O tiro de Obama saiu pela culatra

Barack Obama

Obama durante evento de arrecadação de fundos do partido Democrata na segunda-feira 25, em San Francisco, na Califórnia. Nas eleições legislativas, o Obamacare pode derrubar o partido

A reforma do sistema de saúde proposta pelo presidente democrata decepciona o eleitor e pode abalar seu segundo mandato
por Eduardo Graça — publicado 29/11/2013

De Nova York

Presidente Pinóquio. Rei da incompetência. Senhor da presunção política. Esses foram alguns dos epítetos associados a Barack Obama nas últimas semanas, e não por comentaristas ou meios de comunicação associados à direita raivosa. A capa mais recente do semanário britânico The Economist traz o presidente dos EUA de terno e gravata, com o oceano no pescoço, e o título “O homem que um dia andou sobre as águas”. A da Time, ilustrada com uma pílula de aspirina partida ao meio, é ainda mais direta: “A promessa quebrada”. A revista pergunta, em tom pessimista: “Ainda é possível salvar o Obamacare? O que será da segunda administração Obama, consumida pela tentativa de se ajeitar um programa impopular?”.



Em Double Down, a recém-lançada continuação do best seller Virada no Jogo, em torno dos bastidores da reeleição de Obama, os jornalistas Mark Halperin e John Heilemann contam como a administração celebrou a decisão da Suprema Corte, quatro meses antes das eleições do ano passado, de afirmação da constitucionalidade do projeto de reforma do sistema federal de saúde. Segundo os repórteres, após o resultado ser divulgado, houve comemoração e lágrimas de felicidade na Casa Branca. “Apesar de toda a controvérsia legal, o QG democrata considerou o resultado extremamente positivo para a vitória em novembro. A decisão empolgava a coalizão democrata, especialmente negros, jovens e hispânicos, interessados em obter ou melhorar sua cobertura de saúde”, escrevem os repórteres.

O voto nos EUA, como se sabe, não é obrigatório, e o tema levou, demostraram as pesquisas de boca de urna, minorias étnicas a sair de casa e votar em Obama. Não por acaso, a reportagem da Time traça o perfil de um jovem de origem latino-americana, cujo plano de saúde oferecido pelo empregador é um daqueles que desaparecerá na confusão burocrática do Obamacare. Sua esperança foi substituída por uma dor de cabeça sem prazo para terminar.

Há um mês os democratas foram os grandes beneficiários do descontentamento da maioria da população com o fechamento de parte do governo e a ameaça de um histórico calote causado pela intransigência conservadora. Uma das condições impostas pela oposição para a aprovação do novo orçamento federal era justamente um atraso no lançamento do Obamacare. O presidente venceu, porém, a queda de braço e a reforma entram em vigor, ainda que aos trancos e barrancos, em janeiro. Na ocasião, o aparato de mídia digital criado por Obama para as duas disputas presidenciais se voltava com força total para as eleições legislativas de novembro, com os democratas disparados à frente. Não mais. Pesquisa da CNN/ORC International divulgada na terça-feira 26 revela que 49% dos norte-americanos preferem o Partido Republicano, ante 47% pró-democratas, uma virada de 10 pontos em quatro semanas, resultante, segundo as entrevistas, da decepção do eleitor com o Obamacare.

À impossibilidade de se entrar no site do Obamacare por falhas técnicas juntou-se a constatação de que uma das principais promessas de Obama, a de que “ninguém precisará trocar seu plano de saúde”, mostrou-se inverídica. Por conta das novas regras, empregadores poderão optar por oferecer planos de qualidade inferior. Se o empregado for temporário, a obrigatoriedade de se oferecer o benefício simplesmente desaparece. O mercado intui que apenas aqueles com necessidades mais imediatas de cobertura médica, especialmente os mais idosos e com doenças crônicas, se apressarão para ingressar no Obamacare, o que causaria um aumento no preço do produto. A lógica do governo era oposta: ao atrair os mais jovens e pobres, sem seguro-saúde, para o mercado, o aumento de procura naturalmente diminuiria o valor daquele que é, no mundo desenvolvido, o serviço mais caro do gênero.

Na média da maioria das pesquisas, 57% dos americanos reprovam o Obamacare e outros 55% se dizem insatisfeitos com o governo democrata. Mas o resultado mais duro para Obama veio na consulta popular feita pelo Washington Post e pela ABC News. Pela primeira vez em cinco anos de governo a maioria dos norte-americanos diz não confiar em seu presidente. À pergunta “o senhor acredita que o presidente é honesto com seus cidadãos?”, 52% responderam não, ante 46% optantes do sim. O ex-presidente Bill Clinton se apressou em “aconselhar” Obama: “Ainda que seja preciso uma mudança na legislação, o presidente deveria honrar seu compromisso e o governo precisa encontrar uma saída para as pessoas que querem continuar a manter seus planos”.

Além da reforma do perverso sistema de saúde público, que consome quase 18% do PIB e deixa cerca de 50 milhões de cidadãos sem qualquer proteção médica, pesa a desaprovação popular à mudança, pela maioria democrata, de regras seculares de funcionamento do Senado, motivada pela recusa dos republicanos em aprovar indicações de Obama para cargos na Justiça Federal. Para piorar, os EUA aceitaram um tratado com o Irã menos duro para Teerã do que o proposto por Brasília e Turquia, e ridicularizado por Washington, em 2010. A soma dos acontecimentos levou analistas a identificarem novembro como o mês mais tumultuado da era Obama, com possíveis sequelas de longo prazo. Por fim, a Suprema Corte ainda decidiu analisar, de forma surpreendente, o direito de as corporações se negarem, baseadas na liberdade religiosa, de custear métodos de controle de natalidade para funcionários.

“Quiçá o mais triste desse fiasco é que nenhum país rico tenha, hoje, mais necessidade de uma reforma no sistema de saúde do que os EUA. O Obamacare até tenta resolver o problema, mas é uma tentativa imperfeita, baseada em um sistema falho e comandada por um presidente cada vez mais distante da perfeição e sem muito tempo para sair da complicação em que se meteu”, anota The Economist.

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