A vitória civilizatória na Cracolândia
No combate ao vício das drogas, há o
tratamento compulsório, higienista, de prender e segregar os viciados; e
o tratamento humanizado, chamado de “redução de danos”. Em vez de
cortar imediatamente e compulsoriamente a droga, sujeitando o viciado a
crises de abstinência – que quase sempre os traz de volta ao vício -,
monta-se um tratamento gradativo, de redução gradual do consumo enquanto
se trabalham o ambiente em que ele se encontra, as relações sociais e
familiares, devolvendo-lhe a auto-estima..
No auge da onda ultraconservadora da
mídia, o portal da revista Veja criminalizou os estudos de uma
professora da USP, quase septuagenária, que orientava uma tese de
doutorado sobre redução de danos. O tema mereceu repercussão no Jornal
Nacional.
Não fosse a defesa enfática dos estudos
pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) a
carreira de ambas teria sido liquidada pelo sensacionalismo e haveria
atrasos de décadas nos programas de combate ao vício.
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Nos anos seguintes, consolidou-se no
centro de São Paulo o território livre da Cracolândia. Foram feitas duas
tentativas coercitivas do governo do Estado, para acabar com o gueto.
Os viciados apenas trocaram de local, espalhando-se por bairros próximos
ao centro. Depois, voltaram para o lugar de origem.
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Foi essa sucessão de fracassos que levou o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, a buscar formas alternativas.
Em relação ao tratamento de viciados, a
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divide-se em duas alas: a da
internação compulsória, e outra de tratamento humanizado.
Reuniões com especialistas, como Dartiu
Silveira, e a ousadia da Secretaria de Assistência Social, Luciana
Temer, animaram Haddad a trilhar o caminho civilizatório, lançando a
Operação Braços Abertos.
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A lógica do novo modelo é que o ambiente
modela as pessoas. Ou seja, mantidos na Cracolândia, não haveria
nenhuma possibilidade dos viciados se libertarem do vício. Colocados em
locais dignos, com parte da dignidade recuperada, emergiriam outras
pessoas
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Em um primeiro momento, espontaneamente os viciados saíram das ruas para hotéis, banharam-se, vestiram roupas limpas.
Uma ação conjunta das Secretarias de
Assistência Social, da Segurança Urbana, e da Coordenação de
Subprefeituras, mais a de Trabalho e de Saúde – em parceria com o
governo do estado – criou a rede que será a base da reciclagem dos
viciados.
Foram atendidos pelo serviços de saúde,
para uma primeira checagem e ganharam empregos temporários no sistema de
varrição da cidade, quatro horas de trabalho a R$ 15,00 por dia.
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Todos os passos do programa foram
negociados diretamente com eles, inclusive a promessa de não mais
voltarem para o local. Para tanto, Haddad abriu as portas da Prefeitura,
expôs a proposta, ouviu as ponderações. De uma viciada ouviu a
promessa: “Se eu largar o vício o senhor me garante emprego com carteira
assinada?”.
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E o centro da cidade amanheceu em paz.
No dia seguinte, jornalistas incrédulos testemunharam viciados ajudando a
limpar a cidade. Despidos dos andrajos e da sujeira, um deles foi
reconhecido por um colega que fez doutorado com ele em Portugal; outro
foi localizado pela família, que o reconheceu em um programa de
televisão.
Que o caminho aberto seja trilhado por outros prefeitos de boa vontade.
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