Algumas reflexões sobre a ação penal 470



Na atual fase da Ação Penal 470, tenta-se trazer uma figura oriunda do direito do trabalho para o processo civil

Por Luiz Moreira (*)


1. A ação da Procuradoria Geral da República tem se caracterizado, durante todo o processo, como carente de técnica jurídica.

2. A acusação tem uma estrutura montada a partir de ficção literária, conforme a associação de versões verossimelhantes. Nessas confere-se valor jurídico ao plausível. Ocorre que esse tipo de pensamento não se aplica ao direito penal, que exige a comprovação fática do que se alega. Não é suficiente, no direito penal, estabelecer a culpa, pois para se obter uma condenação penal é necessário demonstrar o dolo do agente.


3. Na atual fase da Ação Penal 470, tenta-se trazer uma figura oriunda do direito do trabalho para o processo civil. Trata-se da "sentença da parte incontrovertida da demanada". Esse instituto se desenvolveu no direito do trabalho, no qual, nas reclamações trabalhistas, o que o empregador concorda na reclamação do trabalhador é imediatamente entregue. Por exemplo, o empregado diz que o patrão lhe deve 10 mil reais. O patrão concorda que deve 6 mil. Nesse caso, o empregador deposita os 6 mil e o Juiz do Trabalho entrega esses 6 mil ao trabalhador e a ação prossegue apenas se discutindo os 4 mil, em torno dos quais não há consenso.

4. Então, o atual PGR, Rodrigo Janot, pretende aplicar uma norma do Processo Civil (a sentença da parte incontroversa da demanda) ao direito penal. Ocorre que no Processo Civil se entrega aquilo que é líquido, isto é, aquilo sobre o qual não há mais o que discutir.
Do ponto de vista da técnica jurídica, a PGR atropela toda a história do STF, que nunca aplicou uma pena em ações que não transitaram em julgado.
No caso específico, a sentença da parte incontroversa da demanda exige dois requisitos: (1) que o direito seja disponível, isto é, que se possa dele transigir e (2) que haja consenso sobre o que será antecipado e entregue à parte pelo Juiz.
Definitivamente isso não se aplica no direito penal, sob pena de as garantias e os direitos fundamentais se esfacelaram.

5. Não há execução parcial de sentença penal porque as liberdades são indisponíveis, isto é, não há acordos que resultem em antecipação de penas, pois o regimente jurídico ainda vigente no Brasil é o dos direitos fundamentais.

O que me preocupa é o afobamento, é a falta de cuidado em ultrapassar as barreiras civilizatórias, em que os direitos são negligenciados, fazendo-se coincidir o "fazer justiça" com justiciamento.

(*) Luiz Moreira é membro do Conselho Nacional do Ministério Público e diretor da Faculdade de Direito de Contagem


Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

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