Os mortos-vivos da Economia

“Queremos a inclusĆ£o de teorias crĆ­ticas e de reflexĆ£o”, exigem os estudantes ingleses
Bem informado, o leitor de CartaCapital sabe que se multiplicam mundo afora os movimentos de rejeiĆ§Ć£o dos estudantes de Economia aos mĆ©todos e prosopopeias que infestaram e infestam a CiĆŖncia Triste, antes e depois da crise. A mais recente arregimentaĆ§Ć£o de rebelados sacudiu a Universidade de Manchester sob o patrocĆ­nio da Post Crash Economics Society.
Em seu manifesto inaugural, os alunos da Manchester sentam a pua nos professores. Argumentam que nĆ£o foram advertidos da iminĆŖncia da crise, muito menos informados dos conceitos ou hipĆ³teses teĆ³ricas que permitiriam compreender o que aconteceu no mundo em que tentam sobreviver os homens de carne e osso.

“Queremos a inclusĆ£o de teorias crĆ­ticas e de reflexĆ£o, porquanto neste momento os estudantes de Economia sĆ£o obrigados a aceitar um imenso repertĆ³rio de verdades autoevidentes, em vez de encorajados a verdadeiramente compreender a disciplina.”
John Quiggin Ć© autor do livro Zombie Economics: How dead ideas still walk among us.  Os economistas deveriam manter a obra nas estantes de suas bibliotecas. Quando estivessem prestes a sofrer um ataque de necrofilia, correriam imediatamente para se socorrer de ideias vivas. Ideias vivas, diz Quiggin, nĆ£o sĆ£o necessariamente ideias novas. Nos Ćŗltimos tempos, as ideias apresentadas como novas sĆ£o zumbis, mortos-vivos que deabulam nas universidades do mundo tangidos por doses cavalares dos poderes da finanƧa a sustentar sua sobrevivĆŖncia cadavĆ©rica.
Quiggin apoia os dissidentes. Diz ele: “A grande mudanƧa deve ensinar menos e questionar mais, particularmente no que diz respeito Ć  macroeconomia. Eu comeƧaria com a histĆ³ria Economia Relevante e a HistĆ³ria do Pensamento EconĆ“mico: os clĆ”ssicos, depois Keynes (talvez Fisher), a sĆ­ntese neoclĆ”ssica do pĆ³s-Guerra e a curva de Phillips, a crĆ­tica de Friedman e Lucas e a Teoria dos Ciclos Reais. Depois do percurso histĆ³rico, eu saltaria para a crise atual para demonstrar que o desenvolvimento da teoria macroeconĆ“mica nĆ£o pode ser considerado um progresso”.
PeƧo mais uma vez licenƧa ao leitor de CartaCapital para repisar argumentos que esgrimi no prefĆ”cio do livro Conversa com Economistas. Dizia entĆ£o que a economia, ao longo do sĆ©culo XIX, tomou como paradigma cientĆ­fico a imponente construĆ§Ć£o da mecĆ¢nica clĆ”ssica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do fim do sĆ©culo XVIII. Ohomo oeconomicus, dotado de racionalidade, com informaĆ§Ć£o perfeita ou com mercados completos para todas as datas e contingĆŖncias, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos, diante das restriƧƵes de recursos impostas pela natureza ou pelo estado da tĆ©cnica.
A suposiĆ§Ć£o fundamental das teorias novo-clĆ”ssicas, com expectativas racionais, afirma que a estrutura do sistema econĆ“mico no futuro jĆ” estĆ” determinada. Isso porque a funĆ§Ć£o de probabilidades que governou a economia no passado Ć© a mesma do presente e do futuro. NĆ£o somente as aƧƵes humanas estĆ£o amparadas em estruturas naturais capazes de garantir a estabilidade do sistema movido pelo egoĆ­smo dos sujeitos, como o futuro pode ser antecipado probabilisticamente.
No livro Epistemics and Economics, o economista George Shackle cuida de encarar a questĆ£o da racionalidade: “O tempo e a lĆ³gica sĆ£o estranhos um ao outro. O primeiro implica a ignorĆ¢ncia, o segundo demanda um sistema de axiomas, envolvendo tudo o que Ć© relevante. Mas, infelizmente, o vazio do futuro compromete a possibilidade da lĆ³gica”.
Shackle afirma que a economia Ć© um saber obrigado a formular hipĆ³teses, levando em conta o tempo histĆ³rico, dimensĆ£o da aĆ§Ć£o humana. Deve entregar-se ao estudo do comportamento dos agentes privados em busca da riqueza, no marco de instituiƧƵes sociais e polĆ­ticas produzidas pelas aƧƵes e decisƵes do passado.
A especificidade da aĆ§Ć£o econĆ“mica, em uma sociedade em que as decisƵes sĆ£o “descentralizadas”, Ć© definida pelo carĆ”ter crucial das antecipaƧƵes do grupo social controlador da riqueza e que deve decidir o seu uso a partir do critĆ©rio da vantagem privada. Por um lado, os planos individuais de utilizaĆ§Ć£o da riqueza nĆ£o podem ser prĆ©-reconciliados; de outra parte, os resultados nĆ£o intencionais do turbilhĆ£o de aƧƵes egoĆ­stas modificam irremediavelmente as circunstĆ¢ncias em que as decisƵes foram concebidas. HĆ”, portanto, uma dupla incerteza.
Shackle, ao combinar criativamente Hayek e Keynes, confere Ć s decisƵes empresariais de investimento um carĆ”ter crucial, na medida que “criam o futuro”. Ɖ um ato praticado em condiƧƵes de incerteza radical que muda, a cada momento, a configuraĆ§Ć£o da economia.

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