Fernando Haddad enfrenta batalha contra elite paulistana reacionária e bandida

Haddad02

Cristiane Agostine, lido no SQN
A seguir, trechos da entrevista do prefeito de São Paulo Fernando Haddad, concedida ao jornal Valor Econômico.
Valor: O senhor enfrenta dificuldades para melhorar a aprovação da gestão até mesmo entre os mais carentes, que devem ser beneficiados com o Bilhete Único Mensal e as faixa de ônibus. A que atribui isso?
Fernando Haddad: Jornalista se preocupa muito com pesquisa. Governante tem um outro tempo. O meu tempo é de quadrianual. Peço menos ansiedade.
Valor: Mas as pesquisas mostram que suas ações não têm se refletido em apoio, nem entre os que estão sendo beneficiados…
Haddad: E as campanhas de desinformação que foram feitas? Tem gente em Guaianases [zona leste] achando que o IPTU vai aumentar 200%. É muita desinformação, sobretudo sobre temas polêmicos como o IPTU. Vi programas de rádio dizendo que o IPTU ia aumentar 200%, sendo que na periferia vai cair.
Valor: O senhor vai mudar a comunicação da prefeitura?

Haddad: Sou contra gastar rios de dinheiro com publicidade
Valor: As pesquisas mostram que Dilma e Alckmin conseguiram recuperar parte da popularidade desde os protestos, mas o senhor não…
Haddad: Alckmin aumentou 3%, dentro da margem de erro de 2%. Não é nada. Entendo a paixão pelas pesquisas, mas se fosse levar em consideração só isso não teria sido candidato. Política é quatro anos. Não vamos fazer mudança cosmética, vamos fazer profundas, estruturais.
Valor: O seu mandato é de quatro anos, mas em 2014 o PT disputará o governo do Estado. Não se preocupa com o fato de que sua popularidade poderá afetar a eleição?
Haddad: Não vou tomar medidas eleitoreiras, que comprometam o futuro de São Paulo. Estou tomando medidas estruturais. Quando atualizo a Planta Genérica de Valores do IPTU estou cumprindo um dever legal. Estamos fazendo a reforma do ISS. Estamos fazendo um Plano Diretor depois de 11 anos, que é revolucionário. Repactuando a dívida com a União. Mas isso tudo como é que a população do Itaim Paulista vai compreender? Não vai. Não existe possibilidade de conseguir explicar reformas estruturais para uma pessoa que passava até outro dia quatro, cinco horas dentro de um ônibus. A pessoa não tem essa possibilidade de se informar. O compromisso de quem governa não pode ser com o calendário da semana, do mês. São Paulo não resolveu nenhum de seus problemas estruturais por falta de visão de longo prazo. Fica olhando para a pesquisa e não faz o que tem que fazer.
Valor: O PT teme que o cenário vivido por Marta Suplicy, que não conseguiu se eleger nas duas eleições seguintes ao mandato, se repita com o senhor. O que fará para evitar isso?
Haddad: O PT não tem hegemonia na cidade. O PT ganha na exceção, não na regra. Na minha opinião, Marta foi a melhor prefeita da cidade mas foi derrotada. Não digo que São Paulo é conservadora, mas atuam na cidade forças muito conservadoras, um poder econômico muito conservador.
Valor: O que o senhor faz para conquistar a fatia conservadora?
Haddad: Ela tenta me mudar e eu tenho mudá-la. Quero ganhá-la para teses mais avançadas. A tese do transporte público descontenta essa classe conservadora, mas aposto que em quatro anos uma parcela desse eleitorado conservador vai me dar razão. Vai dizer: não tinha alternativa. A gestão Serra gastou R$2 bilhões na Marginal Tietê para ter exatamente o mesmo trânsito um ano e meio depois. Na hora que o eleitorado for comparar o que cada um fez, o quanto gastou, os resultados, vai ser favorável a nós. Mas preciso de quatro anos. Precisa de tempo sobretudo para transformar. Se fosse para manter como está, poderia ter a taxa melhor de aprovação, não mexer em nada, deixar o IPTU como está, dar entrevistas simpáticas… Mas e daí? A cidade vai mudar?
Valor: O aumento do IPTU, que foi criticado, está sendo analisado pela Justiça. Qual sua expectativa?
Haddad: Se for levada a jurisprudência do próprio tribunal, deve ser uma decisão favorável à prefeitura. A jurisprudência é muito sólida. Qual é a inconstitucionalidade? Se for levada em consideração a jurisprudência, não tem nada [irregular]. (Neste momento o prefeito é informado pelo Valor Pro que o TJ/SP suspendeu o reajuste. Demonstrando contrariedade, disse que recorreria da decisão)
Valor: O senhor anunciou o desmantelamento da máfia que desviava recursos do ISS um dia depois da aprovação do reajuste do IPTU. A ordem não deveria ser inversa?
Haddad: Não sei o motivo de não ser divulgado, mas é obrigação legal rever a Planta Genérica de Valores no primeiro ano de mandato. Na cidade, tem 1,4 milhão de imóveis que vão ficar isentos do imposto ou vão pagar menos. Tem imóvel que triplicou de preço e colocamos um teto de 20% de aumento, para que não houvesse exagero. Agora essa operação [sobre a máfia do ISS] foi deflagrada em março. Tínhamos duas alternativas: abrir processo disciplinar, demitir esses servidores por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito – que não é crime no Brasil –, ou levar ao Ministério Público e quebrar os sigilos desses agentes, que foi o que fizemos. Queríamos provar o vínculo com o ato de corrupção e provamos. Agora eles estão respondendo por um crime. Tiveram inclusive prisão temporária decretada e não fui eu quem decretou, foi o juiz. É o juiz quem escolhe a data [da prisão].
Valor: É o mesmo problema que apontam em relação à presidente, de falta de habilidade política?
Haddad: Talvez eu seja o prefeito que mais tenha aprovado projetos na Câmara sem ter à disposição medida provisória nem rito de urgência constitucional. Eu estou bem politicamente na Câmara, aprovando os projetos.
Valor: A quadrilha que desviava ISS atuava há muitos anos na prefeitura. O senhor sofreu pressão de algum partido em relação a isso?
Haddad: A data de início, segundo o Ministério Público, é 2005. Não acho que tenha a ver com gestão, de A, B ou C. São pessoas de carreira, com boa reputação técnica, que alcançaram cargos importantes da administração e eu não vejo interface com o mundo político. Por isso acho errado atribuir a uma gestão, seja Serra, Kassab ou Marta. Acho essa obsessão de querer marcar data para manchar reputação de governante equivocada. Não vejo envolvimento de ninguém da classe política e suponho que isso não venha a ser comprovado por uma simples razão: foi enriquecimento pessoal.
Valor: O senhor sentiu-se traído pelo ex-secretário Antônio Donato?
Haddad: Não. Até o final de março ninguém sabia do que se tratava. Sem o Donato essa investigação não teria chegado onde chegou. A controladoria-geral nasceu debaixo da secretaria de Governo. Tudo foi acompanhado pelo controlador, por mim e pelo Donato. Despachei com ele toda semana e o Donato sempre apostando no aprofundamento das investigações, de levar até as últimas consequências.
Valor: Uma planilha mostra que em 410 obras, a prefeitura deixou de receber 95% do ISS devido. Se um item de arrecadação do ISS não estava crescendo, não era evidente que algo estava errado, dado o boom imobiliário? Há indícios de que o secretário de finanças da época ou o ex-prefeito conhecessem isso?
Haddad: Faltou uma controladoria e por isso criei uma. Não significa dizer que a minha gestão está imune. Mas estou blindando mais a administração. Precisa de um órgão especial de controle.
Valor: As investigações apontam que construtoras e incorporadoras participavam do esquema. Ao mesmo tempo, o setor da construção civil é um dos maiores doadores de campanha. Como o senhor lida com os interesses do setor?
Haddad: Torço para que o STF declare inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas políticas. Sou a favor de financiamento público e individual. Vai melhorar a qualidade da nossa democracia. Acho nocivo para a democracia o financiamento empresarial. É uma espécie de Lei Rouanet da política, acho errado.
Valor: Mas com isso não vai aumentar o caixa dois?
Haddad: Acho o contrário. Vai estimular pessoas honradas a vir para a política. Tem muita gente que tem medo de vir para a política por causa de “como eu faço com o financiamento?” Se a regra valer o cara vem. Vai diminuir os custos de campanha. Concorri em 2012 nas regras atuais. Você tem o financiamento empresarial e a regra do jogo é essa. Torço para que vire inconstitucional. Sobre o escândalo do ISS, aquele que não pagou o imposto devido vai pagar. Além de poder responder ao MP numa ação criminal. Do ponto de vista administrativo, quem não pagou vai ter que pagar com todos os acréscimos legais.
Valor: Depois que a máfia foi divulgada, Kassab aproximou-se de Dilma. Como ficou sua relação com o governo federal?
Haddad: Estive com Kassab em duas oportunidades depois disso e conservamos longamente. Esclarecemos frases que eu disse, que foram descontextualizadas. Se a verdade for contada para a sociedade, as pessoas vão formar um bom juízo do que aconteceu.
Valor: Há outras áreas sob investigação. Quais?
Haddad: Há algumas, mas a Controladoria Geral do Município é o único órgão que não apresenta um plano de trabalho. Até para me preservar. Ela só vem ao meu gabinete quando localiza um problema, para me avisar que posso ter problema em tal e qual lugar. Até a mim ele deve investigar, amigos, família.
Valor: Apesar de o senhor falar que tem boa relação com Kassab, o senhor disse ter recebido a prefeitura em uma situação de descalabro…
Haddad: Falei isso sobre a situação da Secretaria de Finanças. A cúpula da secretaria, que devia estar cuidando do cofre, estava roubando e isso é uma situação de descalabro. Não estava falando de governo, nem de gestão.
Valor: E sobre sua gestão? Qual a área que tem melhor desempenho e a área que deixa mais a desejar?
Haddad: Estou satisfeito, de maneira geral, com meu secretariado. O programa de metas da cidade está mais ou menos no cronograma. Na área de Transporte, foram lançados o Bilhete Único Mensal, as faixas exclusivas de ônibus foram implantadas, a licitação dos corredores tem uma boa parte pronta. A reforma da educação muito bem recebida. O que estava mais me preocupando era o ‘timing’ da saúde. Até julho, não estava bem. Fiz uma aposta que assumi riscos. Trouxe um engenheiro de Diadema para ser secretário da saúde. Mas confio muito na capacidade de José de Filippi Jr., que foi três vezes prefeito, tem capacidade administrativa fantástica, mas apanhou nos primeiros meses para valer. Mas começo a perceber que as expectativas que eu tinha vão ser satisfeitas.
Valor: Os protestos de sem-teto se proliferaram. Há um movimento mais acirrado contra sua gestão?
Haddad: Tem alguns grupos que migraram para São Paulo com objetivos políticos. Tem um setor minoritário de moradia que é muito recente em São Paulo e não deseja diálogo. Tem grupo ligado à Conlutas. 90% é pacífico, senta à mesa para ajudar a estabelecer meta e estratégia do governo. Atendemos a reivindicação deles e fixamos meta muito ousada, de 55 mil. Mas infelizmente tem gente que está fazendo ocupação que tem casa.
Valor: Como vê a reação da classe média às faixas de ônibus?
Haddad: As últimas informações que tenho são das pesquisas Datafolha e Ibope, que nos surpreendeu, com 88% e 92% de aprovação. Imagino que haverá uma reação natural. Na Dinamarca, quando tomaram uma decisão como essa, nos anos 70, foram dois anos para a população começar a apoiar. Aqui foi surpreendentemente rápido. Vai haver uma acomodação num patamar mais baixo. O normal não é essa aprovação elevada, é ter a aprovação do usuário e ter a reação de quem usou carro.
Valor: Uma das reclamações é que a frota e a frequência dos ônibus não são suficientes…
Haddad: Quando se fala de mais ônibus, precisa relativizar um pouco. Existe o ônibus padrão, o articulado e o biarticulado. A ideia é substituir o padrão pelo biarticulado, porque a capacidade de carregamento é maior. Transporta 200 pessoas em vez de 50. O número de veículos pode não aumentar em função da substituição de veículos-padrão pelos biarticulados. Os ônibus estão passando com maior frequência e fazem o percurso na metade do tempo. O que conta na aferição de qualidade não é o número de veículos, mas qual o está circulando e a velocidade. A velocidade aumentou 48%.
Valor: O senhor vai reajustar a tarifa de ônibus em 2014?
Haddad: No ano que vem temos que aproveitar para debater o tema. Se aumenta a tarifa, não tem espaço para o debate porque vai ter manifestação. Agora se pautar esse debate, teremos a possibilidade de em 2015 ter um modelo de financiamento. Se não tivermos fonte de financiamento por subsídio, as prefeituras não vão suportar. Propusemos a municipalização da Cide, que incide sobre a gasolina.
Valor: Dilma é sensível a isso?
Haddad: Ela sabe do problema. Entreguei a ela um estudo mostrando que não haveria impacto inflacionário, que é grande preocupação. Não há impacto inflacionário porque não há aumento da tarifa. A tarifa pesa mais na inflação do que a gasolina.
Valor: Desde os primeiros dias de sua gestão o senhor tenta renegociar a dívida da cidade. O governo federal desistiu desse projeto?
Haddad: Não. O Mantega disse que pretende votá-lo em uma melhor oportunidade. Estou sempre com o Guido. O Guido está certo. Ele falou que se há uma dúvida sobre o cumprimento de meta fiscal e isso pode trazer um ruído desnecessário para a confiança do mercado, vamos aguardar a melhor oportunidade porque nós vamos cumprir a meta fiscal. E assim que ficar demonstrado que vamos cumprir a meta fiscal, recupera-se um ambiente de confiança mútua e vamos avançar. Precisamos de um nível de investimento da ordem de R$6 bilhões por ano. Este ano nós conseguimos abrir R$3,7 bilhões de espaço orçamentário para investimentos, que é o maior da história. Mas precisamos de mais pelo menos R$2 bilhões. O texto que passou na Câmara é espetacular, fixa um princípio de equilíbrio econômico-financeiro. O contrato está desequilibrado a favor da União e nós estamos reequilibrando o contrato.
Valor: O Orçamento da cidade para 2014 prevê investimentos da ordem de R$10 bilhões e o triplo de repasses voluntários federais. Se a União não repassar isso, vai prejudicar os investimentos?
Haddad: Não vejo limite orçamentário para investimento por parte da União. Se a União tiver algum problema em 2014 será de custeio, não de investimento. Como estamos nos propondo a ser parceiros da União para investir mais, não vejo chance de corte disso. Não está faltando recurso para investimento. Falta obra. Veja o PAC mobilidade: Dilma vai voltar atrás depois de garantir que vai investir R$50 bilhões?
Valor: O adiamento da renegociação da dívida comprometerá os investimentos na cidade?
Haddad: Pode comprometer, porque uma parte dos investimentos exige contrapartida. E a contrapartida tem que vir do financiamento. Temos recursos a fundo perdido e esses não ficam comprometidos. Mas tem aqueles com contrapartida prevista. Essa contrapartida depende da votação da dívida, mas não é a maior parte dos investimentos. Eu diria que dois terços dos investimentos previstos não dependem de contrapartida. Um terço depende e a esse terço a votação da dívida é fundamental.
Valor: O senhor foi muito criticado por deixar a política em segundo plano. Uma gestão sem política dá conta dos problemas da cidade?
Haddad: Depende de como você vê a política. Tem uma velha forma de governar que precisa ser superada no Brasil, que é a demagogia, a falta de seriedade na condução das coisas públicas e não estou para isso. Se esse for o jogo, não me interessa. Para mim, a própria política tem que ser resgatada. Quando falam que tenho que fazer mais política, eu respondo: qual política? A política tem que mudar. Precisa resgatar a nobreza para atrair as pessoas. Se for só cálculo de curto prazo, pragmatismo, vantagem pessoal, isso não é política do meu ponto de vista. É um jogo.
Valor: Lembrando dos protestos de junho, o senhor mudaria sua condução sobre o reajuste da tarifa?
Haddad: Não podia fazer de conta que investir R$1,6 bilhão em subsídios é uma coisa banal. Pode ter tido custo, mas estou tranquilo de ter passado a mensagem correta. E tem minha questão de formação, que pode até ser um defeito na política. Tem virtudes que na política são defeitos. Talvez eu tenha uma virtude incompatível com a política, que é o excesso de sinceridade. Estávamos com R$1,1 de subsídio e isso vai comprometendo a capacidade de investimento.
Valor: Qual livro está lendo?
Haddad: Faz um ano que não consigo ler nada.

Comentários