Aliança entre mídia e Judiciário ameaça direitos
sex, 21/02/2014 - 22:41
- Atualizado em 21/02/2014 - 23:21
Da Rede Brasil Atual
A recente influência dos meios de
comunicação em decisões judiciais – fenômeno cujo maior símbolo é o
julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão – é decorrência direta
do sensacionalismo televisivo em torno dos julgamentos criminais aliado à
tendência de se considerar alguns direitos fundamentais como obstáculo à
eficiência do Judiciário em punir. Segundo operadores do Direito
ouvidos pela RBA, essa receita ameaça seriamente esses direitos,
conquistados a duras penas no século 20.
Na semana passada, o presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, suspendeu uma decisão
do ministro Ricardo Lewandowski que determinava à Justiça do Distrito
Federal a análise de pedido de trabalho externo feito pelo
ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, condenado no julgamento do
mensalão. Antes, o pedido de análise do benefício, pela defesa de
Dirceu, havia sido suspenso pela Vara de Execuções Penais do Distrito
Federal com base em nota do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro,
considerada depois inverídica por investigações do Núcleo de
Inteligência do Centro de Internamento e Reeducação do sistema
penitenciário.
O ex-ministro cumpre pena em regime
fechado, embora tenha tenha direito ao regime semiaberto porque sua
pena, de sete anos e 11 meses até aqui, é inferior ao tempo mínimo de
regime fechado, de oito anos.
“O Judiciário hoje se encontra numa
encruzilhada entre a origem aristocrática de um poder encastelado, que
nasceu comprometido com a manutenção do status quo e, por outro lado, o
que se tem chamado de ‘tentação populista’: dar respostas que agradem
aos meios de comunicação de massa”, afirma o juiz da 43ª Vara Criminal
do Rio de Janeiro Rubens Casara. “Existem alguns sintomas desse
movimento em decisões recentes”, acrescenta o magistrado, membro da
Associação Juízes para a Democracia.
“Considero grave a influência da mídia
sobre o Poder Judiciário, e nos processos criminais isso se dá inclusive
em função do fato de os julgamentos do Supremo serem televisionados”,
avalia o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Para ele, o
acesso do público à TV Justiça tem importância “enorme”, por dar
transparência a questões judiciais. “Mas nunca em processos criminais.
Esse excesso de exposição que se faz dos processos criminais é algo
absolutamente escandaloso.”
Para Casara, é “extremamente perigoso”
que uma maioria formada pelos meios de comunicação influencie decisões
judiciais. “Porque o Judiciário democrático, ou pelo menos nas
democracias, é contra-majoritário. Isso significa que ele tem que
decidir contra a opinião pública, contra a opinião publicada, se isso
for necessário para assegurar os direitos fundamentais.”
Segundo o magistrado, veículos de
imprensa tendem atualmente a ver direitos fundamentais, à ampla defesa e
ao devido processo legal, por exemplo, como se fossem obstáculos a uma
eficiência “punitivista”, ou seja, a uma punição rápida e exemplar. “Mas
são conquistas da humanidade, muita gente morreu para que esses
direitos fundamentais hoje estivessem positivados. Eles têm de ser
respeitados mesmo que isso desagrade à opinião pública, que muitas vezes
é forjada na desinformação, segundo determinados interesses muito bem
identificáveis.”
Kakay concorda que os interesses pairam
no ar. “Existem setores da mídia que obviamente têm interesses
específicos em alguns julgamentos e fazem acordo com pessoas do
Judiciário, de forma geral. As coisas não são desconectadas.”
Transmissões ao vivo
"O Brasil é o único país importante do
mundo que transmite ao vivo as sessões de sua Suprema Corte. Nos Estados
Unidos, por exemplo, só se divulga o resultado. Na Europa há uma série
de restrições para coibir o sensacionalismo em torno dos julgamentos
criminais”, lembra o advogado Luiz Fernando Pacheco. “Essa cobertura
massiva do julgamento criminal influencia os próprios juízes e o
resultado do julgamento.”
“Julgar um processo criminal ouvindo ‘a
voz das ruas’ é um estupro constitucional, um atentado à Constituição e
ao Estado democrático de Direito”, diz Almeida Castro. “O processo
criminal se faz com base em prova produzida, não em cima daquilo que a
imprensa ou quem quer que seja está dizendo que é.”
Na visão dele, diferentemente do
Ministério Público, que tem “obrigação” de investigar as notícias
divulgadas na mídia, o Judiciário não pode se manifestar de uma forma
concreta com base em notas de jornal. “Principalmente restringindo
direito de alguém, sem que se tenha uma investigação séria.”
Soluções?
Os advogados veem algumas possibilidades
contra a tendência atual. “Nos Estados Unidos, em 1991, o sobrinho do
ex-presidente John Kennedy, William Kennedy, estava sendo acusado de
estupro e havia uma pressão da mídia muito forte pela condenação. A
pressão foi tão grande que o julgamento foi suspenso até que os ânimos
se acalmassem, e ele foi absolvido no final. Essa é uma medida”,
acredita Pacheco.
Para Almeida Castro, além do debate, o
próprio tempo pode ajudar a corrigir as distorções. “Os erros foram
tantos que algumas pessoas que se julgavam heróis já estão hoje sendo
olhadas pela sociedade com certa ressalva. Ninguém é dono da verdade,
ninguém pode atuar como se fosse o único ator do estado democrático de
direito. A vida dá voltas. Um dia isso pode bater do outro lado”, prevê.
Agravo
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, protocolou quarta-feira (19) agravo regimental no STF no qual reafirma o pedido para que o ministro Gilmar Mendes se explique sobre as declarações à imprensa nas quais insinua haver lavagem de dinheiro, pelo PT, nas “vaquinhas” feitas por familiares e amigos dos condenados na AP 470 para o pagamento das multas decorrentes do julgamento.
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, protocolou quarta-feira (19) agravo regimental no STF no qual reafirma o pedido para que o ministro Gilmar Mendes se explique sobre as declarações à imprensa nas quais insinua haver lavagem de dinheiro, pelo PT, nas “vaquinhas” feitas por familiares e amigos dos condenados na AP 470 para o pagamento das multas decorrentes do julgamento.
A ação se dirige ao ministro Luiz Fux,
que negou ao partido o primeiro pedido de explicações de Mendes em
juízo, há duas semanas. No novo pedido, o presidente do PT pede que a
análise seja feita pelo plenário do STF.
Na decisão contestada, Fux, relator do
caso, não reconhece a legitimidade da direção do PT para ingressar em
juízo em nome dos filiados. “O diretório nacional do Partido dos
Trabalhadores tem, sim, legitimidade ativa para ingressar com a presente
Interpelação Judicial Criminal”, contra-argumenta o partido no agravo.
Segundo a sigla, a interpelação criminal judicial é providência de quem
se sente moralmente afetado pelas declarações dúbias, e a pessoa
jurídica tem “honra objetiva”.
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