Morador de rua está preso desde junho por carregar Pinho Sol e água sanitária

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No dia do protesto em que Vieira foi preso, prevaleceu a imagem da festa na Candelária

Sem ser julgado, Rafael Vieira está em penitenciária por levar frascos na manifestação do dia vinte de junho no centro do Rio de Janeiro

por Piero Locatelli — publicado 08/11/2013 

Rafael Vieira foi preso porque carregava um frasco de desinfetante Pinho Sol e outro de água sanitária no dia 20 de junho. Vieira foi detido ao sair de uma loja abandonada no centro do Rio de Janeiro, que estava com suas portas arrombadas antes da sua chegada. Ele foi visto com os dois frascos que, segundo o depoimento dos policiais, eram “artefatos semelhante ao coquetel molotov”. Por isso, segue no complexo presidiário de Japeri, município na região metropolitana do Rio, quase cinco meses após ser levado.


Os protestos tinham se multiplicado pelo país na semana da prisão de Vieira. Depois de uma noite de dura repressão em São Paulo, na quinta-feira anterior, as manifestações se massificaram e ganharam o apoio até da grande imprensa, que antes pedia "ação contundente" contra quem "atrapalhava o trânsito" nas cidades. Era uma “grande festa” pelo país, onde, na percepção da imprensa, a polícia não cometia mais abusos e mais de um milhão de pessoas foram às ruas em todo o país. No Rio, quatro foram presos naquela noite por furto qualificado e soltos posteriormente. Negro, morador de rua e catador de latinhas, Vieira não teve a mesma sorte. Com 26 anos de idade, ele já havia sido preso duas vezes por roubo, em 2006 e 2008, e cumpriu as penas completas.

Vieira disse, em seu depoimento, que vivia há um mês na loja abandonada em frente à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV). Ele argumenta que retirou os dois frascos pois eles estavam no espaço onde dormia. O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que Vieira carregava produtos de limpeza. “[As substâncias têm] ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov,” dizia o laudo feito pouco mais de um mês após a detenção. Mesmo assim, o Ministério Público seguiu entendimento de que se tratava de “material incendiário” e o enquadrou no inciso III do artigo 16 do estatuto do desarmamento, que proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.”

A culpa dele surge “de maneira cristalina” segundo o Ministério Público. “Não haveria motivo para o denunciado retirar do interior da loja abandonada duas garrafas intactas de material incendiário, levando-as para o meio da multidão que realizava protesto contra o governo. Conhecendo-se a violência que campeou nos recentes protestos realizados na cidade do Rio de Janeiro, é evidente que o réu pretendia fazer uso nocivo dos frascos incendiários.”

Segundo a defesa, não havia panos na boca das garrafas (como de costume nas bombas incendiárias), ao contrário do escrito no laudo, e os recipientes de plástico jamais serviriam como molotov, já que não se estilhaçam ao quebrar no chão (argumento que também consta no laudo). O juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte acatou a sugestão do Ministério Público, no dia 28 de setembro, e manteve a prisão cautelar. Com a sua liberdade cerceada, Vieira segue sem previsão de julgamento.

Na defesa de Rafael, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro resumia a situação: “andar com produtos de limpeza nunca foi e nunca será crime, sob pena de inviabilizar a vida moderna. Se esta linha prosperar, podemos dizer que portar canetas é crime de perigo, pois uma pode levar a morte se inserida em determinada parte do corpo humano. Impossível.”

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