STF: Desigualdade escancarada
Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Ao contrário do que ocorreu na AP 470, tucanos conseguem desmembrar julgamento do propinoduto
Em agosto de 2012, no início do julgamento da ação penal 470, o advogado Márcio Thomaz Bastos colocou uma questão de ordem.
Queria desmembrar o julgamento, separando os réus com direito a foro privilegiado – três deputados – e os demais 35, que teriam direito a serem examinados na primeira instância. O pedido foi rejeitado por 9 a 2.
Ontem, o ministro Marco Aurélio de Mello, examinou a denuncia sobre o propinoduto tucano, que envolve corrupção nas obras do metrô paulista. Marco Aurélio decidiu desmembrar o processo.
A decisão de ontem não compromete a biografia de Marco Aurélio, que foi um dos dois votos a favor do desmembramento, em 2012.
Mas mostra que a noção de que o STF iria “mudar a história” ao fazer o “julgamento do século” e “acabar com a impunidade dos poderosos” está longe de corresponder a realidade. Não fez jurisprudência nem no STF, pelo visto.
Em agosto de 2012 o Supremo já havia desmembrado o mensalão do PSDB-MG, decisão tomada antes de negar a mesma medida na AP 470.
Repetiu a prática, agora, com os tucanos de São Paulo.
Encarregado de julgar o mensalão do DEM-DF e seus parlamentares filmados quando recebiam dinheiro na meia, em saco de supermercado e sacola de feira, o STJ também desmembrou.
Ou seja: sequer no plano das aparências é possível dizer que se oferece um tratamento igual para situações iguais. “Dois pesos, dois mensalões,” escreveu Janio de Freitas, em 2012.
Em 3 de agosto de 2012, escrevi neste espaço: “O julgamento continua. Mas essa decisão ( o não-desmembramento), tão diferente para situações tão parecidas, vai gerar muita polêmica, estejam certos.”
Um ano e meio depois, descobre-se que uma decisão crucial da AP 470, que determinou vários de seus desdobramentos, não será seguida mais uma vez.
Imagine: com o desmembramento, réus como José Dirceu, Delúbio Soares e 32 outros acusados muito possivelmente sequer teriam sido julgados até agora, como acontece com os réus do mensalão PSDB-MG, que envolvem crimes cometidos seis anos antes dos casos denunciados na AP 470 e ninguém sabe quando irão receber a sentença em definitivo.
Mesmo que isso tivesse ocorrido, eles teriam direito a um segundo julgamento, por outra corte de Justiça. Em vez disso, em casos especialíssimos, têm direito a uma revisão limitada e pontual, com várias condicionantes, pelo mesmo tribunal.
Em 2012, o simples voto a favor do desmembramento provocou mal-estar no plenário do STF. Quando Ricardo Lewandowski votou a favor do pedido, Joaquim Barbosa fez uma intervenção agressiva: “Me causa espécie que tratemos dessa questão agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “me causa espécie que sua excelência queira impedir que eu me manifeste.”
Ao votar contra o pedido de desmembramento feito na ação penal 470, o ministro Gilmar Mendes alegou que, se o caso não estivesse no Supremo, o processo prescreveria. Vamos ler o que disse:
"Esse processo só está chegando a seu termo porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal", disse. "Se estivesse espalhado por aí, o seu destino era a prescrição."
Desmembramento é igual a prescrição na opinião de Gilmar Mendes, se entendi bem. E agora?
Sou favorável ao desmembramento. Não só pelo princípio de que deve-se garantir tratamentos iguais a cidadãos acusados de crimes iguais, mas porque a Constituição define assim. Quem tiver alguma dúvida sobre a incompetência do STF para julgar réus que não possuem o foro privilegiado, só precisa digitar o nome de Dalmo Dallari na internet para ter uma aula irretocável sobre o assunto.
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
Ao contrário do que ocorreu na AP 470, tucanos conseguem desmembrar julgamento do propinoduto
Em agosto de 2012, no início do julgamento da ação penal 470, o advogado Márcio Thomaz Bastos colocou uma questão de ordem.
Queria desmembrar o julgamento, separando os réus com direito a foro privilegiado – três deputados – e os demais 35, que teriam direito a serem examinados na primeira instância. O pedido foi rejeitado por 9 a 2.
Ontem, o ministro Marco Aurélio de Mello, examinou a denuncia sobre o propinoduto tucano, que envolve corrupção nas obras do metrô paulista. Marco Aurélio decidiu desmembrar o processo.
A decisão de ontem não compromete a biografia de Marco Aurélio, que foi um dos dois votos a favor do desmembramento, em 2012.
Mas mostra que a noção de que o STF iria “mudar a história” ao fazer o “julgamento do século” e “acabar com a impunidade dos poderosos” está longe de corresponder a realidade. Não fez jurisprudência nem no STF, pelo visto.
Em agosto de 2012 o Supremo já havia desmembrado o mensalão do PSDB-MG, decisão tomada antes de negar a mesma medida na AP 470.
Repetiu a prática, agora, com os tucanos de São Paulo.
Encarregado de julgar o mensalão do DEM-DF e seus parlamentares filmados quando recebiam dinheiro na meia, em saco de supermercado e sacola de feira, o STJ também desmembrou.
Ou seja: sequer no plano das aparências é possível dizer que se oferece um tratamento igual para situações iguais. “Dois pesos, dois mensalões,” escreveu Janio de Freitas, em 2012.
Em 3 de agosto de 2012, escrevi neste espaço: “O julgamento continua. Mas essa decisão ( o não-desmembramento), tão diferente para situações tão parecidas, vai gerar muita polêmica, estejam certos.”
Um ano e meio depois, descobre-se que uma decisão crucial da AP 470, que determinou vários de seus desdobramentos, não será seguida mais uma vez.
Imagine: com o desmembramento, réus como José Dirceu, Delúbio Soares e 32 outros acusados muito possivelmente sequer teriam sido julgados até agora, como acontece com os réus do mensalão PSDB-MG, que envolvem crimes cometidos seis anos antes dos casos denunciados na AP 470 e ninguém sabe quando irão receber a sentença em definitivo.
Mesmo que isso tivesse ocorrido, eles teriam direito a um segundo julgamento, por outra corte de Justiça. Em vez disso, em casos especialíssimos, têm direito a uma revisão limitada e pontual, com várias condicionantes, pelo mesmo tribunal.
Em 2012, o simples voto a favor do desmembramento provocou mal-estar no plenário do STF. Quando Ricardo Lewandowski votou a favor do pedido, Joaquim Barbosa fez uma intervenção agressiva: “Me causa espécie que tratemos dessa questão agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “me causa espécie que sua excelência queira impedir que eu me manifeste.”
Ao votar contra o pedido de desmembramento feito na ação penal 470, o ministro Gilmar Mendes alegou que, se o caso não estivesse no Supremo, o processo prescreveria. Vamos ler o que disse:
"Esse processo só está chegando a seu termo porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal", disse. "Se estivesse espalhado por aí, o seu destino era a prescrição."
Desmembramento é igual a prescrição na opinião de Gilmar Mendes, se entendi bem. E agora?
Sou favorável ao desmembramento. Não só pelo princípio de que deve-se garantir tratamentos iguais a cidadãos acusados de crimes iguais, mas porque a Constituição define assim. Quem tiver alguma dúvida sobre a incompetência do STF para julgar réus que não possuem o foro privilegiado, só precisa digitar o nome de Dalmo Dallari na internet para ter uma aula irretocável sobre o assunto.
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