Fantasmas da ditadura

JK
Entre os cadáveres ilustres suspeitos: Lacerda, Jango e JK (na foto)

Além da lei da anistia, as dúvidas sobre as causas das mortes de Jango, JK e Lacerda provam que a conciliação traiu a democracia

por Mauricio Dias — publicado 14/12/2013

Essa suspeita não é nova. Entretanto, é oportuna, e será sempre até o esclarecimento das dúvidas. Não há provas concretas e nem se sabe se serão encontradas. Permanece, no entanto, por quase quatro décadas, a coincidência estranhável das mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, e do ex-governador Carlos Lacerda.

Os restos mortais de Jango foram exumados para uma perícia. Com ela se saberá, de fato, se ele foi vitimado por um ataque cardíaco. Na Câmara de Vereadores de São Paulo, formou-se um dossiê, no qual são reafirmadas as dúvidas sobre o acidente com o carro de JK. Há suspeitas de que Lacerda também tenha sido assassinado.


Esses homens eram adversários históricos. JK lavou as mãos na deposição de Jango. Lacerda participou do golpe de 31 de março de 1964. Apenas três anos depois, em 1967, os obstáculos entre eles foram eliminados. Criaram a Frente Ampla. Ia da esquerda (Jango), passava pelo centro (JK) e chegava à direita (Lacerda). Reuniram-se em Portugal (Lisboa). Surgiu, além-mar, a primeira resistência articulada pacificamente contra a ditadura vigente no Brasil.

JK, JG e Lacerda morreram entre agosto de 1976 e maio de 1977. Apenas dez meses separam o desaparecimento dos três líderes políticos. Dois anos após isso, o general João Baptista Figueiredo, último presidente do ciclo militar, assinou a lei da anistia.  Com os três vivos, a passagem da ditadura para a democracia teria sido diferente. Há uma história que sustenta isso.

No início da década de 70, emergiu o movimento pela anistia. Propunha uma solução “ampla, geral e irrestrita” contrapondo-se à proposta oficial de analisar processo por processo. Uma filtragem. O movimento social era forte. Não o suficiente, porém, para forçar a ditadura a incluir os integrantes da ação armada que cometeram “crimes de sangue” e, menos ainda, para excluir dela a proteção aos torturadores.

A lei da anistia foi promulgada em 1979, somente dois anos após as mortes de Jango, JK e Lacerda. Os generais brasileiros perceberam a hora de entregar os anéis para não perder os dedos. Fizeram o movimento de antecipação. O modelo econômico dava sinais de cansaço. A resistência interna crescia. O mundo girou e, no giro, o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, veio ao Brasil. Falou com figuras da sociedade civil em afronta ao general-presidente Ernesto Geisel.  Àquela altura, a ditadura já costurava a aliança com os conservadores.

Com Jango, JK e Lacerda no cenário a saída seria a mesma? A primeira eleição pós-ditadura foi indireta. O presidente civil era o conluio das articulações no Congresso. O cauteloso conciliador Tancredo Neves, naquele contexto, era mais forte que o impetuoso e combativo Ulysses Guimarães.

Em eleição direta, proposta derrotada no Congresso, seria essa? Prevaleceu a conciliação e não a renovação esperada. A lei da anistia ainda protege os torturadores. E, até recentemente, estava bloqueada uma apuração independente sobre as causas das mortes de Jango, JK e Lacerda. Podem ter sido ocasionais. Mas há indícios que sustentam dúvidas.
Na transição, com o acordo entre generais e conciliadores, a democracia foi traída.

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