União Europeia quer normalizar relações com Cuba

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Os 28 membros da UE concordaram em abrir negociações com o governo de Havana a partir do mês de fevereiro com o objetivo de pactuar um acordo bilateral.

Eduardo Febbro

Bruxelas – A União Europeia se aproxima da era do degelo em suas relações com Cuba. Quase vinte anos depois do bloqueio institucional vigente desde 1996, a UE se prepara para superar o último obstáculo que a separa de uma normalização de suas relações com o regime cubano por meio de um acordo bilateral. “É hora de a União Europeia reatualizar suas relações com Cuba na base dos desenvolvimentos em curso”. A frase pronunciada no princípio do mês na Ilha pelo ministro holandês de Relações Exteriores, Frans Timmermans, marcou o quase degelo público dessas relações controversas.

Em 1996, por iniciativa da Espanha do conservador José Maria Aznar, os europeus adotaram a chamada “posição comum” que condicionava qualquer diálogo institucional com a ilha a mudanças no campo dos direitos humanos e na direção de uma democracia pluralista. Depois, em pleno século XXI, apesar dos esforços de Espanha e França, a normalização das relações foi bloqueada por dois países membros do bloco que pertenceram à órbita comunista: Polônia e República Tcheca. Ambos os países levantaram seu veto e asseguram que hoje tem “garantias” no tema central dos direitos humanos.

Os europeus constatam duas coisas hoje: o fracasso dessa “posição comum” e as mudanças ocorridas na ilha. Os 28 membros da UE concordaram em abrir negociações com o governo de Havana a partir do mês de fevereiro com o objetivo de pactuar um acordo bilateral que poderia entrar em vigor em 2015. A última vez que a União Europeia suspendeu sua cooperação com Cuba foi em 2003, em protesto pela onda de prisões de membros da oposição, na qual 75 dissidentes foram condenados a fortes penas de prisão (hoje já liberados). Depois, quando o socialista José Luiz Rodríguez Zapatero assumiu as rédeas do governo na Espanha (2004-2011), ele conseguiu distender a atmosfera sem reconectar o diálogo pleno.

Mas o passo mais amplo foi dado em 2008, quando o conservador Nicolas Sarkozy presidia a França e lhe tocou a presidência semestral do grupo europeu. O mandatário francês reativou de fato a relação euro-cubana com um esquema de diálogo amparado no lema “respeito mútuo”.

Os 28 países parecem terminar de se render aos encantos da ilha e às possibilidades que se abrem com uma nova relação, sobretudo as econômicas.

Cuba resultou uma exceção absoluta na geometria variável da política externa europeia. A União Europeia mantinha relações abertas com quase todos os regimes repressores e jurássicos do planeta, mas fazia de Cuba um caso a parte. A sombra da submissão aos EUA ditou em muitos casos a política com o governo de Havana.

O caso cubano beira o absurdo e o cinismo. A União Europeia tem, de fato, duas políticas de “posição comum”: uma com Cuba e outra com a...Al Qaeda. Egito, Zimbabwe, Irã, Iraque, Síria, em suma, os outros poderes pouco ou nada democráticos nunca representaram problema. Cuba é o único país da terra ao qual Bruxelas aplica essa sanção. Mas os horizontes estão mudando.

Em Bruxelas, várias fontes confirmam que o aperto de mãos na África do Sul entre o presidente dos EUA, Barak Obama, e o cubano Raúl Castro durante os funerais de Nelson Mandela “teve um grande impacto e influenciou o rumo das decisões”. Em dezembro de 2012, a Europa começou a operar um giro importante. Segundo Bruxelas, um punhado de decisões e medidas adotadas na ilha abriu os espíritos: a introdução de mudanças na economia como a criação de cooperativas privadas, a abertura a investimentos exteriores, o exercício de atividades independentes, a maior liberdade de acesso à internet, a nova regulamentação para viajar ao exterior e a maior liberdade de movimento dos cidadãos.

As cifras nunca estão longe destas decisões. Bruxelas teme, concretamente, ficar fora da festa e da repartição do bolo caso o que na Europa se chama de “a transição cubana” desembocar em um modelo democrático sem reprovações. Cabe destacar que, apesar dos diálogos, rupturas e retomadas, a desatinada “posição comum” que rege as relações desde 1996 segue vigente. Isso, contudo, não impediu os europeus de fazer excelentes negócios. A UE é o primeiro investidor na ilha e o segundo sócio comercial (o primeiro é a Venezuela). O velho continente exporta para a ilha mercadorias no valor de 2 bilhões de euros. Essa política comum resulta tão mais aberrante na medida em que vários estados europeus já firmaram acordos bilaterais com a ilha.

Desde 2008, quinze estados europeus têm acordos desse tipo com Havana (a França entre eles). A história está sempre cheia de paradoxos. A “posição comum” é um instrumento que os próprios europeus descrevem como “insensata e aberrante”. Ela foi introduzida pelo direitista José María Aznar, do Partido Popular espanhol. Se o calendário de 2015 for cumprido, o acordo bilataral ocorrerá com um governante espanhol, Mariano Rajoy, pertencente ao mesmo partido de Aznar.

A União Europeia havia feito com Cuba uma espécie de exceção enlouquecida cujo único resultado foi piorar o que pretendia melhorar, enquanto, paralelamente, beneficiava outros países cujos dirigentes assinavam com sangue nas mãos vigorosos acordos em Bruxelas. Para estes não houve “posição comum”. Houve negócios comuns.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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