Projeto aumenta controle sobre STF e reduz suas atribuições
No Brasil, presidente escolhe membros do Supremo e Senado Federal aprova os indicados
Segundo proposta da deputada Luiza Erundina, membros da Corte teriam de ser aprovados por maioria na Câmara e no Senado e julgariam apenas processos de caráter constitucional
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 13/01/2014
São Paulo – Uma proposta de emenda constitucional da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) propõe significativas mudanças no Supremo Tribunal Federal, a começar por sua composição, passando pela alteração na sistemática da nomeação de seus ministros e até mesmo alterando suas atribuições.
A PEC 275/13 aguarda análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O relator é o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). Se aprovada no colegiado, será encaminhada a uma comissão especial e depois votada em dois turnos pelo Plenário.
Pela proposta, o tribunal seria transformado em uma corte estritamente constitucional, deixando de julgar processos de interesse individual ou de grupos privados, sem relevância na Constituição, e o número de ministros seria aumentado de 11 para 15. A PEC prevê que os atuais componentes do STF permaneceriam no cargo.
Os que começarem a entrar com a eventual aprovação da proposta serão nomeados pelo presidente do Congresso Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas tríplices de candidatos elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente, os ministros são nomeados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. Eles ficam no cargo desde sua indicação até a aposentadoria compulsória, aos 70 anos.
De acordo com a PEC, a competência do que a autora chama de nova Corte Constitucional será limitada às causas que dizem respeito apenas à interpretação e aplicação da Constituição. As que não tiverem esse caráter seriam de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja composição também aumentaria, de 33 para 60 ministros.
Para o advogado Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-SP e membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, a proposta de Erundina é correta “no sentido de não mexer com quem está lá, deixando os atuais ministros se aposentarem ir mudando devagar”.
No entanto, ele defende que é preciso “discutir o modelo” de tribunal adequado ao Brasil, “chamar a sociedade, a OAB, os presidentes das cortes mais importantes do mundo, para ver as vantagens e desvantagens de termos uma suprema corte, como é hoje, mas aperfeiçoada, ou um tribunal constitucional. O problema é que o Congresso no Brasil não discute mais nada”.
Aqui, vigora o modelo norte-americano, um tribunal que julga matéria constitucional mas também casos “normais”, que chegam como recurso a decisões de outras instâncias. "A dificuldade é que nossa Constituição é muito analítica e praticamente tudo pode ser considerado constitucional, tudo pode subir [ao STF], desde que se tenha um bom advogado e puxe para um tema constitucional", explica o advogado.
Figueiredo diz preferir o modelo europeu, em que há um tribunal estruturado "acima ou fora da Justiça”.
“Na Europa, a corte constitucional não integra necessariamente o poder judiciário, é um quarto poder, digamos assim. Há juízes, em geral, com mandato, que varia de oito a 12 ou 13 anos. Como chegam lá depende do país: em alguns há uma cota por origem, como por exemplo: um terço de professores de direito, um terço de juízes, um terço de promotores. Em outros são nomeados pela Câmara, Senado e pelo presidente, e assim por diante”.
Europa e América do Sul
Figueiredo afirma que as cortes constitucionais de Portugal, Alemanha e Espanha são exemplos de instituições prestigiadas, cujas jurisprudências são citadas em julgamentos em todo o mundo. “Se não fossem bons ninguém citava.”
Na América do Sul, o advogado menciona a Corte Constitucional da Colômbia, criada em 1991, como “avançada e afinada com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e a do Peru, excelente também, porque tem juízes que ficam por um mandato, e são pessoas muito respeitadas que vêm da academia ou da advocacia”.
Na Justificativa da PEC, Erundina diz que a escolha, feita apenas pelo presidente da República e aprovada pelo Senado, acaba tornando o processo brasileiro objeto de pressões políticas.
Porém, para o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, o problema não está na origem da indicação e a questão da indicação mudar do presidente para a lista tríplice proposta pela deputada não é necessariamente uma solução.
A indicação dos componentes só ser feita só por instituições ligadas ao Direito, como determina a PEC, não é uma garantia de melhoria, diz o advogado, já que o indicado ser membro do CNJ, um promotor ou um juiz não significa que seja o mais capacitado. “Fica uma coisa corporativa. Quem disse que as entidades vão indicar os melhores e não vão fazer política? Ou um ex-presidente da Ordem ser indicado só porque é ex-presidente? Isso é muito relativo. O ponto é outro: como fazer para os juristas mais competentes e melhores estarem no tribunal mais importante. Esse é o ponto.”
Segundo Figueiredo, no modelo atual, se o STF não é composto pelos melhores representantes do Direito, “o culpado dessa situação é o Senado”. “Por que o Senado não rejeita? Por que não rejeitaram o Dias Toffoli? Foi advogado do ex-presidente Lula, não tem experiência, não tem obras publicadas."
Com a lista tríplice oriunda do MP, da OAB e do CNJ para a nomeação dos ministros da corte constitucional, o que Erundina pretende com a PEC 275/13 é democratizar o processo, acabando com o automatismo que faz do Senado apenas o órgão que carimba a escolha do presidente da República. Esse automatismo, dizem especialistas, é institucional e independe da orientação politica do presidente: o processo se dá seja no regime militar (1964-1985), no governo de Fernando Henrique (1995-2002) ou no de Lula e Dilma Rousseff (2003-2014).
Modelo colombiano
Na Colômbia, a Constituição de 1991 criou a Corte Constitucional, separada da Corte Suprema de Justiça (equivalente ao nosso STF) e responsável por julgar apenas temas constitucionais. A Corte Constitucional colombiana é integrada por nove magistrados, escolhidos pelo Senado para períodos de oito anos, a partir de listas apresentadas pelo presidente da República, pela própria Corte Suprema de Justiça e pelo Conselho de Estado.
Marcelo Figueiredo considera “difícil, pelo conservadorismo político”, uma transformação profunda do sistema brasileiro. “Mudar uma instituição radicalmente é difícil. Quem está nela ou no entorno dela reage naturalmente contra. Vai haver todo o trabalho dos políticos, juízes, a magistratura, o CNJ etc., que apoiam o Supremo. O STF tem muita força hoje no Brasil. Precisamos de uma proposta de consenso ou de transição, senão eles vão bombardear, porque é contra eles”, avalia. “Mas se é preservada a aposentadoria deles, tem mais chance.”
Segundo Figueiredo, “talvez fosse melhor começar a reforma pelo mandato. Por exemplo de 13 anos, porque iria renovando o tribunal até chegar aos 15 ministros”.
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