Black blocs ou galinhas verdes?

Galinhas Verdes
Black blocs













Luciano Rezende *

A forma de atuaĆ§Ć£o dos chamados black blocs em nada combina com a tradiĆ§Ć£o pacifista e pacĆ­fica do povo brasileiro.

Mesmo em ocasiƵes de grande efervescĆŖncia polĆ­tica, econĆ“mica e social, ou seja, em situaƧƵes de grandes viragens histĆ³ricas como a IndependĆŖncia do Brasil, a aboliĆ§Ć£o da escravidĆ£o, a ProclamaĆ§Ć£o da RepĆŗblica, o movimento das “Diretas JĆ”” e o impeachment de Collor, os "revoltosos" sempre conduziram suas lutas ao lado do povo.

AtĆ© em momentos de conflitos armados como a Cabanagem, Contestado, Farroupilhas, Araguaia e tantos outros movimentos de resistĆŖncia popular contra o arbĆ­trio das classes dominantes da Ć©poca, esses insurgentes e revolucionĆ”rios nĆ£o agiam fortuitamente contra a populaĆ§Ć£o civil e muito menos marchavam sem uma plataforma reivindicatĆ³ria clara e significativamente importante para a populaĆ§Ć£o. Pelo contrĆ”rio, essas massas populares sempre foram tratadas como aliadas e convencidas politicamente da justeza destas lutas, ao contrĆ”rio do terror disseminado pelos black blocs na atualidade que esperneiam contra um evento mundial de futebol.


Mas nossa histĆ³ria tambĆ©m registra movimentos similares, embora minoritĆ”rios, em que a truculĆŖncia ganhou forma e tomou as ruas. Os galinhas verdes - como eram chamados os militantes da AĆ§Ć£o Integralista Brasileira (AIB) -, a versĆ£o brasileira do fascismo, nĆ£o hesitavam em perseguir violentamente seus opositores. Mas justiƧa seja feita: jamais um integralista teria a coragem de depredar uma instituiĆ§Ć£o nacional como o Banco do Brasil, os Correios ou a Caixa EconĆ“mica Federal. JĆ” os black blocs, por sua vez, nĆ£o titubeiam em atear fogo atĆ© mesmo em um ameaƧador ponto de Ć“nibus pĆŗblico.

Os marxistas sempre procuraram as ruas em momentos chave e com reivindicaƧƵes claras, relevantes e exequĆ­veis: “Eu quero votar para presidente”, Abaixo a Ditadura, Fora FMI, “O PetrĆ³leo Ć© nosso”, entre outras. NinguĆ©m mais que LĆŖnin, o lĆ­der de uma das maiores revoluƧƵes da histĆ³ria da humanidade, ressaltava que para as massas se constituĆ­rem em forƧas motrizes do avanƧo nĆ£o basta agitaĆ§Ć£o e propaganda, mas, sobretudo que elas vivam sua prĆ³pria experiĆŖncia polĆ­tica e extraia daĆ­ seus ensinamentos. Os galinhas (verdes ou negras) nĆ£o seguem essa linha de pensamento e aĆ§Ć£o.

O presidente Lula estĆ” correto ao afirmar que "feliz Ć© um paĆ­s com um povo que vai Ć s ruas querendo mais". EstĆ” certo tambĆ©m em constatar que "um paĆ­s que era a dĆ©cima economia do mundo e que em 2016 serĆ” a quinta economia do mundo produziu uma sociedade que quer mais". Entretanto, sĆ£o necessĆ”rias algumas ressalvas.

Primeiramente Ć© necessĆ”rio combater algumas concepƧƵes espontaneĆ­stas que renegam o elemento consciente e as suas raĆ­zes filosĆ³ficas, em detrimento de uma tĆ­pica revoluĆ§Ć£o permanente. Essa, inclusive, Ć© a essĆŖncia do trotsquismo cujo principal lema Ć© a ligaĆ§Ć£o com as massas sem dar a devida importĆ¢ncia Ć  ideologia. Sobre isso, inclusive, jĆ” alertava JoĆ£o Amazonas: “DaĆ­ por que a caracterĆ­stica essencial de um partido revolucionĆ”rio nĆ£o seja propriamente a sua ligaĆ§Ć£o com as massas – ainda que essa ligaĆ§Ć£o seja indispensĆ”vel –, mas o conteĆŗdo filosĆ³fico da doutrina que sustenta, no caso, o marxismo leninismo”. Ou seja, atĆ© mesmo os integralistas (galinhas verdes) eram capazes de manter extensos vĆ­nculos com as massas, sem com isso serem considerados instrumentos da revoluĆ§Ć£o social.

Outro ponto importante Ć© entender o que significa “essa sociedade que quer mais”. NĆ£o hĆ” uma sociedade uniforme, monolĆ­tica, pelo contrĆ”rio, essa sociedade Ć© dividida em classes sociais. Portanto, qual Ć© o segmento dessa sociedade representado pelos black blocs? Certamente nĆ£o Ć© o do operĆ”rio que trabalha na construĆ§Ć£o do ItaquerĆ£o ou em qualquer uma das centenas de obras estruturantes que ocorrem no paĆ­s afora. Outra questĆ£o: o que de fato se pleiteia mais?

As forƧas progressistas e revolucionĆ”rias sempre saĆ­ram Ć s ruas e continuarĆ£o saindo quando necessĆ”rio. Enquanto os galinhas verdes no passado e os black blocs no presente caracterizam-se pelo espontaneĆ­smo infantil e aventurista, a rubra juventude socialista guia-se pelo elemento consciente, conduzindo as massas no caminho consequente das mudanƧas progressistas, primando a elevaĆ§Ć£o da sua consciĆŖncia.

Ɖ como dizia o velho Marx: "A histĆ³ria se repete, a primeira vez como tragĆ©dia e a segunda como farsa”.


* Engenheiro AgrƓnomo, mestre em Entomologia e doutor em Fitotecnia (Melhoramento GenƩtico de Plantas). Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF)

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