Novamente as vozes do atraso!
Entidades médicas e oposição questionam Mais Médicos no STF
O Programa Mais Médicos continua sob forte ataque das forças conservadoras, que agora questionam sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Najla Passos
Brasília - O programa Mais Médicos, do governo federal, caiu nas graças da população brasileira, foi aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. Mas continua sob forte ataque das forças conservadoras, que agora questionam sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Em audiência pública promovida pela corte nesta segunda (25), entidades médicas e políticos de oposição se reagruparam para atacar o programa que já apresenta resultados concretos de melhoria dos indicadores de saúde pública.
A matéria é questionada em duas ações diretas de inconstitucionalidade – de números 5035 e 5037 - ajuizadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU). O relator é o ministro Marco Aurélio Mello, que convocou a audiência pública e aprovou os nomes dos interessados em apresentar suas posições.
No grupo dos contrários, estavam os representantes das três principais entidades médicas brasileiras, dois deputados do DEM, o Ministério Público do Trabalho e um médico brasileiro que atua no Mais Médicos. Entre os favoráveis, representantes do governo, da Frente Nacional de Prefeitos, da Associação de Secretários Municipais de Saúde, dos movimentos sociais e sindicais e da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde (Anpasa).
O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto Luiz d’Avila, criticou a não exigência da revalidação do diploma dos médicos estrangeiros, o que, segundo ele, coloca em risco a vida da população. Em franca oposição ao Mais Médicos, esclareceu que os conselhos regionais não estão registrando os profissionais estrangeiros que vêm trabalhar no programa, atribuição que, conforme a lei aprovada, agora cabe ao próprio Ministério da Saúde.
“Para a população carente, estão mandando médicos sem o Revalida e o registro no conselho. Eles têm apenas o registro no Ministério da Saúde. E as denúncias já começaram, com casos de prescrições erradas e encaminhamentos inadequados”, ressaltou. O médico não informou que “as denúncias” se referem, na verdade, a um episódio isolado, destacado pela mídia e já devidamente apurado, em que ficou provado que não houve erro nem negligência do profissional cubano.
Ele insistiu que os problemas da saúde pública brasileira se devem à má gestão, e disse que não há falta de médicos no país. “Os médicos brasileiros querem ir para o interior e trabalhar no SUS, mas querem respeito, condições ideais de trabalho e uma carreira de Estado, não uma bolsa, sem direito a férias e 13º. Os médicos já passaram da fase de bolsa, não são mais residentes”, alegou. Outros dois representantes das entidades médicas que participaram da audiência - o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso, e o diretor da entidade, José Bonamigo - concordaram com ele.
A defesa do governo
O ministro da Saúde, Antônio Padilha justificou a pertinência do programa com dados concretos. Segundo ele, a média de médico por habitante no Brasil é de 31,4 para cada grupo de 10 mil habitantes, abaixo da recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 34,5. Para agravar a situação, conforme o ministro, apenas 10% dos médicos brasileiros atuam na atenção básica. “O país precisa de médicos”, resumiu.
Ele alegou que a prática de dispensar do revalida profissionais contratados para atuação em áreas específicas é prática corriqueira em vários países e, inclusive, já estava prevista na legislação brasileira.
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Paulo Speller, acrescentou que o governo irá aumentar a oferta nos cursos de medicina, com o objetivo de formar mais brasileiros na área. Conforme ele, serão 11.447 novas vagas até 2017, sendo 3.695 em instituições federais de ensino superior. O secretário destacou também que, em função das alterações previstas na lei que criou o Mais Médicos, haverá uma mudança significativa na formação dos profissionais da área.
MP dividido
O procurador do Trabalho, Sebastião Vieira Caixeta, contestou a forma de contratação dos profissionais. Segundo ele, apesar do governo afirmar que se trata de uma bolsa de estudo, levantamento feito pelo Ministério Público apontou relação clássica de trabalho. O procurador também criticou o fato do governo não lhe ter fornecido informações especificas sobre o contrato com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAN), que garantiu a vinda dos médicos cubanos para o país.
Já a 1ª vice-presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde (Anpasa), Maria Roseli de Almeida Peri, entretanto, disse que o órgão discutiu internamente e decidiu apoiar o programa. Ela justificou que a entidade não se posicionaria sobre o mérito da constitucionalidade, por entender que a atribuição é do procurador-geral da República.
Prefeitos e gestores apoiam
Representando a Frente Nacional dos Prefeitos, José Fortunati, prefeito de Porto Alegre pelo PDT, fez uma defesa veemente do Mais Médicos. Segundo ele, a entidade congrega prefeitos de todos os partidos, inclusive os de oposição, e todos eles são favoráveis à iniciativa. “4.025 dos 5.570 municípios brasileiros já aderiram ao Mais Médicos, o que demonstra que não se trata de uma questão ideológica. Todos os municípios precisam de mais médicos”, afirmou.
Ele contestou o argumento utilizado pelas entidades médicas de que faltam profissionais na rede pública porque não há estrutura de trabalho adequada. Conforme Fortunati, Porto Alegre é a quarta maior capital brasileira e a quinta em melhor serviço público de saúde. Ainda assim, no início do ano, faltavam 213 médicos no atendimento à saúde básica. “Há filas para os hospitais de referência, mas faltam médicos na periferia”, testemunhou.
Representando o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, José Fernando Casquel Monti rebateu outro argumento apresentado pelas entidades médicas: o de que o problema da saúde pública brasileira é de gestão. De acordo com ele, o Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes, enquanto a Argentina tem 3,2, o Uruguai, 3,7, Portugal, 3,9 e a Espanha 4. O gestor afirmou ainda que, de 2003 a 2011, foram criados 147 mil postos de trabalhos para a categoria, mas o Brasil só formou 94 mil profissionais. “O problema não é só de gestão. Há falta de profissionais e, por outro lado, também há problemas de distribuição”, diagnosticou.
A voz do DEM
O deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) justificou a aprovação da medida provisória que criou o programa no Congresso com a acusação de que o governo não permitiu o debate. “Essa medida provisória foi recordista em número recorde de emendas: teve quase 600. Mas elas foram votadas em blocos e não aceitas. E o acordo com a Opas [para contratação dos médicos cubanos] só foi apresentado após o prazo”, alegou.
Mandetta contestou também a contratação de médicos cubanos, segundo ele, em condições ainda não esclarecidas. E em um discurso que alegava razões humanistas, questionou: “Já imaginaram como deve ser o sábado a noite de um médico cubano, nos rincões do Maranhão, sem um telefone, sem uma internet, com sua família retida em Cuba? Com seu salário retido pelo governo?”.
O deputado chegou a comparar a defesa do Mais Médicos com a da escravidão, no século 19. “Quando da discussão do fim da escravidão, aqui no Brasil, nos anais do Congresso Nacional, existiam aqueles que falavam ‘Não podemos abrir mão da escravidão: quem irá limpar as ruas, quem irá trabalhar no canavial? Se nós abrirmos o Brasil vai quebrar. Esse era o argumento que fez com que aquela chaga durasse tanto tempo. Agora, em pleno século XXI, nós estamos com a nossa constituição, onde se diz que é crime reter dolosamente o salário, ali exposta, e as autoridades dizendo que é por uma causa nobre’”, comparou.
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) centrou seu fogo na crítica ao convênio para contratação dos médicos cubanos. Segundo ele, programa similar que levou 25 mil médicos da ilha para a Venezuela está sendo contestado na Organização Internacional do Trabalho (OIT), por 2 mil profissionais que fugiram do país e, agora, acusam o governo Venezuelano de prática de trabalho escravo. “Mais de US$ 50 milhões da PDVISA [Companhia de Petróleo da Venezuela] já teriam sido retidos para ressarcir esses médicos cubanos que hoje estão foragidos em Miami”, afirmou.
O médico brasileiro William José Bicalho, que atua no Mais Médicos, também fez várias críticas ao programa. Segundo ele, o governo abriu uma possibilidade para que os médicos cheguem aos rincões do país, mas não criou mecanismos para fixá-los nestas regiões. E, estranhamente, pediu providências pouco democráticas. “Falta uma política de cima para baixo”.
Ele contestou o fato de receber uma bolsa de estudo, e não um salário convencional. “Apesar de eu trabalhar como um médico qualquer, eu sou considerado um estudante. E um estudante que teve, até agora, a visita de um tutor, e só para perguntar quantos pacientes eu atendo por dia”, denunciou.
O médico também contestou a participação dos estrangeiros, afirmando “que já estão aparecendo na internet” denúncias contra o mau atendimento prestado por eles. "Se o governo brasileiro continuar insistindo que médico cubano vai resolver o problema da saúde o no Brasil, é melhor avisarem o pessoal do combate à fome para trazer cozinheiros cubanos também", disse.
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