Juros: a única coisa em que não querem que o Brasil imite o mundo

 Autor: Fernando Brito
compjuros
O Brasil  vive ainda sob um império colonial.
Onde o capital rentista é a metrópole que não se contesta.
O país avança, progride, enriquece mas, como quando do “quinto” da Coroa portuguesa, vive sob o tacão de uma apropriação feroz de suas riquezas feita pela via dos juros.
A rigor, é até inacreditável que o país continue crescendo com taxas de juros públicas que, em qualquer parte do mundo, estariam levando uma nação à recessão.

Não levaram, mas  certamente levaram à capitulação a política desenvolvimentista que visava a normalizar estas relações financeiras.
E mais inacreditável ainda que a oposição política a este modelo não seja a que quer reduzi-las, mas a que quer aumentá-las ainda mais.
O quadro acima (você pode vê-lo completo aqui aqui) dispensa explicações.
Os juros, no Brasil, estão distantes de serem uma questão econômica: são caso de política, para não dizer de polícia, pelo assalto continuado que nos representam.
Por muito menos os norte-americanos jogaram ao mar as caixas de chá.
Mas eles, claro, pretendiam ser uma nação e contavam com uma elite que desejava isso, ardentemente.
Sem mais, ao texto cheio de lucidez de Saul Leblon, hoje, na Carta Maior.

O Vesúvio rentista

Saul Leblon
Há um vulcão fumegando nas entranhas da economia brasileira.
Avisos de lava  em ebulição são  emitidos aqui e ali desde abril passado.
Na última 4ª feira, ele cuspiu pela sétima vez na cabeça da Nação.
A nova elevação de  0,5 ponto  na taxa de juro reafirma  um  desarranjo  em  profundezas intestinas.  
Vozes  tranquilizadoras  adiantam que uma 8ª, quem sabe  9ª, irrupção do Vesúvio rentista é inevitável –benéfica, de fato.
O que se passa de fato no interior da cratera  que ora urra, ora faísca e ameaça explodir tudo, é de qualquer forma sonegado à população.
Explicações sumárias, supostamente técnicas, ofuscam mais do que esclarecem.
Os juros sobem porque  é preciso conter a inflação, explica o coral que convida para o grande baile da restauração ortodoxa.
Mas ao subir não  inibiriam eles  o investimento produtivo que se persegue como crucial?
E não atrairiam fluxos especulativos de capitais, que valorizam o Real e barateiam as importações  –com efeitos dissolventes na estrutura industrial, além de inibir as exportações?
Ademais de reduzir o nível de atividade , não penalizariam  a relação dívida/PIB  estreitando  a margem de manobra fiscal do governo –antessala de cortes ou protelações de investimentos públicos  inadiáveis? (Leia  a coluna da economista  Jaciara Itaim)
Desse nó nas tripas  o distinto público toma conhecimento apenas pelas  irrupções intermitentes.
Copiosas considerações de vulgarizadores  asseveram a pertinência da purga incandescente. O Vesúvio, antes de ser ameaça, é benção.
Toca o baile!  — aconselham  especialistas em convencer nações inteiras  a dançar  no ritmo das lavas fumegante, com resultados que não deixam Pompéia sozinha no museu das catástrofes.
O  nonsense  aparente  não é aleatório –faz parte da crise.
Entorpecer a agenda do país  é um recurso constitutivo da luta pela repartição da riqueza,  que só terá  desenlace progressista se a sociedade conquistar  o discernimento  histórico do que está em jogo nesse baile de máscaras.
Distinguir  a natureza dos interesses em confronto no salão, ademais das escolhas que eles encerram  –e as suas implicações, não é café pequeno.
Requer, por exemplo,  libertar-se da hipnótica orquestração comandada a partir  do Jornal Nacional.
E adquirir imunidade aos esporões liberados pelos  vulgarizadores, que alardeiam os interesses dos endinheirados como se fossem os de toda a nação.
Interditar o debate político da encruzilhada  brasileira  é uma forma de circunscrever as opções  do país  aos estritos limites da boca do vulcão rentista.
As eleições presidenciais de 2014 se oferecem como a oportunidade concreta de ir além das lamúrias e da rendição.
Vence-las, sem dúvida é o imperativo.
O que se deve perguntar  é como essa vitória deve ser construída para que não seja apenas inercial, mas erga pontes ao passo seguinte da luta pela construção da democracia social brasileira.
A barragem de votos pode  alterar as bases de um diálogo do qual a sociedade hoje sai invariavelmente chamuscada?
Quando o  Vesúvio  expele sua lava incandescente é como se dissesse não: 
‘O Estado pode flertar com o pleno emprego, mas o estoque da riqueza financeira não deve ser depreciado; e a fatia que ele detém no  fluxo da renda é intocável’.
Ou seja, ‘mãos ao alto, isso é um assalto: passe para cá os  3% do PIB  para pagar os juros da dívida pública e garanta uma  Selic com ganho real  acima da inflação que  nada lhe acontecerá’.
É tautológico dizer que o ‘governo petista  aceita’  as condições impostas  pelo mercado.
O governo se mexe na pinguela estreita que  a atual correlação de forças reserva  à mobilidade social brasileira.
Correlações de forças, a exemplo das vantagens comparativas na esfera econômica,  são uma construção histórica de cada povo e de cada época, não uma fatalidade da natureza.
Mas  existem. E tem peso objetivo não apenas no plano interno.
Um governo que entre em choque   com a tríade rentista (FMI, agencias de risco, grandes bancos) simplesmente não encontra  um guichê internacional para se abrigar dos caças bombardeiros  e assegurar um fluxo alternativo  da ordem de dezenas de bilhões de dólares .
 A inexistência desse contraponto  diz muito do aparente paradoxo entre a anemia eleitoral do conservadorismo  nativo e a sua força de sabotagem vocalizada pela mídia. 
Doze  anos de governos progressistas  elevaram a participação do salário no PIB para algo em torno de 51% no Brasil ( o dado disponível do IBGE é de 2009; estima-se que tenha se mantido assim até 2012).
No ciclo tucano (1995/2003) essa fatia  oscilou entre 49% e 46%.
Estamos falando, portanto,  de uma reversão na luta pela riqueza,  que até 2003 premiava invariavelmente   as rendas do capital.
O que o vulcão rentista passou a urrar, e cada vez mais alto, é que essa espiral  bateu no teto.
‘No passara’, avisa.
O interdito afeta todo o metabolismo econômico  e contribui significativamente para agravar os impasses  em curso.
A saber: descasamento entre demanda e infraestrutura, desequilíbrio cambial, desindustrialização dissolvente  e déficit preocupante  em contas correntes.
Não é uma questão de ‘inconsistência do modelo petista’, como alardeiam os zeladores do dinheiro grosso alocados nas editorias de economia.
É uma questão de conflito de interesses.
A macroeconomia não opera em uma  dimensões celestial onde vigem os mercados autorreguláveis, os agentes racionais e seus querubins  midiáticos.
O chão da macroeconomia é a correlação de forças e os sinais são de que ela mudou o patamar de sua tensão no país.
Elevar o discernimento social sobre essa encruzilhada e se preparar para superá-la, erguendo linhas de passagem entre as eleições de outubro e o futuro, é a opção concreta que se coloca à frente progressista brasileira.
Lamúrias radicais diante de um vulcão não logram vantagem nem no quesito decibéis.
Mas tampouco aquiescer aos seus ditames garantirá a indulgência das lavas, como parece crer um certo economicismo  que aconselha ir às urnas vestido de estátua de cinzas.

Comentários