“Não quero ser um novo homem. Não foi pra isso que lutei”, diz Manuela
Única mulher a liderar a bancada de um partido em Brasília, ela foi a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre e a deputada federal mais votada do Rio Grande do Sul. Às vésperas de completar uma década de vida pública e de se despedir do Congresso, Manuela D'Ávila ainda sofre com o preconceito.
No mês passado, um deles a acusou de não pensar com a cabeça, mas com o coração, numa tentativa de constrangê-la pelo antigo namoro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Aqui, ela fala porque não aceita esse tipo de machismo, da paixão pelo novo marido e da decisão de deixar a capital federal
Em entrevista num café de Porto Alegre, ela relembrou a infância meio nômade, quando a mãe, juíza, tinha que se mudar com frequência. Falou da força que tirou dessa casa matriarcal, com três irmãs e um irmão, e relembrou o embate na Câmara de que se despede agora.
Marie Claire: Por que a reação tão inflamada ao comentário do deputado Duarte Nogueira?
Manuela D'Ávila: Aquilo acionou meu dispositivo da defesa mais profundo, que tem a ver com minha trajetória [de luta contra o machismo]. Não posso deixar que coloquem em xeque meus nove anos de vida pública ou meus quinze de militância política. Fiquei indignada de ouvir aquilo, como se eu tivesse que provar alguma coisa para alguém. Os homens não têm que provar o que eles são. Já nós, mulheres, temos que fazer isso o tempo todo, mesmo quando não estamos a fim. É cansativo. Dá vontade de ir embora. Mas estou na política porque quero mudar o mundo. Tem mulheres que apanham por causa desse tipo de pensamento. O filho escuta e acha que as mulheres não valem nada. Temos uma sociedade doente, que ainda extermina mulheres. O que meu colega fez comigo não foi bater numa mulher, é evidente. Mas também não foi só uma piadinha infeliz. Foi o máximo de machismo que alguém pode cometer com uma igual num ambiente de trabalho.
MC: O machismo em Brasília diminuiu desde que você chegou ao Congresso?
MD: A gente tem uma presidenta da República e várias ministras mulheres. Na prática e na marra, as coisas melhoraram. Mas eu ainda sou a única líder mulher de um partido. Brasília é um espaço de homem.
MC: Isso dificultou sua vida?
MD: Semana passada [a do debate com o deputado Duarte Nogueira] foi muito difícil. Ouvi de algumas pessoas: “Ah, mas o vídeo tem mais de 100 mil views”. Preferia que ele não existisse! Aquilo não é uma novela. Sou eu quem estava lá! Não estou em Brasília para ser vítima de machismo. Deletaria todos aqueles views para não sentir aquilo de novo. Já me emocionei por coisas boas como a devolução dos mandatos comunistas que foram cassados pela ditadura de 1948. Mas não me lembro de ter ficado tão emocionada por uma coisa ruim como essa.
MC: O episódio do Duarte Nogueira foi o pior insulto que já recebeu no trabalho?
MD: Não sei... Já fizeram muitas matérias me chamando de musa da Câmara. Era uma forma de me menosprezar. Essa é a mais recente, apenas.
MC: Por que o namoro com o Zé Eduardo sempre volta à tona?
MD: Porque ele era o protagonista do episódio [Cardozo foi à Câmara falar sobre sua conduta na investigação do cartel da Siemens. Ele é acusado de iniciar uma investigação tendenciosa e vazar informações à imprensa para prejudicar o PSDB]. Todo o tempo em que eu estava discutindo política, ele [o deputado Duarte Nogueira (PSDB/SP)] pensava: “Ah, ela está discutindo política aqui porque namorou o ministro”. Na cabeça dele, só posso fazer política porque namorei um ministro.
MC: Algumas feministas confundem gentileza com machismo, proibindo, por exemplo, que lhe abram a porta do carro. Você é assim?
MD: Não gosto de dogmas, eles são burros. Deixo que abram a porta, sim. Eu também abro a porta pra uma galera. Mas sou meio militante da divisão de despesas. Isso é típico da mulher independente da minha geração: divido 100% das despesas, faço tudo na ponta do lápis. Divido tudo no casamento, com amigos, irmãos...
MC: Acha que o aplicativo Lulu, no qual as mulheres dão notas aos homens, é revanchismo?
MD: Não revanchismo, mas sinal de uma liberação que gera um igual no que há de pior. Eu não lutei pra sentar na mesa do bar e me orgulhar de que eu tenho outros quatro homens. Sempre achei horroroso ver um cara se gabar porque coleciona ou engana mulheres.
MC: Estamos perto de ter um deputado homem que coloque o aborto na pauta?
MD: O Jean [Wyllys] põe. Os homens da nossa bancada colocam. Mas não, não estamos perto.
MC: Então ainda é um papel das mulheres. Na sua opinião, por que o aborto tem que deixar de ser crime?
MD: Porque a ilegalidade do aborto mata milhares de mulheres no Brasil e as coloca na ilegalidade. Coloca as mulheres como criminosas.
MC: Por que não quer mais ficar em Brasília?
MD: Passei por uma reflexão pessoal: quero voltar a viver na minha cidade, que é Porto Alegre. Quero estar mais próxima dos movimentos sociais. Alguns dizem ‘Ah, boba, tu é a mais votada’. Mas não quero acumular poder, poder, poder. Posso morar na minha cidade? Posso ser mais feliz com meu marido? Há 10 anos eu viajo um monte e agora não quero mais. É crime eu querer ser mais feliz e também fazer política? Acho que dá pra conciliar.
MC: Qual foi o momento mais difícil da sua vida pública?
MD: É difícil fazer campanha doente, estar na rua sem dormir, triste, sem vontade. Mas o dia mais difícil da minha vida pública foi quando um cara disse que não votaria em mim porque eu estava em Porto Alegre num dia de semana. Eu tinha viajado para enterrar a minha avó, que tinha acabado de morrer. Isso me quebrou por dentro. Foi quando vi que as pessoas não estão nem aí pra ti na vida pública.
Fonte: Marie Claire
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