Brasil Sociedade Conectada iLtda
Por Gabril Piolli
Esta semana falei a estudantes da
Universidade do Vale do Paraíba. Calouros da Faculdade de Ciências
Sociais Aplicadas e Comunicação. Uma galera bonita de Administração,
Ciências Contábeis, Moda, Secretariado Executivo, Jornalismo, Rádio e
TV, Publicidade e Propaganda, e Ciência da Computação.
A TV Univap é
uma das melhores emissoras universitárias do país, com produção
regular, de qualidade, realizada pelos estudantes e professores da FCSAC. É dirigida por meu amigo, companheiro de lutas e sucessor na presidência da ABTU, Fernando Moreira,
um professor daquele raro tipo que faz, reflete sobre o que faz, ensina
o que aprende, faz junto com o aluno, e aprende ensinando. Ele me fez o
convite para falar sobre um tema desafiador: “A Sociedade Conectada”.
Como jornalista, estou acostumado a
trabalhar com temas pautados. A pauta dá um rumo seguro para a
investigação. Ajuda a levantar os elementos de análise, facilita a
organização das ideias, orienta a especulação. Mas quando é ampla assim,
é um pouco assustadora. Exige um bom dispêndio de bestunto, com risco
considerável de produzir uma pensata rasa. E tratava-se de fazer uma
explanação do tema que fosse, também, uma exortação aos jovens
iniciantes na vida universitária. Um convite à aplicação e ao empenho.
Estaria este mamífero analógico, filhote
de Gutemberg, capacitado a discorrer sobre as mutações digitais no
corpo social? Certamente não, mas sentia-se apto a tecer algumas
generalidades que pudessem ser instigantes e excitar a curiosidade dos
alunos.
Para organizar a parada, segui o sábio conselho de meu pai, advogado, lavrador da palavra:
“vá à essência”. Ao núcleo do significado, ao centro do que a palavra
encerra e expressa. Desmonte a palavra e explore todas as suas direções.
Bueno, o que diz meu fiel iDicionário Aulete sobre “conectar”?
(co.nec.tar) v.
1. Fazer conexão entre (dois ou mais
elementos); ligar (uma coisa a outra). [td. : O encanador conectou os
dois canos.] [tdr. + a, em : "...esperamos conectar os movimentos do
médico às câmeras e aos instrumentos..." ( FolhaSP , 21.03.99) ]
2. Inf. Ligar (computador) a outros
computadores (ou ligar computadores entre si), ger. de uma rede ou
sistema, e esp. à internet. [td. : Conectaram os computadores da
empresa.] [tdr. + a, com : conectar o computador à / com a internet.]
3. Utilizar conexão física para
estabelecer comunicação, troca de mensagens e dados etc. com (outros
computadores, programas, equipamentos, ou rede de computadores, ou as
pessoas que os utilizam) [tdr. + a, com : instalar programa/placa que
conecte o computador à / com a rede: conectar -se à internetUs. em
relação a usuários de equipamentos de computador, ou aos programas por
eles utilizados.]
4. Relacionar acontecimentos, fatos,
ideias; estabelecer ou descobrir nexos, vínculos entre coisas, ações,
pessoas [tdr. + a, com : Conectou um fato ao outro e descobriu a
verdade.]
[F.: Do lat. conectare, pelo ing. (to) connect 'ligar'.]
É uma palavrinha bem “polissêmica“,
como diríamos nos tempos d’antanho das pirações semiológicas. Alude à
conexão entre elementos , “ligar uma coisa a outra”, que pode ser objeto
ou pessoa. Tem a acepção informática de ligação de computadores e
redes. Tem a expressão física, o cabinho do computador, conexão como
sinônimo de plug. E tem a ideia mais ampla, de relacionar, buscar nexos,
vínculos. Conectar como analisar, explicar, comunicar.
Em que sentido desenvolve-se o Brasil,
então, nessas várias dimensões de “conectar”? Qual a tradição, a
dimensão e o destino dessa “sociedade conectada”, que, indubitavelmente,
todos percebemos que somos – embora sem entender muito bem como, ou por
que?
O Brasil conecta-se desde sempre. Seu
ato fundador, ou inaugural de seu contato com outras civilizações, foi
um ato de conexão. Nativos de pele parda defrontando-se com forasteiros
de pele branca, trocando estupor, traduzindo mutuamente língua e
cultura. Aquilo foi pura conectividade. Direta, interpessoal, potente.
Com grande troca de informação. Grande resultado de conhecimento e
propagação.
Os
brasileiros conectam-se de todas as formas. Nos tempos antigos,
pré-mídia, conectavam-se pessoalmente, indo de um lugar a outro por uma
rede de trilhas e estradas. Séculos depois, esse ir e vir incansável
resultou em mais de 1.750.000 quilômetros de estradas, a quarta malha
viária do mundo.
Quando não iam pessoalmente, os
brasileiros mandavam cartas. O serviço postal existe desde o início da
colônia, mas foi organizado como sistema regular mais eficiente quase às
portas da independência, em 1798. Hoje, com o correio eletrônico e
outros meios de comunicação mais eficientes, ele é declinante. Mas ainda
assim distribui mais de 8,3 milhões de objetos, anualmente.
A partir de 1808, quando surge o Correio
Braziliense, a conexão amplia-se com o início da imprensa. Em poucos
anos, já são dezenas de jornais regulares em diversas cidades do país,
distribuindo informação e opinião, e alimentando a vida política do
Império. Depois vão derrubá-lo, vão fazer uma República, vão eleger e
derrotar governos, vão conectar o cidadão com o poder.
Depois da imprensa vem o telefone,
inaugurado pelas augustas e reais orelhas de D.Pedro II. Uma geringonça
esquisita e ruidosa, cheia de chiados, que vai avançando, vai
melhorando, e continua cada vez mais esquisita e ruidosa, cheia de novos
chiados, mas que não é mais uma comodidade ao alcance apenas da elite
brasileira. Toda a patuléia também tem acesso: são 240 milhões de
celulares e 40 milhões de linhas fixas. Mais telefone que gente.
Um italiano apresenta ao mundo a conexão
por rádio? Transmite a voz à distância? O padre gaúcho Landell de Moura
boceja, porque já tem prontinho na oficina o suposto invento de
Guglielmo Marconi. Um Santos Dumont não-reconhecido, o padre foi
pioneiro na radiodifusão. Mesmo sem saber dele, o Brasil liga o botão do
rádio a partir de 1922, e não para mais de escutar. Só em FM temos
3.125 emissoras, atualmente.
Mais conexão, agora com áudio e vídeo,
vem com a televisão, a partir de 1950. 99% dos brasileiros sintonizados
hoje. São 514 estações geradoras de TV e 10.506 retransmissoras, fora as
redes de TV a cabo, a televisão via satélite e a TV na internet. Uma
delas é a segunda maior rede do globo e quando você pensar qual seria,
já leu o nome dela.
Mas conectar mesmo, agora, é com a
internet. É a conexão em pessoa, nome e sobrenome da ideia. Pegou no
osso desse peito varonil. Já somos 105 milhões de internautas, com um
tempo médio de uso da rede de 70 horas mensais. Ou mais de duas horas
por dia. É o que nos faz o quinto país mais conectado do mundo. Tanto no
computador quanto no celular ou no tablet, porque 57,9% dos usuários
usam indistintamente os dispositivos fíxos e os móveis.
Internautas ativíssimos, somos altamente
conectados em redes sociais. Temos 76 milhões de usuários do Facebook e
estamos em terceiro lugar nesse ranking, atrás apenas dos Estados
Unidos e Índia. Esta, diga-se, só nos ultrapassou há pouco tempo, tendo
uma população seis vezes maior do que a nossa.
Querem ainda mais conectividade e avanço brasileiro nessa matéria? – pergunto aos atentos estudantes.
Considerem a automação bancária. A
informatização do comércio, da indústria, dos serviços. O mundo do
trabalho, que não existe mais sem computador e sistemas em rede.
Considerem o imposto de renda, que faz milhões de brasileiros
conectarem-se com a Receita Federal para transmitir a declaração anual
de rendimentos.
Enfim, é conexão à beça. Somos líderes
nisso, estamos no pelotão de frente. Mas convém considerar que conexão é
diferente de comunicação, que é diferente de compreensão. A tarefa da
cidadania, e dos profissionais de comunicação mais que dela, é fazer
como que essas coisas se assemelhem.
O desafio da conectividade é promover a
comunicação, para a melhor compreensão do mundo, do próximo, de si
mesmo, da vida. Essa missão, felizmente, é cada vez mais compartilhada,
por todos que estamos ligados em rede. É a maravilhosa democracia da ágora digital.
Todos somos antenas, todos somos transmissores, todos captamos,
produzimos e distribuímos informações, sejam megacorporações de mídia,
seja o adolescente que posta no WhatsApp a foto bacana que acabou de
tirar.
Resumindo – digo aos estudantes para
encerrar – todos nós vivemos conectados na Matrix. Quase não há mais
vida fora do plug. Mas isso pode ser tanto opressão quanto liberdade.
É opção nossa sermos organismos
inconscientes, plugados vegetativamente num sistema que desconhecemos e
nos domina. Ou sermos a turma do Neo: a consciência ativa, a inquietação
rebelde, os combatentes da autonomia mental.
Só depende do que escolhemos conectar.
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