Equador: Revolução Cidadã completa sete anos
O Equador paga hoje o salário mínimo mais elevado de toda a América Latina. Além disso, a Unesco reconheceu o país como território livre de analfabetismo.
Beto Almeida
Muito ocupada com o exercício de um oposicionismo crescentemente virulento neste ano eleitoral, a mídia brasileira praticamente não registrou a passagem do sétimo ano da Revolução Cidadã, no Equador, ocorrido na semana passada. Nem por isto, o processo dirigido pelo jovem presidente e economista Rafael Correa, processo também conhecido como “o socialismo do bom viver”, com amplo e expansivo apoio popular, tem menos importância, e deveria ser objeto de estudos, debates por parte de governos, partidos progressistas, sindicatos, movimentos sociais e intelectuais. E de muito mais informação. Neste tema, a exceção tem sido a TV Brasil.
O processo de transformações equatoriano completou mais um aniversário anunciando ao mundo mais uma conquista, que , injustificadamente, aqui praticamente não foi divulgada pelo noticiário político e econômico: o Equador paga hoje o salário mínimo mais elevado de toda a América Latina. A isto se junta o fato do Equador ter sido reconhecido, pela Unesco, como Território Livre do Analfabetismo, o que deveria ser objeto de severa reflexão pelas autoridades educacionais brasileiras, especialmente por sermos a pátria de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Aqui, ainda não temos uma meta segura para a erradicação do analfabetismo...
Vale lembrar que tal conquista do povo equatoriano foi alcançada contando com a cooperação fundamental de Cuba, com seus professores, seu método e sua solidariedade, o que também poderia ser uma alternativa a ser aplicada pelo governo brasileiro, a exemplo do que faz, com sucesso, no Mais Médicos. Aliás, quando veio à posse de Lula, em 2003, Fidel Castro fez questão de comparecer, também, à posse do então ministro da educação, talvez sinalizando assim, claramente, uma disposição prioritária para a cooperação nesta área.
Auditoria da Dívida
O Equador conseguiu revisar, nestes sete anos de câmbios de era, suas relações com o sistema financeiro internacional e local. O que antes era uma deprimente trajetória de submissão e dependência, chegando ao ponto do país ter perdido até sua própria moeda na era neoliberal que desorganizou e rapinou boa parte das riquezas nacionais, hoje está totalmente transfigurado.
O presidente Rafael Correa convocou a uma auditoria da dívida pública, externa e interna, um trabalho corajoso que , com o apoio popular e de especialistas locais e de outros países, levou à constatação de que praticamente mais da metade da dívida era fraudulenta. Não tinha que ser paga. O que existia era um verdadeiro sistema de sucção das finanças públicas, num processo muito similar ao que constatou o presidente Getúlio Vargas, que também realizou uma auditoria da dívida externa, recuperando para o Tesouro Nacional mais da metade dos recursos que eram rapinados pela banca internacional.
Como resultado da auditoria e outras medidas, muito mais recursos puderam ser destinados para os programas sociais da Revolução Cidadã, mesmo que ainda não tenha sido alcançada, por enquanto, uma total desdolarização da economia local. Ainda assim, há recursos disponíveis para sustentar, por exemplo, o pagamento da Renda Cidadã, destinada à inclusão dos setores sociais mais fragilizados pela miséria sistêmica que o país sempre experimentou, historicamente.
Recuperação da soberania
A recuperação da soberania sobre as riquezas nacionais, sobre as finanças, sobre as políticas de defesa - a retomada total do controle da Base Militar de Manta, antes utilizada pelos EUA, também se inscreve neste esforço - encontra no campo energético, provavelmente , a sua expressão mais decidida e relevante. Até a chegada ao poder do processo da Revolução Cidadã, as petroleiras transnacionais que atuavam no país chegavam a abocanhar praticamente 99 por cento da receita da exploração, ficando o país com apenas 1 por cento da receita.
Atualmente, duas empresas estatais de petróleo controlam, soberanamente, toda a política de petróleo do país, com as receitas hoje destinadas em 99 por cento para a economia nacional, sustentando os programas sociais e obras de infra-estrutura. Há empresas transnacionais de petróleo atuando no Equador, mas agora operam apenas na modalidade de alguns contratos, para a prestação de serviços.
As mãos sujas da Chevron
Os sete anos de Revolução Cidadã conduziram, também, à formatação de uma política externa soberana, valente, determinada. Campeão mundial de abrigo a asilados e refugiados políticos, - entre eles o diretor do Wikilikes, Julien Assange, protegido das garras imperiais na embaixada equatoriana em Londres - o Equador está travando uma emblemática batalha com a petroleira Chevron, conhecida por apoiar golpes de estado, guerras contra governos e países independentes e, também, por suas contaminações ambientais em vários cantos do planeta, inclusive aqui no Brasil, onde foi multada.
A Chevron é responsável pela contaminação criminosa de mais de 2 milhões de hectares na Amazônia Equatoriana onde explorou petróleo por anos e anos. Por uma irresponsabilidade criminosa, por deliberada opção de não usar as técnicas adequadas para a proteção do meio ambiente, a petroleira dos EUA despejou todos os detritos químicos nos mananciais, ou em cerca de 30 mil piscinas sem proteção, sem isolamento técnico, o que levou a uma contaminação generalizada de solo, igarapés e mananciais, de tal sorte que as comunidades locais começaram a registrar entre seus membros, pelo uso doméstico desta água, o surgimento de graves enfermidades, entre elas câncer de pele e de intestino. Já há registro de mortes nas comunidades afetadas.
Organizados, os moradores processaram a Chevron na justiça equatoriana e tiveram uma sentença vitoriosa, sendo a petroleira obrigada a pagar uma indenização de mais de 19 milhões de dólares. Com a arrogância peculiar dos imperialistas, a empresa se recusa a pagar a multa e tenta fugir da responsabilidade, inclusive, buscando jogar sobre o estado equatoriano a culpa pelos danos causados pelo empreendimento petrolífero. Toda exploração petrolífera começou em 1964, pelas mãos da Texaco, posteriormente comprada e absorvida pela Chevron.
Se é verdade que os governos equatorianos anteriores foram coniventes com este verdadeiro crime ambiental e social de gigantescas proporções, o governo da Revolução Cidadã adota outra linha. Ele denuncia mundialmente “as mãos sujas da Chevron” e defende os moradores afetados pela contaminação, sem se acovardar ante o poderio desta petroleira. Muito pelo contrário, está revelando todas as suas vergonhosas manobras jurídicas para escapar da responsabilidade. Ocorre que o Equador hoje é outro e isto está sendo dito ao mundo, em alto e bom som. A mídia brasileira demonstra incapacidade para refletir as mudanças ali em curso. Prefere sonegar informação.
Democratização da comunicação
Para estruturar esta política externa valente, o governo equatoriano conta com o respaldo crescente de apoio popular. Em sete anos, Rafael Correa já foi vitorioso, por meio do voto, em nove eleições ou plebiscitos. E para que este apoio popular seja determinante, consciente, foi decisiva a realização de um processo de democratização da mídia, com uma nova legislação sendo aprovada no parlamento.
Pelas novas regras, o poder público tem o controle de 34 por cento da comunicação; o setor privado passa a ter 33 por cento, passando os restantes 33 por cento ao controle de instituições sociais sem fins de lucro, o que garante uma informação com pluralidade e diversidade, sem oligopólios a darem ordens e imporem suas pautas empresariais à nação, bem ao contrário do que ocorre, por exemplo, aqui no Brasil, onde praticamente não há informação isenta das restrições do mercado e, muito menos, sobre estas importantes mudanças em curso ali no país andino.
O Equador que recém lançou sobre primeiro satélite, que está realizando um conjunto de obras de infra-estrutura - algumas com financiamento estatal do BNDES brasileiro - está também promovendo iniciativas econômicas, comerciais, monetárias, políticas, para reforçar o processo de integração latino-americano, devendo, em breve, passar a fazer parte do Mercosul, além de ser já protagonista importante da Unasur e da Celac.
Não admira, portanto, que os sete anos da Revolução Cidadã equatoriana - que merece a solidariedade internacional - não tenham recebido espaços adequados na mídia brasileira. Certamente porque esta percebe haver tantos exemplos nobres e importantes lançados ao mundo pelo pequenino gigante andino, sobre o qual temos muito que refletir e aprender. Não são apenas flores que recebemos de lá....
O que se revela, pela lógica sonegação informativa, é que a mídia brasileira estaria bem mais concentrada e interessada no seu oposicionismo eleitoral sistemático assumido, com o intuito confesso de travar o curso de mudanças que também ocorre no Brasil. Com o que, espera obstaculizar o avanço do Brasil na cooperação com estas importantes experiências latino-americanas, uma cooperação que pode ser bem mais robusta. E para avançar, os obstáculos internos que apregoam a desintegração precisam ser vencidos, especialmente quando o que mais se necessita, historicamente, é um curso de cooperação e solidariedade entre os povos. Para viabilizar este objetivo, é urgente fortalecer todas as iniciativas para um jornalismo de integração regional latino-americana.
(*) Beto Almeida é membro do Diretório da Telesur
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