O jornalismo desonesto é mau jornalismo

4 de janeiro de 2014 | 12:13 Autor: Fernando Brito
patada
Para um profissional de imprensa, com sentimentos corporativos como os há em qualquer outra profissão, muitas vezes é um dilema criticar os jornais que, afinal de contas, são feitos por seus colegas, alguns deles queridos amigos.
Para quem se dedica a blogs políticos e econômicos, pior ainda, porque contra a parcialidade da mídia, parcialidade ao revés acaba por acontecer.
E não há, por aqui, a hipocrisia de negá-la, porque jornalismo – se é profissão e ciência como a medicina – é também causa.
Talvez o médico, jornalista e revolucionário francês Jean Paul Marat seja quem melhor personifique esta fusão.
Mas disfarçar o partidarismo sob o disfarce da neutralidade é desonesto.
E o que é desonesto é mau jornalismo.

Porque a desonestidade é a negação dos fatos, ou o desprezo por eles e, sobretudo, o desprezo pelo valor social do trabalho jornalístico e por seu destinatário, o povo brasileiro.
Que começa pelas empresas e, infelizmente, acaba sendo condição  de “afirmação” dos profissionais  que, para uma imprensa elitista, também assumem uma condição de elite que não são, salvo um número reduzido deles.
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa, publica artigo em que define muito bem o dever de desmascará-lo.
“Criticar a imprensa, denunciando o jornalismo partidário, é na verdade uma demonstração de respeito ao jornalismo e à imprensa, como ela deveria ser”, escreve ele.

Amar o jornalismo, criticar a imprensa

 Luciano Martins Costa
A imprensa brasileira funciona como um partido de oposição, mais eficiente, estruturado, coeso e determinado do que as agremiações políticas oficiais. Mas não se trata de um partido de oposição à aliança que governa o Brasil desde 2003: é uma organização política que em muitos aspectos se assemelha ao Tea Party americano, ou seja, um sistema estruturante do pensamento mais conservador que frequenta o espaço público.
Se o governo federal estivesse nas mãos do PSDB, e este atuasse como um partido socialdemocrata nos moldes europeus, a imprensa teria uma atitude semelhante, de oposição.
As evidências do comportamento enviesado da mídia tradicional, aquela que domina a agenda institucional e serve à indústria cultural, são muitas e foram consolidadas paralelamente a um processo de empobrecimento da atividade jornalística nas últimas décadas. O processo é longo, foi marcado por disputas cruentas no interior das redações no período imediatamente posterior à redemocratização, e afinal vencido pelo conservadorismo no início deste século.
O fato de o Partido dos Trabalhadores ter alcançado o poder federal na mesma época é daquelas ironias da história observadas pelo historiador Isaac Deutscher ao analisar o comunismo dos anos 1960.
A controvérsia em torno desse comportamento da imprensa se sustenta precariamente no fato de que a maioria dos analistas se prende à relação entre os principais veículos de informação e o núcleo de poder ligado ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Um operário na Presidência significou, para as famílias que ainda controlam as empresas de comunicação, uma ofensa tão grande quanto tem sido, para a elite conservadora dos Estados Unidos, a ascensão de um negro ao cargo mais alto daquela nação.
Essa relação de ódio e negação se estende por tudo que estiver ligado a esse evento histórico: o fato de a democracia brasileira ter evoluído ao ponto de eleger presidente um operário com pouca educação formal. Não é o PT que a imprensa odeia e despreza: é o processo democrático, que permitiu essa “aberração”.
Não por acaso, os leitores típicos dos jornais e de publicações como Veja e Época manifestam costumeiramente sua baixa apreciação pelo “povo” e sua capacidade de discernimento, como se pode observar nas seções de cartas e comentários.
Jornalismo em crise
Criticar a imprensa, denunciando o jornalismo partidário, é na verdade uma demonstração de respeito ao jornalismo e à imprensa, como ela deveria ser.
Defender a imprensa como ela é e conformar-se com o jornalismo de quinta categoria que tem sido imposto aos brasileiros, de forma geral, é sintoma de alienação, ou, pior, recurso de malabarismo intelectual para preservar a reputação sem cair no index do sistema da mídia.
Louve-se: é preciso muito jogo de cintura para salvar a ficção da objetividade sem ter as portas fechadas pelas redações. No entanto, chegamos ao ponto em que não há subterfúgios, pois a escolha da imprensa hegemônica está destruindo o jornalismo de qualidade no Brasil.
Concretamente, o jornalismo brasileiro é pior, hoje, do que há vinte anos? A resposta é: sim, piorou não apenas a qualidade do jornalismo no Brasil, mas também a qualificação dos jornalistas, de modo geral, e a própria noção do valor social da atividade jornalística.
Uma pesquisa coordenada pela professora Roseli Fígaro na USP constatou essa realidade (ver resenha do livro aqui): o jornalismo brasileiro está imerso em profunda crise. Um artigo publicado na quinta-feira (2/1) pela Agência Fapesp (ver aqui) atualiza alguns aspectos desse estudo. O texto afirma explicitamente que “os produtos jornalísticos impressos, televisivos ou radiofônicos são feitos de maneira completamente diferente do que há cerca de vinte anos”.
A mudança foi para pior, segundo a pesquisa, provocada principalmente por uma reestruturação produtiva nas redações, com o aumento do número de jornalistas sem registro profissional e o afastamento dos profissionais mais experientes.
A desconstrução do jornalismo foi feita pedra por pedra, e não é apenas fenômeno causado pelas novas tecnologias de comunicação, mas por uma escolha estratégica das empresas. Trata-se de um processo que corre paralelo ao projeto conservador de poder, que, não podendo eventualmente ser realizado pelas vias partidárias, porque o eleitorado parece rejeitar suas propostas, passa a atuar pelo sistema da mídia.
Simples assim.
PS: A propósito, não deixe de ler Jornalista tem complexo de  elite, de Cynara Menezes, de onde tirei a ilustração tragicamente divertida.

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