Educação brasileira: mudam-se os anos, permanecem as perspectivas




Madalena Guasco *

No fim de novembro deste ano, o IBGE divulgou sua Síntese de Indicadores Sociais – a qual traça um quadro do acesso dos cidadãos aos direitos essenciais assegurados pela Constituição – e, de uma forma geral, detectou avanços significativos, incluindo no acesso à educação.

Segundo os números, o percentual de brasileiros sem completar oito anos de estudo – tempo mínimo na escola previsto em lei – caiu de 38,5% em 2002 para 30,6% em 2012. Por sua vez, houve expansão de matrículas de crianças de 4 a 5 anos na escola, cuja taxa subiu de 56,7% do total em 2002 para 78,2% em 2012. Na faixa etária anterior a essa, que atende crianças de 0 a 3 anos, o percentual de frequência às creches quase dobrou em uma década, saltando de 11,7% para 21,2% de 2002 para 2012. Já na faixa referente ao ensino médio, entre adolescentes de 15 a 17 anos, a taxa de matrícula cresceu de 81,5% para 84,2%, ao passo que, no ensino superior, a participação de jovens de até 24 anos subiu 9,8% para 15,1% no mesmo período.


No entanto, se 2013 foi ano da consolidação de dados e da divulgação de demonstrativos auspiciosos – os quais, se não mostram uma solução completa da questão educacional, ao menos apontam que o país vai caminhando –, também foi ano de entraves e alguns obstáculos resistentes nesse mesmo caminho rumo à oferta plena de uma educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. Barreiras que se colocam também pela insistência em se optar por uma expansão muitas vezes feita via setor privado, o que, longe de colocar a educação privada como uma opção democrática, na verdade a consagra como rival do ensino público na busca de recursos do Estado para ampliar seus lucros, sem necessidade de investimentos.

Só para não fugir aos dados estatísticos, a taxa de analfabetismo no Brasil parou de cair e, pelo contrário, registrou sua primeira ligeira variação “positiva” em 15 anos. Conforme os números mostrados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada no fim de setembro, em 2012, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi estimada em 8,7%, o que correspondeu ao contingente de 13,2 milhões de analfabetos. Em 2011, essa taxa havia sido de 8,6% e o contingente, de 12,9 milhões de pessoas. Mesmo com o incentivo à matrícula de crianças entre 6 e 12 anos, 731 mil crianças ainda estão fora da escola, de acordo com o IBGE. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil ficou na 53ª posição de uma lista de 65 países avaliados – e o resultado deixou a desejar tanto no ensino público quanto no privado. No ensino superior, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mais de 200 cursos terão vestibular suspenso por não terem atingido os conceitos mínimos de qualidade.
É claro que números, sozinhos, não dão conta de explicar uma realidade muito mais complexa. Mas é significativo, por exemplo, que 2014 comece com a mesma pauta educacional com a qual teve início 2013: a perspectiva de votação do Plano Nacional de Educação (PNE) e do projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), o qual deverá supervisionar e avaliar instituições e cursos, além de ter a responsabilidade sobre a autorização prévia de fusões e aquisições de empresas no setor.

No primeiro caso, após três anos de atraso, o PNE não só não foi concluído pelo Congresso Nacional como também, mais grave ainda, foi completamente desfigurado pelo Senado Federal na votação do último dia 17 de dezembro, desresponsabilizando o Estado brasileiro do dever de expandir matrículas na educação técnica de nível médio e na educação superior, relegando essa tarefa – e os recursos públicos que a ela competem – ao setor privatista, bem como desobrigando a União de colaborar com estados e municípios na expansão e garantia de padrão de qualidade para as creches, o ensino fundamental e o ensino médio por meio dos mecanismos do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno-Qualidade (CAQ).

Já no caso do Insaes, há um lobby ainda mais explícito das empresas de educação superior contra a proposta, as quais, ao se oporem ao projeto, evidenciam que, com o único objetivo de manter intactos seus lucros, não querem ser submetidas aos mesmos critérios e exigências de qualidade aplicados ao setor público.

Ambas as matérias simbolizam avanços representativos para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Contee, que representa quase 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam na educação privada em todo o Brasil, e o próprio fato de estarem em debate demonstra uma transformação de mentalidade, que começa a colocar a educação como pauta prioritária (haja vista, também em 2013, a votação da destinação dos royalties e de 50% do Fundo Social do Pré-Sal). No entanto, a morosidade com que tramitam – sendo que, no âmbito educacional, há propostas que estão ainda há mais tempo se arrastando no Congresso ou completamente paralisadas (vide a discussão da limitação do número de alunos por turma e a reforma universitária) – é prova contundente de que a correlação de forças faz ralentar os avanços.

Há ainda questões cruciais para a Contee e a categoria de trabalhadores de estabelecimentos de ensino particulares que nem chegaram ao Congresso Nacional, como o Sistema Nacional de Educação (SNE) e a regulamentação da educação privada sob exigências legais idênticas às aplicadas à educação pública – temas que foram deliberados pela Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2010, e acabaram sendo limados do PNE. Nesse sentido, a principal perspectiva para 2014 é que a segunda Conae, que se realiza logo na segunda quinzena de fevereiro, possa assegurar não só a discussão desses pontos, mas também passos largos em direção à sua concretização.
Outra batalha que permanece é a luta dos trabalhadores em educação privada por melhores condições de trabalho, jornada, piso salarial, atividade extraclasse devidamente regulamentada e remunerada. Esses profissionais, ao contrário do que parece achar o senso comum, não possuem melhores condições de trabalho, salário e contrato do que os que atuam no setor público, uma vez que a imensa maioria das instituições não oferece plano de carreira e paga salários aviltantes – muitas vezes inferiores a R$ 10 por hora-aula, com contrato que não prevê as atividades fora da sala de aula e que são inerentes ao trabalho do professor.

Em 2013, a Contee e suas entidades filiadas se engajaram na Campanha Nacional de Valorização Profissional dos(as) Trabalhadores(as) em Educação, que inclusive denunciou, por meio de uma inusitada greve no domingo, o quanto os professores são privados de seu direito ao descanso pelo excesso de atividades extraclasse. A campanha também teve o objetivo de, no caso dos técnicos administrativos, combater a terceirização nas escolas, que precariza o trabalho e põe em xeque o projeto pedagógico das instituições e a qualidade do ensino. Essas duas pautas seguem firmes no ano que começa.

É preciso ter em mente que a o investimento em educação de qualidade é instrumento fundamental para subsidiar a luta e assegurar a conquista de reformas estruturais que interessam a todos os trabalhadores. Pela Constituição da República, a educação é um dever do Estado e um direito de cada cidadão. Mas é mais: é também uma questão estratégica para garantir um desenvolvimento nacional soberano, com distribuição de renda justa para toda a sociedade.

*  Professora Titular na PUC-SP

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