos para
quem já esperou tantos séculos para ter direitos reconhecidos?
Realmente, mais uma tarde triste para o Supremo.
Apesar de vocêA
célebre música de Chico Buarque, "Apesar de você", embora feita na
ditadura, ainda cai bem para enfrentarmos descomposturas autoritárias
desse naipe.
Diz a música, entre outras coisas:
"Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão""Você que inventou a tristeza Ora, tenha a finezaDe desinventar""Apesar de você Amanhã há de serOutro dia".(*) Antonio Lassance é cientista político.
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