A mídia nutre relação esquizofrênica com a Copa do Mundo
Ao mesmo tempo que a defende de acordo com os seus interesses mercadológicos procura incentivar manifestações populares em torno dela, contra o governo.
(*) Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de fevereiro de 2014
Encerrei o artigo publicado na edição de janeiro da Revista do Brasil com a expressão “2014 promete”. Escrito em dezembro chamava a atenção para o desespero da oposição, representada pela mídia, na busca de um candidato para as eleições presidenciais deste ano, alertando sobre o previsível “vale-tudo”.
Previsão que, infelizmente, começou a se confirmar antes mesmo do fim do ano com o jornalista Élio Gaspari pedindo na Folha de S.Paulo a volta das manifestações de rua, seguido na mesma linha por vários outros comunicadores, até pelo Faustão, na Globo.
Passadas as festas a carga prosseguiu com a Globonews mostrando um gráfico sobre inflação que irá para os anais da manipulação jornalística brasileira. Através dele ficamos sabendo que a inflação de 2013, de 5,91%, é maior que as de 2010 (5,92%) e 2011 (6,50%).
Disseram depois que foi “erro”, para mim só comparável ao célebre “boimate” da Veja de tempos atrás, quando a revista da Abril publicou uma nota científica sobre a descoberta da criação de um híbrido formado por boi e tomate.
A diferença entre os dois “erros” está em seus objetivos. O da Veja antiga era mero sensacionalismo. Já o da Globonews faz parte de ação política orquestrada, tendo como referência ideológica o Instituto Millenium, articulador da mídia brasileira em torno do pensamento único de raiz reacionária.
Curiosa, no entanto, é a esquizofrenia dessa mídia diante da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo que a defende de acordo com os seus interesses mercadológicos procura incentivar manifestações populares em torno dela, contra o governo, por interesses políticos. Mas pede que sejam feitos de forma pacífica, repetindo os chavões de junho passado.
Creio até que gestores e mentores dessa mídia torçam contra a seleção na esperança de que uma derrota crie o clima capaz de dar à oposição um último alento. Ainda que custem um período de relativas baixas nas receitas publicitárias advindas do ufanismo futebolístico.
Se for assim será mesmo o derradeiro ato de desespero. Foi-se o tempo em que política e futebol contaminavam-se reciprocamente. Não estamos mais em 1950 quando candidatos aos mais diferentes cargos circulavam entre os jogadores da seleção, considerada invencível antes da hora, tentando tirar uma casquinha do prestígio por eles conquistado nos gramados até minutos antes da tragédia do Maracanã diante do Uruguai.
Ou da ditadura, em seu momento mais sinistro durante a Copa de 1970, tentando sufocar os gritos das masmorras com marchinhas do tipo “prá-frente Brasil, salve a seleção”. Chegando ao cúmulo de determinar a saída do técnico do time, João Saldanha, às vésperas da competição devido a sua militância política.
De lá para cá o país mudou muito. Foi campeão do mundo mais duas vezes, passou dos “90 milhões em ação” para mais 200 milhões de habitantes e, na última década, tornou-se uma das mais importantes economias do mundo.
Não há futebol que possa contaminar as conquistas populares como o aumento das redes de proteção social, a universalização do acesso ao ensino fundamental, a expansão do ensino superior e, principalmente, a ampla redução do desemprego.
O “complexo de vira-lata” pregado na testa dos brasileiros pelo escritor Nelson Rodrigues, logo após a derrota de 50, e que aplicava-se não só ao futebol mas a toda a auto-estima do país, desapareceu.
Mesmo as mazelas que persistem na insegurança das ruas, no trânsito caótico, na prisões medievais, nas habitações precárias deixaram de ser consideradas destinos manifestos da gente brasileira. Ao contrário, mostram-se como desafios a serem enfrentados e superados pela ação política, institucionalizada ou não.
A mídia tentará, uma vez mais instrumentalizar essas lutas, juntando-as ao futebol, tanto em caso de vitória como de derrota na Copa. Se vencermos o mérito será da seleção, se perdermos o ônus ficará com o governo.
Serão as últimas cartadas oferecidas por ela ao seus candidatos numa tentativa de utilizar esses temas, neste ano, da mesma forma irresponsável como pôs em debate o aborto nas eleições de 2010.
Como disse em janeiro, “2014 promete”.
Encerrei o artigo publicado na edição de janeiro da Revista do Brasil com a expressão “2014 promete”. Escrito em dezembro chamava a atenção para o desespero da oposição, representada pela mídia, na busca de um candidato para as eleições presidenciais deste ano, alertando sobre o previsível “vale-tudo”.
Previsão que, infelizmente, começou a se confirmar antes mesmo do fim do ano com o jornalista Élio Gaspari pedindo na Folha de S.Paulo a volta das manifestações de rua, seguido na mesma linha por vários outros comunicadores, até pelo Faustão, na Globo.
Passadas as festas a carga prosseguiu com a Globonews mostrando um gráfico sobre inflação que irá para os anais da manipulação jornalística brasileira. Através dele ficamos sabendo que a inflação de 2013, de 5,91%, é maior que as de 2010 (5,92%) e 2011 (6,50%).
Disseram depois que foi “erro”, para mim só comparável ao célebre “boimate” da Veja de tempos atrás, quando a revista da Abril publicou uma nota científica sobre a descoberta da criação de um híbrido formado por boi e tomate.
A diferença entre os dois “erros” está em seus objetivos. O da Veja antiga era mero sensacionalismo. Já o da Globonews faz parte de ação política orquestrada, tendo como referência ideológica o Instituto Millenium, articulador da mídia brasileira em torno do pensamento único de raiz reacionária.
Curiosa, no entanto, é a esquizofrenia dessa mídia diante da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo que a defende de acordo com os seus interesses mercadológicos procura incentivar manifestações populares em torno dela, contra o governo, por interesses políticos. Mas pede que sejam feitos de forma pacífica, repetindo os chavões de junho passado.
Creio até que gestores e mentores dessa mídia torçam contra a seleção na esperança de que uma derrota crie o clima capaz de dar à oposição um último alento. Ainda que custem um período de relativas baixas nas receitas publicitárias advindas do ufanismo futebolístico.
Se for assim será mesmo o derradeiro ato de desespero. Foi-se o tempo em que política e futebol contaminavam-se reciprocamente. Não estamos mais em 1950 quando candidatos aos mais diferentes cargos circulavam entre os jogadores da seleção, considerada invencível antes da hora, tentando tirar uma casquinha do prestígio por eles conquistado nos gramados até minutos antes da tragédia do Maracanã diante do Uruguai.
Ou da ditadura, em seu momento mais sinistro durante a Copa de 1970, tentando sufocar os gritos das masmorras com marchinhas do tipo “prá-frente Brasil, salve a seleção”. Chegando ao cúmulo de determinar a saída do técnico do time, João Saldanha, às vésperas da competição devido a sua militância política.
De lá para cá o país mudou muito. Foi campeão do mundo mais duas vezes, passou dos “90 milhões em ação” para mais 200 milhões de habitantes e, na última década, tornou-se uma das mais importantes economias do mundo.
Não há futebol que possa contaminar as conquistas populares como o aumento das redes de proteção social, a universalização do acesso ao ensino fundamental, a expansão do ensino superior e, principalmente, a ampla redução do desemprego.
O “complexo de vira-lata” pregado na testa dos brasileiros pelo escritor Nelson Rodrigues, logo após a derrota de 50, e que aplicava-se não só ao futebol mas a toda a auto-estima do país, desapareceu.
Mesmo as mazelas que persistem na insegurança das ruas, no trânsito caótico, na prisões medievais, nas habitações precárias deixaram de ser consideradas destinos manifestos da gente brasileira. Ao contrário, mostram-se como desafios a serem enfrentados e superados pela ação política, institucionalizada ou não.
A mídia tentará, uma vez mais instrumentalizar essas lutas, juntando-as ao futebol, tanto em caso de vitória como de derrota na Copa. Se vencermos o mérito será da seleção, se perdermos o ônus ficará com o governo.
Serão as últimas cartadas oferecidas por ela ao seus candidatos numa tentativa de utilizar esses temas, neste ano, da mesma forma irresponsável como pôs em debate o aborto nas eleições de 2010.
Como disse em janeiro, “2014 promete”.
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