Sweetie, a menina virtual que ajudou a encontrar predadores sexuais na Internet

Organização holandesa identificou mil homens – dos quais três portugueses – dispostos a pagar para verem uma criança filipina de dez anos em actos sexuais em frente à webcam.

Sweetie é uma menina filipina de dez anos. Todos os dias, durante dez semanas, sentou-se em frente ao computador com a câmara ligada e entrou em fóruns online. Durante esse período, foi abordada por mais de 20 mil homens, dos quais mil estavam dispostos a pagar para a verem em actos sexuais diante da câmara. Só não sabiam uma coisa: que do outro lado estava alguém a espiá-los.

A Sweetie, que parece uma criança real, afinal, não existe. É um modelo animado criado em computador pela organização não governamental (ONG) holandesa Terre des Hommes, para atrair e identificar predadores sexuais infantis na Internet. A organização queria avaliar a dimensão de um fenómeno que designa como “turismo sexual infantil através dawebcam” e mostrar às autoridades que é fácil identificar os predadores.
A partir de um armazém em Amesterdão, uma equipa da organização usou a Sweetie como disfarce para entrar em fóruns online. Mais de 20 mil homens de 71 países abordaram a “menina” e cerca de mil – dos quais três portugueses – estavam mesmo dispostos a pagar para a verem em actos sexuais em frente à câmara. “Não pedimos nada [como pagamento] a menos que nos oferecessem”, explica o director de campanhas da organização, Hans Guyt, em declarações à cadeia australiana ABC. Enquanto isso, a equipa da Terre des Hommes tentava gravar tudo e procurar dados nas redes sociais que permitissem identificar os predadores – desde moradas a números de telefone e fotografias.
Segundo a organização, a maior parte dos homens (254) é dos Estados Unidos. Os restantes eram sobretudo do Reino Unido, Canadá, Austrália, Alemanha, Turquia, Itália, Holanda. Mas também de Portugal, embora em menor número. Guyt conclui que o turismo sexual infantil pela Internet envolve sobretudo homens de países desenvolvidos do Ocidente, que pagam para ver crianças de países pobres, como as Filipinas, em poses sexuais.
A Terre des Hommes adianta que entregou os dados recolhidos à Interpol. No entanto, questionada pela AFP nesta terça-feira, a organização internacional de polícia criminal disse que não recebeu qualquer informação, embora tenha conhecimento da investigação. “As autoridades holandesas irão transmitir esses dados depois de os avaliarem”, informou a Interpol num comunicado, recusando-se a comentar o assunto nesta fase. Apesar de reconhecer o “papel importante” das organizações não governamentais na protecção das crianças, a Interpol sublinha que “qualquer investigação criminal deve ser conduzida exclusivamente por investigadores especializados”.
A organização publicou um vídeo online no qual explica toda a investigação e criou também uma petição pública para pressionar as autoridades e os governos a agirem para resolver este flagelo.
Embora o turismo sexual infantil online seja proibido por leis nacionais e internacionais, em todo o mundo apenas seis homens foram condenados por este crime, segundo a organização. “Não é um problema das leis existentes”, afirma Hans Guyt. “A Organização das Nações Unidas estabeleceu leis que tornam este abuso infantil ilegal quase universalmente. O maior problema é que a polícia não actua até que as crianças vítimas de abuso apresentem queixa, mas elas quase nunca o fazem. Estas crianças são normalmente forçadas a fazer isto por adultos ou pela extrema pobreza. Por vezes têm de testemunhar contra a sua própria família, o que é quase sempre impossível para uma criança”, explica Guyt.
A organização quer que os governos adoptem políticas de investigação pró-activa, que capacitem as autoridades para investigarem os pontos públicos de acesso à Internet, onde este tipo de abuso acontece todos os dias. “Os predadores infantis que fazem isto sentem que a lei não se aplica a eles”, lamenta.
750 mil predadores sexuais online
A Terre des Hommes acredita que o turismo sexual infantil através da Internet é tão devastador para as vítimas como o abuso físico. As crianças envolvidas neste tipo de prática sofrem normalmente de baixa auto-estima e apresentam sintomas de stress pós-traumático. Muitas vezes têm vergonha do que fazem em frente ao computador e sentem-se culpadas por isso, acabando por usar o álcool e as drogas para fugirem ao problema.
O pior é que o número de crianças vítimas de abuso sexual online continua a crescer, em parte devido ao facto de ser cada vez mais fácil aceder à Internet nos países em desenvolvimento. Com base em dados nas Nações Unidas e do FBI, a Terre das Hommes estima que existam 750 mil predadores sexuais infantis ligados à Internet em cada minuto.
"Ainda não é tarde de mais", defende Guyt. "O nosso pior cenário é que aconteça com isto o mesmo que aconteceu com a pornografia infantil, que hoje é uma indústria multibilionária nas mãos de grupos criminosos", rematou.
Notícia actualizada às 12h03 e às 13h07: acrescenta reacção da Interpol e inclui número de portugueses envolvidos

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