A grosseria dos militares com Dilma

 Agência Brasil

Há um mal-estar castrense desde a exumação dos restos do ex-presidente João Goulart; além de sua restituição no cargo como fato simbólico e político.

Darío Pignotti - @DarioPignotti

Brasília - São incorrigíveis. O general, o almirante e o brigadeiro que comandam as forças armadas do Brasil desafiaram a presidenta Dilma Rousseff e os parlamentares reunidos no Senado ao permanecerem imutáveis, sem aplaudir, como fazia o resto dos presentes, durante a cerimônia na qual lhe restituiu simbolicamente o cargo ao ex-mandatário João “Jango” Goulart, derrubado pelo golpe de Estado de 1964.

Enzo Martins Peri, Julio Soares de Moura Neto e Juniti Saito, chefes do Exército, a Marina e a Aeronáutica, observaram, sem gesticular, o momento em que Rousseff abraçou João Vicente Goulart, filho do presidente destituído, depois de receber a resolução parlamentar, votada por todos os partidos, em que se decretou nula a sessão de 1964 que legitimou o aval à ditadura cívico-militar.

Os três comandantes, que estão em seus cargos desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (contra quem também montaram um gesto de insubordinação quando se tocou a agenda de direitos humanos), repetiram na semana passada na solenidade realizada no palácio semiesférico do Poder Legislativo de Brasília a mesma audácia de 2011, quando permaneceram de braços cruzados enquanto Dilma, dezenas de familiares de desaparecidos e uma delegação argentina encabeçada pelo falecido secretário de Direitos Humanos, Eduardo Luis Duhalde, aplaudiam a criação da Comissão da Verdade.

“Acho que o ocorrido na última quinta-feira no Congresso foi algo mais que um gesto de insolência, me parece que esse comportamento dos comandos militares esteve à beira da insubordinação à presidenta e aos poderes da república”, raciocina o jornalista Luiz Claudio Cunha em entrevista a Página/12.

Cunha é autor do livro mais exaustivo e melhor documentado sobre a Operação Condor no Brasil (O sequestro dos uruguaios), além de contar com informações fidedignas da interna castrense.

“Se diz que há um mal-estar militar, pelo menos entre os altos oficiais. Parece ser que eles não estão nada satisfeitos com a exumação do ex-presidente Goulart, com as honras com que foram recebidos seus restos em Brasília, o estudo dos restos para saber se foi envenenado pela Operação Condor e a restituição no cargo, que é um fato simbólico sem deixar de ser político.”

Ante a suspeita de que a coordenação repressiva da Operação Condor tenha envenenado Goulart, falecido no dia 6 de dezembro de 1976 em Corrientes, Argentina, a Comissão da Verdade motorizou sua exumação no cemitério municipal de São Borja e o transporte de seus restos à Brasília, onde foram recebidos com honras de Estado e lhe extraíram amostras para serem analisadas em laboratórios estrangeiros.

Para Luiz Claudio Cunha, a corporação militar acendeu seus instintos revanchistas depois da chegada ao governo da “ex-guerrilheira e hoje comandante em chefe das forças armadas Dilma”.

“Até algum tempo atrás os generais se mostravam incomodados com algumas tentativas revisionistas da ditadura, mas agora se os vê ostensivamente irritados contra a demanda de verdade e justiça, como revela a atitude do comandante do exército Peri com sua omissão durante os aplausos no Congresso. E antes se viu essa mesma irritação na postura prepotente do general Carlos Bolívar Goellner, quando participou do enterro definitivo do presidente Goulart, neste 6 de dezembro em São Borja.”

Chefe do Comando Militar do Sul, com jurisdição sobre as fronteiras com a Argentina, Uruguai e Paraguai, o general Bolívar Goellner declarou em São Borja sua plena reivindicação da sedição que derrubou Jango Goulart em 1964. “Não há nada de que retratar-se, não há nenhum erro histórico, a história não comete erros, a história é a história”, provocou o general frente à consulta da imprensa no dia em que se realizava o segundo e definitivo enterro de Goulart, há 37 anos de seu falecimento no exílio argentino.

“Não é um fato menor que ninguém em Brasília tenha enquadrado o verborrágico e rechonchudo general Bolívar Goellner. Houve um silêncio vergonhoso de parte de seu chefe imediato, o comandante do exército Peri, e também do chefe de ambos, o ministro da Defesa, Celso Amorim”, comenta Cunha. E acrescenta um dado inquietante, o sonoro Bolívar Goellner, de 63 anos, “tem uma ficha limpa em matéria de violação dos direitos humanos, já que quando chegou à ditadura ele tinha 14 anos e esta terminou quando havia completado 35” mas, pese a isso, está “entrincheirado na defesa do regime”. Corolário: não há depuração ideológica entre os quadros militares brasileiros unidos na reivindicação do terrorismo de Estado e contra as tentativas de reconstruir a memória.

Procurando as pistas na Argentina
João Vicente Goulart, filho do ex-presidente derrubado, se reuniu com diplomatas argentinos em Brasília, a quem entregou um documento até agora secreto sobre a Operação Condor.

– Viemos à embaixada para deixar este papel, de maio de 1976, com timbre do exército brasileiro, dirigido à ditadura argentina, para pedir vigilância e a detenção do “subversivo” João Goulart; um mês e meio depois o escritório de meu pai em Buenos Aires foi visitado por agentes da repressão e, em dezembro morre em Corrientes de uma forma estranha que nós suspeitamos que tenha sido envenenamento.

– O que se tratou na reunião?

– Propusemos que se pode averiguar, do lado argentino, se esse pedido formal do exército foi respondido através de outro documento, para ir armando o quebra-cabeça. Houve boa receptividade por parte dos diplomatas. Para nós é muito importante o apoio argentino para reconstruir as pegadas deixadas pela Operação Condor quando estava sobre meu pai.

– O documento reforça a hipótese do envenenamento?

–É um indício a mais, já se está fazendo em laboratórios estrangeiros o estudo dos restos de Jango, será possível descobrir se foi envenenado. Enquanto isso, nós continuamos trabalhando porque sabemos que a Operação Condor estava sobre Jango. Vamos seguir todas as pistas. Nós temos suspeitas grandes de que meu pai foi assassinado, ele morreu em dezembro de 76 e em setembro havia sido morto o ex-presidente Juscelino Kubitschek, em suposto acidente. Ou os dois terão sido assassinados? São muitas coincidências.

–Pensam em recorrer à justiça argentina?

–Não descartamos nada. No Brasil ainda temos a anistia deixada pelos militares, na Argentina a derrogaram, e no juizado de Paso dos Libres se abriu um processo pela morte de Jango. Se for necessário iremos à Justiça argentina e até poderíamos pedir uma audiência com a presidenta Cristina Fernández para que nos ajude a chegar à verdade. Queremos a verdade e a justiça.



Créditos da foto: Agência Brasil

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