A vez dos amigos do povo
Quando os amigos do povo convocam as ruas é porque as instituições já não bastam para assegurar o poder do conservadorismo.
por: Saul Leblon
A hora dos amigos do povo
O conservadorismo brasileiro percorreu todo um alfabeto de alternativas ao longo de 2013 até se convencer de que, isoladamente, nenhuma das vogais ou consoantes lhe daria o que procura.
O caminho da volta ao poder.
A rua emerge como a derradeira aposta de quem, sucessivamente, ancorou o seu futuro no julgamento da AP 470, na explosão da inflação, no apagão das hidrelétricas, no abismo fiscal e, ainda há pouco, na hecatombe decorrente da redução da liquidez nos EUA.
Cada uma dessas alternativas, mesmo sem deixar de impor constrangimentos objetivos ao país e ao governo, mostrou-se incapaz de destruir o contrapeso de acertos e conquistas acumulados ao longo dos últimos 12 anos.
A irrupção de protestos em plena Copa do mundo tornou-se assim a nova bala de prata acalentada por aqueles que, corretamente, ressentem-se de um amalgama capaz de injetar torque e dinamismo ao acerto de contas que buscam com a agenda progressista brasileira.
Não se espere passividade a partir dessa avaliação.
Está em curso o vale tudo para mobilizar uma classe média eterna aspirante a elite, ademais de segmentos que consideram indiferente ter na chefia da nação Dilma, Aécio ou Campos.
Juntos eles compõem o novo rosto da velha agenda banqueira.
Importa reter desse mutirão aquilo que ele informa sobre a singularidade da campanha eleitoral de 2014.
Junho de 2013 encerra lições nesse sentido.
Delas, o conservadorismo tem a pretensão de ser o aprendiz mais aplicado na prova de fogo que se avizinha.
Apostar a reeleição de Dilma em uma estratégia essencialmente publicitária, como tem objetado Carta Maior, pode reduzir a campanha progressista a um sino de veludo, diante dos decibéis convocados, manipulados e magnificados pela estridência do carrilhão midiático.
O que se desenha para 2014 está mais próximo de um 2002 radicalizado, do que daquilo que se assistiu nas disputas de 2006 e 2010.
Mobilizações de massa não são a primeira escolha de elites mais afeitas a golpes e arranjos de cúpula.
Seu medo atávico às ruas remonta às revoluções burguesas do século XVIII, sendo a contrarrevolução francesa um exemplo clássico do empenho em resgatar o poder para a segurança de um diretório armado, se preciso.
As reticências empalidecem, no entanto, em momentos da história em que a rua é o que de mais palpável se apresenta à regeneração de um domínio conservador espremido em uma correlação de forças que ameaça escapar ao seu controle.
Hoje, não por acaso, o chão firme desses interesses no país se equilibra em duas hipertrofias insustentáveis: a do judiciário e a da mídia.
A campanha do PT em 2014 não pode hesitar diante dessa mistura de esgotamento e desespero.
Se o conservadorismo se inclina às ruas , a resposta progressista não pode ser a defesa retrógada de instituições ultrapassadas pelo avanço da sociedade.
Instituições não são neutras.
Elas cristalizam uma correlação de forças de um dado momento histórico.
A representação da sociedade no atual sistema político --a exemplo de seu ordenamento de mídia, já não expressa o aggiornamento ecumênico verificado na correlação de forças nos últimos anos.
É justamente a urgência dessas atualizações institucionais que a agenda petista deveria incorporar à campanha eleitoral de 2014.
Não como recurso ornamental de um cuore publicitário.
Mas como diretrizes efetivas de mobilização e engajamento político de amplos setores em torno da candidatura Dilma.
Não se trata de criar uma antídoto às ruas.
Mas de levar às ruas uma referência efetiva de renovação histórica, em resposta a expectativas, sistematicamente fraudadas, pela cepa dos que hoje se fantasiam de amigos do povo.
Se eles convocam as ruas é porque o extraordinário bate à porta.
E quando o extraordinário acontece não bastam as receitas da rotina.
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