Entre o azul e o vermelho, a mídia massacra a verdade
Por Washington Araújo
Façamos um breve exercício mental. Imaginemos que o noticiário da manipulação midiática seja bicolor azul e vermelho.
O dicionário jornalístico no Brasil vem se mostrando, além de partidarizado, bastante criativo. As palavras parecem assumir significados ao sabor da ideologia de quem as pronuncia. E terminam se apresentando tropegas, bêbadas, cambaleantes, com o único intuito de manipular corações e mentes de leitores, ouvintes e telespectadores.
A realidade se torna bipolar – para uns significam isto e para outros, embora se trate do mesmo fato, significa aquilo. A manipulação midiática, que não vem de hoje e nem é invenção genuinamente brasileira, parece reinar absoluta em Terra Brasilis.
Quando é mencionado o nome de um político, dependendo do partido a que esteja filiado, este é referido como “acusado” ou como “suspeito”. A força de cada palavra surge na forma como esta é pronunciada, e, em algumas situações, de acordo com o contexto em que a frase é proferida.
Façamos um breve exercício mental. Imaginemos que o noticiário da manipulação midiática seja bicolor – azul e vermelho. E que azul é a cor por excelência do mocinho. Na outra ponta, tenhamos o vermelho vestindo o figurino do meliante. Acredito que em poucos segundos, o leitor terá em sua tela mental inúmeras imagens captadas de telejornais, manchetes de jornais, capas de revistas semanais.
Neste cenário que de hipotético nada tem, temos a seguinte configuração:
1. O azul tem cidadãos apoiadores, o vermelho tem companheiros
2. O azul é senhor absoluto da moral, o vermelho é aético por natureza
3. O azul distorce o fato, o vermelho mente.
4. O azul comete irregularidades, o vermelho pratica crimes.
5. O azul supostamente engendrou, o vermelho cometeu
6. O azul faz parte de suposto cartel, o vermelho é parte de quadrilha
7. O azul é detido, o vermelho, preso
8. O azul é suspeito, o vermelho, acusado
9. O azul participou de suposto conluio, o vermelho comprou votos
10. O azul faz concessões, o vermelho, privatizações
11. O azul deixa meros indícios, o vermelho, provas irrefutáveis
12. O azul tem aliados, o vermelho, cúmplices
13. O azul praticou gestão inadequada de recursos públicos, o vermelho, roubou dinheiro do povo, o meu, o seu, o nosso
14. O azul tem funcionário de livre nomeação do partido, o vermelho tem homem de confiança do partido envolvido
15. O azul foi encontrado com substâncias ilícitas, o vermelho foi encontrado com drogas
16. O azul teve líderes do partido apontados, o vermelho teve fulano, sicranos e beltrano acusados
17. O azul teve político levado às autoridades, o vermelho teve político julgado
18. O azul tem suposto mentor intelectual, o vermelho tem chefe da quadrilha
19. O azul tem suspeito absolvido, o vermelho tem réu que não foi condenado por falta de provas
20. O azul pratica irregularidade fiscal, o vermelho pratica crime de sonegação fiscal
21. O azul tem valores mal administrados, o vermelho, dinheiro roubado
22. O azul tem pessoa detida, o vermelho, presa
23. O azul tem político investigado, o vermelho tem traficante que age como político
24. O azul tem denúncia em blogues sujos, o vermelho na mídia tradicional
25. O azul apresenta suas ideias na blogosfera, o vermelho comanda a esgotosfera
26. O azul tem suas vitórias na Justiça divulgadas, o vermelho suas derrotas proclamadas
27. O azul escolhe assessores tecnicamente, o vermelho faz aparelhamento
É neste contexto de maniqueísmo conflagrado que nossa imprensa perde crescentemente sua credibilidade. E sendo a credibilidade importante requisito para alavancar a carteira de assinantes de jornais e revistas e aumentar ou manter crescentes índices de audiência de tevês e rádios, fica tudo muito bem explicado quando queremos entender o desespero sem fim de nossa mídia tradicional ao longo deste século 21.
E é por isso, que não pode nos causar surpresa o fato de revistas serem literalmente vendidas a preço de banana, de seu número de assinantes e de venda em bancas despencarem inexoravelmente.
Explica também o porquê de tanto revistas semanais quando jornais diários, alguns de longeva existência, oferecerem prêmios cada vez mais tentadores para amealhar novos leitores/assinantes – tablets, home theater, três anos de assinatura pagando por apenas um conjuntos de som, viagens ao Caribe, ingressos para megashows no Rio e em São Paulo, dvd player, canetas de grife.
Pelo andar da carruagem não tarda o dia em que será presenteado o novo assinante com um quarto-e-sala completo e mobiliado localizado nos jardins paulistanos ou na zona sul carioca.
No momento em que nossa mídia tradicional retratar a realidade por sua cor real, fugindo das arapucas do azul-vermelho, grosseiras desonestidades tanto intelectuais quanto jornalísticas, teremos de volta a sempre esperada credibilidade.
Nesse dia teremos nosso jornalismo inaugurando sua Idade Áurea. (Até então contentemo-nos com a Internet consolidando-se como real 5º Poder em nossa sociedade, passando uma solene rasteira no antigo 4º Poder.)
Comentários