Liberdade sob ataque
Aos 45 do segundo tempo, Teles querem tocar a bola para a Anatel
Dois coelhos com uma cajadada só. É isso o que a bancada das operadoras de telefonia pretende fazer levando o projeto original do Marco Civil da Internet para votação no plenário da Câmara dos Deputados, na quarta-feira (13). Desde o dia 28 de outubro o PL 2.126/11 está trancando a pauta de votações. Projetos como o que elimina o fator previdenciário e o que reajusta o piso dos agentes comunitários estão deixando de ser apreciados.
Neste momento, está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) o destino da internet brasileira. Só ele poderá exigir que se cumpra o fluxo legislativo obrigatório do PL 2.126, de ser colocado em votação no plenário. A expectativa é que isso ocorra na quarta. Henrique Alves tem declarado que quer colocar em votação sob a argumentação de que não haveria mais avanços nas negociações tendo em vista que "as divergências envolvem posições ideológicas e interesses econômicos". Como ele mesmo disse, um dos caminhos será derrotar o relatório atual do plenário, apresentado na semana passada pelo deputado Alessandro Molon (PT), relator do PL.
Depois, com 258 assinaturas de parlamentares, pelo regimento da casa, se poderia reapresentar o texto original com urgência regimental, pois daí não trancaria a pauta como a urgência constitucional. O que daria tempo para o lobby das operadoras de telefonia entrar em ação e, num pior cenário, estenderia a votação para o próximo ano.
Por outro lado, pesa sobre a Casa a pressão de final do ano, com o encerramento do prazo para os trabalhos legislativos e a necessidade de se votar o Orçamento da União para 2014. E aí, para não correr o risco de colocar o texto do relator, que garante os princípios básicos de neutralidade da rede, privacidade e liberdade de expressão, defendidos por diversas organizações da sociedade civil, intelectuais e tecnólogos, o presidente da Casa sugere apresentar a primeira versão do texto, enviado pelo Ministério da Justiça (MJ) ao Congresso, em 2011. Livre da participação pública, o texto defende interesses do governo e abre precedentes para que a regulamentação da neutralidade possa ir parar nas mãos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Dessa forma as operadoras teriam carta branca para impor a venda de pacotes de conteúdos, tendo em vista que a agência reguladora tem atuado sempre em defesa das mesmas, vide processos como a recém alteração no Plano Geral de Outorgas, que permite a concretização da compra da Brasil Telecom pela Oi, aprovada pelo Conselho Consultivo da Anatel.
Liberdade sob ataque
Com a interferência da Anatel cai o primeiro coelho com a provável quebra da neutralidade de rede. De acordo com o artigo 9 dessa proposta inicial do MJ, o responsável pela “transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço terminal ou aplicativo”. Essa é a definição para a neutralidade. No entanto, ainda de acordo com o artigo, “é vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação."
Deixar o texto "conforme regulamentação" abre para a possibilidade de a bola ser tocada para a Anatel regulamentar, o que, constitucionalmente, é atribuição privativa (ficando sob a rubrica) do Poder Executivo - presidente ou Ministro, conforme os artigos 84, INC. IV, e 87 da Constituição Federal. Ou seja, além de ser uma medida inconstitucional, vai além das atribuições da agência. A Anatel cabe apenas o papel de editar normas para materializar os regulamentos baixados pelo Poder Executivo por Decreto e o de fiscalizar o mercado de telecomunicações. Jamais de regulamentador!
Outro ponto, determinado pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, é que o acesso à internet é considerado um serviço de valor agregado, fora da competência da Anatel. Para acessar à rede não é necessária uma concessão nem licença, ao contrário dos meios de telecomunicações. Foi Isso que possibilitou uma expansão crescente das atividades na rede, no país. Caso a Anatel interfira, como já vem fazendo (é bom que se repita) e quebre o conceito de neutralidade da rede, todo o fluxo de dados da rede será controlado e cerceado como querem as teles. Daí vem o segundo coelho. Com a agência tomando a dianteira, todo o empreendedorismo e a competitividade nacional estarão em risco, bem como a liberdade criativa do usuário, além dos riscos de controle quanto ao que fazem usuários e provedores de conteúdo.
Atualmente, a internet é um ambiente desregulamentado, tendo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) como responsável por coordenar e integrar as iniciativas de internet no país, sem ferir a liberdade de expressão e a neutralidade da rede, buscando meios de preservar a privacidade do usuário. O CGI.br é vinculado ao Ministério das Comunicações e sua atividade e recomendações têm sido fundamentais para a formulação de políticas públicas por parte do Poder Executivo. O garante essa estrutura, e a consequente neutralidade na rede, é o modelo "multistakeholder" adotado pelo CGI, que combina governo, empresas, usuários, academia e terceiro setor.
As teles querem alterar essa configuração e estão empurrando a competência de regulamentar o uso da rede para a Anatel também como uma estratégia de enfraquecer o CGI.br, que tem como principal atividade a de administrar os endereços de internet com final .br e os números brasileiros de protocolo de internet (IP) - endereços das máquinas ligadas à internet. Até isso as teles querem tirar do CGI.br, contando com a atuação da agência, há anos, cooptada fortemente por interesses econômicos dos grandes grupos que atuam no setor de telecomunicações.
Portanto, defendemos que a redação do artigo 9º, ao garantir neutralidade da rede, deixe claro que a regulamentação se dará por decreto.
Fonte: Marco Civil Já
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