Será que eu teria tido coragem de lutar como eles lutaram?
Alcançamos o valor da multa em dez dias de
campanha familiar. Essa é uma vitória que tem um significado enorme
dentro de nossa incansável luta em busca de verdadeira justiça para José
Genoino
por Miruna Kayano Genoino, especial para RBA publicado 20/01/2014
Brasília – Quando eu tinha por volta de 13, 14 anos,
comecei a ter consciência de tudo o que meu pai e minha mãe tinham feito
na época da ditadura. Abriram mão de família, amigos, conforto,
estabilidade e entraram em clandestinidade, fuga, medo, prisão e tortura
porque não duvidaram um minuto sobre de que lado estavam: o de quem
lutava pela liberdade para todos. Apesar de ser para mim claro o fato de
que tinham lutado por algo sem dúvida muito importante, sempre me vinha
à mente uma pergunta: será que se eu vivesse naquela época, teria tido
coragem de fazer tudo isso? Será que eu teria tido essa força? Será?
Hoje percebo que em alguns momentos da vida não temos
escolha quanto a tomar essa ou aquela decisão, quando tudo em que
acreditamos está em risco, seja, como naquela época, a liberdade, seja,
como agora, a justiça para uma pessoa honesta, como meu amado pai, José
Genoino Neto. Ao longo de mais de oito anos de martírio e sofrimento,
foram muitas as situações de desespero, de angústia e de muita, muita
solidão.
E por isso, quando de repente percebemos pequenos
espaços de luz e força que vão se abrindo e se construindo por meio de
atitudes generosas de tantas pessoas, o alívio e a emoção são
sentimentos que ocupam totalmente tudo aquilo que pensamos e vemos
acontecer nessa trilha tão difícil que temos percorrido nos últimos
tempos.
Gostaria de mencionar uma grande amiga que no dia 15
de novembro levou meus filhos para passear, dispondo de seu tempo para
nos ajudar a lidar com toda a perseguição que estávamos sofrendo na casa
sitiada pela mídia. Com seu pequeno gesto, poupou duas crianças de 7 e
de 5 anos, de presenciar o momento em que o avô saiu de casa para ser
preso injustamente.
Aquele gesto, de dar carinho e acolhimento para meus
filhos, quando eu apenas podia ser filha, e não mãe, vai marcar sempre
minha vida e meu coração, porque mostra que mesmo em meio a tanta
desgraça, sempre existe o lado da humanidade pura, bondosa, generosa, e
capaz de acolher, verdadeiramente.
Esse gesto pequeno, individual, pode ser comparado ao
que estamos vivendo agora, com a multa imposta a meu pai em decorrência
de sua condenação injusta. No primeiro momento de desespero, pelo valor
solicitado, tão enormemente distante de nossas possibilidades, já
surgia um primeiro site que se dispôs a unir muita gente e assim iniciar
uma primeira arrecadação para meu pai. E ainda que aquele site não
tenha seguido em frente por questões técnicas, acredito profundamente
que foi uma ação que nos deu força para prepararmos o segundo site que
possibilitou a arrecadação do valor total da multa.
Foram muitas doações, muitas. Pessoas que dedicaram
parte de seu tempo para enviar a nós R$ 10, R$ 20, R$ 50, R$ 100 reais,
às vezes mais, R$ 1.000, R$ 5.000... e mensagens, muitas mensagens, de
carinho e solidariedade.
Aposentados, desempregados, professores, advogados,
secretárias, jornalistas, dentistas, bordadeiras, gente, muita gente,
que quis de alguma maneira, mostrar que estão conosco, que sabem que
apenas assim poderíamos pagar esta enorme multa, porque José Genoino
nunca acumulou riqueza material, nunca, ainda que alguns tenham tido
coragem de condená-lo por corrupção. Sua riqueza é apenas de ideias, de
sonhos, de esperança, de verdade e de justiça – que um dia, de alguma
forma, acreditamos que chegará.
- Mais cedo que tarde, como dizia Salvador Allende, verdade será restaurada
- Flavio Aguiar: Assim que puder, votarei em Genoino
- Frei Betto: Espetáculo com dor alheia é tripudiar sobre dignidade humana
- A política é uma arte de risco
Essa campanha foi criada pela mulher e pelos
filhos de José Genoino. Nós mesmos elaboramos e escrevemos cada uma das
palavras que aparecem no site. Nós mesmos mandamos os e-mails a amigos e
familiares contando sobre o início desse pedido de ajuda. Nós mesmos
fomos em busca de tentar compreender e organizar toda a burocracia
necessária para que tal arrecadação desse certo.
E com a ajuda de amigos queridos, que nunca
deixaremos de agradecer, fomos lendo os e-mails um a um, cadastrando
cada pessoa, respondendo cada mensagem, ainda que, pela forma familiar
de ação, esteja acontecendo em uma velocidade nem sempre compreendida
por um mundo sempre recheado de grandes grupos administrando eficazmente
grandes gestões e situações. Nossa resposta não é automática, mas sim
manual, e foi feita por outras tantas pessoas especiais que também
dedicaram seu tempo e sua alma, para permitir que a campanha
funcionasse.
Alcançamos o valor da multa em dez dias de campanha
familiar. Essa é uma vitória que tem um significado enorme dentro de
nossa incansável luta em busca de verdadeira justiça para José Genoino.
Em nome dele, que está impedido de falar publicamente, precisamos
agradecer com toda a intensidade possível a todas essas pessoas que
tornaram esse momento de vitória possível.
A você, que contribuiu. A você que divulgou o site. A
você que respondeu os emails. A você que nos informou. A você que
escreveu honestamente sobre nós. A você que são tantos vocês, nosso
agradecimento por não terem tido nenhuma dúvida de que sim, quando chega
o momento de dificuldade, vocês são daquele grupo de pessoas que têm
coragem de lutar por algo que é verdadeiro e no qual acreditam. De
verdade.
Obrigado, sempre.
Miruna Genoino, em nome da família Genoino
Brasília, 19 de janeiro de 2014
(Observação: Em breve divulgaremos o total arrecadado e as resoluções práticas quanto a possíveis excedentes.)Nota da Redação: Nos últimos dez dias, Miruna Kayano Genoino, junto com os irmãos Ronan e Mariana, a mãe Rioco Kayano e um grupo de apoiadores, mantiveram uma mobilização para arrecadar recursos e poder pagar dentro do prazo, que expira nesta segunda (20), a multa de R$ 667 mil determinada pelo Supremo Tribunal Federal, como parte da condenação na Ação Penal 470. A defesa do ex-deputado considerou o valor injustificável e passível de contestação. A família, com apoio de amigos e do Partido dos Trabalhadores, conseguiu alcançar no último sábado o valor necessário para cumprir a determinação. O feito tem forte significado político, ao demonstrar o representativo contingente de pessoas que contestam a forma e o conteúdo do julgamento STF. No ano passado, quase 22 mil pessoas haviam assinado a carta de solidariedade intitulada Estamos Aqui, com o mesmo objetivo. E na noite deste domingo Miruna enviou à RBA este artigo-agradecimento.
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