A mídia, 50 anos entre abobrinhas e golpismo
24 de dezembro de 2013 | 09:47 Autor: Fernando Brito
Vinícius Torres Freire, na Folha, publica hoje um belo artigo que, ao descrever forma e conteúdo da edição de Natal do jornal, revela um jornalismo que, francamente, me lembrou o de hoje.
As vacuidades de nossa mídia só rivalizam com outra de suas características: o catastrofismo.
O Brasil de 1963, como o de 2013, “estavam por se acabar” economicamente.
O governo, possuído de um “esquerdismo” intolerável, nacionalizando empresas estrangeiras que controlavam – e sucateavam – a telefonia e a energia elétrica e com um “socialismo” que se expressava até na mensagem natalina de João Goulart: ”É preciso que o pobre coma sem amargura para que o rico viva sem sobressalto. A distância entre um e outro deve ser encurtada…”
Qualquer semelhança com os tempos atuais não é mera coincidência.
É a mesma elite conservadora, com um espírito cristão tão acentuado que teria acabado com Moisés para manter o povo no cativeiro do Egito, embascado com o luxo dos faraós.
Vinícius Torres Freire
“GALINHA VAI à mesa e peru perde reinado”, dizia um título desta Folha da véspera do Natal de 1963. O Mercado Municipal vendera 4 perus e 3.500 galinhas. Patos vinham em terceiro lugar. Em segundo, “franguinhos de leite, que os restaurantes chamam de ‘galeto ao primo canto’”.
No dia de Natal, a primeira página contava a história de um trio de mecânicos da Baixada Santista, acusados por um vizinho de aliciar, capturar e comer seu “belo gato preto”, que fora assado “numa cantina local”. Os acusados admitiam comer gato com frequência, embora negassem o furto.
No dia de Natal, a primeira página contava a história de um trio de mecânicos da Baixada Santista, acusados por um vizinho de aliciar, capturar e comer seu “belo gato preto”, que fora assado “numa cantina local”. Os acusados admitiam comer gato com frequência, embora negassem o furto.
No ano que vem, o Golpe de 64 faz, óbvio, 50 anos. Nas “festas” de 63, do que se falava nos jornais do país que em três meses assistiria a um golpe de Estado?
Falava-se de golpe e de naufrágios mortíferos; patos e gatos à margem.
Falava-se de golpe com uma sem-cerimônia que hoje soa muito sinistra. A leitura parece agourenta mesmo levando em conta que golpes etc. eram então “coisas da vida”. Getúlio, deposto, dera um tiro no peito apenas nove anos antes. JK quase não assumiu e governou sob “intentonas”. João Goulart foi “semideposto” antes de conseguir assumir o governo.
Nos textos, discutia-se abertamente se esquerda ou direita dariam o golpe; quem agradava a tal ou qual general. A conversa comum era sobre a ambivalência, a indecisão e a tibieza de Goulart.
Goulart estava para nomear um “ministério das reformas” (“esquerdistas”) em janeiro. Anunciara a nacionalização de empresas estrangeiras de serviços públicos e desapropriações de terras.
Numa coluna com uma seleta de opiniões de outros jornais, lia-se: “O desafio totalitário feito pelo presidente, que declarou guerra ao Brasil…”; “o governo se encontra definitivamente nas mãos das esquerdas. Um passo apenas nos separa da ditadura, e Goulart está impaciente para dá-lo”; “governo caminha para a aventura extralegal, modelo 1937″.
Numa longa mensagem de Natal, kitsch e carola até para a época, Adhemar de Barros, governador paulista, orava: “Preservai, Senhor, nosso país da sanha dos Sem-Deus, da loucura dos materialistas que nos querem impor seu jugo impiedoso”.
A mensagem natalina de Goulart dizia: “É preciso que o pobre coma sem amargura para que o rico viva sem sobressalto. A distância entre um e outro deve ser encurtada…”.
Adhemar articulava com Magalhães Pinto, governador de Minas, uma “união em prol da democracia” (conspiravam ainda com Carlos Lacerda, governador da Guanabara); discutia uma dobradinha com Magalhães Pinto na eleição presidencial de 1965, que não haveria.
A inflação era assunto geral, até de sarcasmos do colunista social. O novo e DÉCIMO ministro da Fazenda de Goulart dava entrevista confusa sobre seu “decálogo” econômico.
Noticiava-se um editorial do “Times”, de Londres, sobre a estagnação e a inflação do Brasil, um país que dera saltos por 25 anos e chegara ao posto de 11ª economia do mundo, agora em crise por má gestão e pela “divisão na sociedade”.
Seguindo o conselho de um doutor americano, um texto recomendava-se a donas de casa que não ligassem eletrodomésticos barulhentos quando os maridos estivessem em casa, pois o ruído causaria úlceras em homens cansados.
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