Washington em ação: O tempo é dos porta-aviões que virão intimidar
Adivinhe quem veio para o jantar?
Por que Washington não pode parar: a chegada da era das pequenas guerras e micro conflitos
22 de outubro de 2013
Por Tom Engelhardt, no TomDispatch
Tradução Heloisa Villela
Em matéria de projeção pura de poder, nunca existiu nada assim. Sua força militar dividiu o mundo – o planeta todo – em seis “comandos”.
Sua frota, com 11 porta-aviões de grupos de combate, domina os mares e o faz sem desafios por quase sete décadas.
Sua Força Aérea domina os céus globais e apesar de estar em ação continuamente por anos, não enfrentou nenhum avião inimigo desde 1991 ou se viu diante de um desafio em algum lugar desde 1970.
Sua frota de drones se mostrou capaz de perseguir e matar inimigos suspeitos em cantos remotos do planeta, do Afeganistão e do Paquistão ao Iêmen e à Somália sem preocupação com fronteiras nacionais e sem a menor preocupação de ser derrubada.
Financiam e treinam exércitos substitutos em vários continentes e têm complexas relações de apoio e treinamento com exércitos por todo o planeta.
Em centenas de bases, algumas minúsculas e outras do tamanho de cidades norte-americanas, seus soldados montam guarda no planeta, da Itália à Austrália, de Honduras ao Afeganistão, e das ilhas de Okinawa, no Oceano Pacífico, a Diego Garcia, no Índico.
Seus fabricantes de armas são os mais avançados da Terra e dominam o mercado global.
Suas armas nucleares em silos, em bombardeiros e em sua frota de submarinos seriam capazes de destruir diversos planetas do tamanho da Terra.
Seu sistema de satélites espiões é imbatível, nem se pode desafiar. Seus serviços de espionagem podem ouvir conversas telefônicas ou ler e-mails de quase todo mundo, de líderes mundiais de destaque a insurgentes obscuros.
A CIA e suas forças paramilitares em expansão são capazes de sequestrar pessoas em qualquer lugar, do meio rural da Macedônia às ruas de Roma ou Trípoli.
Para vários de seus prisioneiros, foram montadas (e desmontadas) prisões secretas pelo planeta e em seus navios da Marinha.
Eles gastam mais com seus militares do que os próximos treze países do mundo somados.
Junte-se a isso os gastos com o estado de segurança nacional total, e o volume é bem maior do que o de qualquer grupo de nações.
Em matéria de poderio militar avançado e sem desafios, nunca houve nada como as forças armadas dos Estados Unidos, desde que os mongóis varreram a Eurásia.
Não é de espantar que os presidentes norte-americanos agora usem, regularmente, a frase “a melhor força que o mundo já conheceu” para descrevê-las.
Pela lógica da situação, o planeta deveria ser uma moleza para elas.
Nações menores, com forças bem mais comedidas, conseguiram no passado controlar vastos territórios.
E apesar de toda a discussão sobre o declínio norte-americano e a queda de sua força em um mundo “multipolar”, sua habilidade de pulverizar e destruir, matar e mutilar, explodir e bater só cresceu neste novo século.
Nenhuma outra força militar de outra nação chega perto. Nenhuma tem mais de um punhado de bases militares. Nenhuma tem mais de dois grupos de porta-aviões de guerra.
Nenhum inimigo potencial tem uma frota como essa de aviões-robôs. Nenhum país tem mais de 60 mil forças de operações especiais. País por país, não existe disputa.
O exército russo (um dia “vermelho”) é uma sombra do que já foi. Os europeus não se rearmaram significativamente. As forças de autodefesa do Japão são poderosas e estão crescendo lentamente, mas sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos.
Apesar de a China, regularmente identificada como o próximo estado imperial em ascensão, estar envolvida em um crescimento militar exibicionista, com seu único porta-aviões ainda é apenas um poder regional.
Apesar dessa chocante equação de poder global, por mais de uma década temos assistido a uma lição a respeito do que uma força militar, não importa o quão esmagadora, pode e (quase sempre) não pode fazer no século vinte e um.
A Máquina de Desestabilização
Vamos começar com o que os Estados Unidos podem fazer. Neste ponto os dados recentes são claros: eles podem destruir e desestabilizar.
Na verdade, em todo lugar que se aplicou a força militar dos Estados Unidos nos últimos anos, se houve algum efeito de longo prazo, foi para desestabilizar regiões inteiras.
Em 2004, quase um ano e meio depois que tropas norte-americanas invadiram Bagdá, saqueada e em chamas, Amr Mussa, líder da Liga Árabe, comentou profeticamente: “Os portões do inferno estão abertos no Iraque”.
Para o governo Bush, a situação naquele país já estava controlado e ninguém prestou atenção na descrição de Mussa, pareceu exagero,até ultrajante, quando aplicada à ocupação norte-americana no Iraque.
Hoje, com as estimativas científicas a respeito do assombroso número de mortes provocadas pela invasão e pela guerra, na casa dos 461 mil — e outros milhares que ainda estão morrendo todo ano — e com a Síria em chamas, parece até que a descrição foi incompleta.
Agora ficou claro que George W. Bush e seus principais assessores, fundamentalistas ferrenhos quando se trata do poder militar norte-americano e de sua capacidade de alterar, controlar e dominar o grande Oriente Médio (e possivelmente o planeta), lançaram uma transformação radical da região.
A invasão do Iraque cavou um buraco no coração do Oriente Médio, deflagrando uma guerra civil sunita-xiita que agora se espalhou catastroficamente para a Síria, matando mais de 100 mil pessoas por lá.
Bush e seus assessores ajudaram a transformar a região em um mar revolto de refugiados, deram vida e significado a uma antes inexistente Al-Qaeda no Iraque (e agora uma versão da mesma na Síria), e deixaram o país afundado em um mar de bombas improvisadas, terroristas suicidas e a ameaça, como em tantos outros países da região, de uma possibilidade de implosão territorial.
E isso é apenas um esboço conciso. Não importa se você está falando sobre a desestabilização do Afeganistão, onde as tropas norte-americanas estão há quase 12 anos; do Paquistão, onde a campanha aérea com drones, da CIA, nas comunidades da fronteira, é levada a cabo há anos, enquanto o país se torna mais e mais instável e violento; do Iêmen, onde a chamada Al-Qaeda na Península Árabe cresceu cada vez mais; ou da Somália, onde Washington deu apoio, repetidamente, a exércitos que treinou e financiou, enquanto um país já instável se desmantelou e a influência do al-Shabab, um grupo de insurgentes islâmicos cada vez mais radicais e violentos, começou a transbordar pelas fronteiras regionais.
O resultado tem sido sempre o mesmo: desestabilização.
Considere a Líbia, onde o presidente Obama, não mais interessado em intervenções com soldados em solo, enviou drones da força aérea em 2011, em uma intervenção sem sangue (a não ser, claro, se você estivesse no solo), que ajudou a derrubar Muamar Kadafi, o autocrata local e seu regime de polícia e prisões secretas, e deslanchou uma jovem democracia… opa, um momento, não foi bem assim.
Na verdade, o resultado, que incrivelmente foi uma surpresa para Washington, foi um país ainda mais danificado, com um governo central desesperadamente fraco, um território controlado por várias milícias — algumas de natureza islâmica extremista — insurgência e guerra no vizinho Mali (graças a um influxo de armas roubadas do vasto arsenal de Kadafi), um embaixador norte-americano morto, um país praticamente incapaz de exportar petróleo, e assim por diante.
A Líbia foi, de fato, tão desestabilizada, carece tanto de uma autoridade central, que Washington recentemente se sentiu à vontade para despachar forças de Operações Especiais às ruas da capital, em plena luz do dia, para uma operação de captura de um suspeito de terrorismo procurado há tempos, um ato que foi tão “bem sucedido” quanto a derrubada do regime de Kadafi e, de forma semelhante, contribuiu para a desestabilização ainda maior de um governo que Washington ainda apoiava em tese. (Quase imediatamente em seguida, o primeiro-ministro líbio se viu brevemente sequestrado por uma unidade de milícia, no que pode ter sido em parte tentativa de golpe).
Maravilhas do Mundo Moderno
Se o poder militar esmagador sob o comando de Washington pode desestabilizar regiões completas do planeta, o que então esse poder militar não pode fazer?
Nesse ponto, os fatos são claros e decisivos.
Como todas as ações militares significativas dos Estados Unidos neste século demonstraram, o uso da força militar, não importa em que formato, se provou incapaz de atingir até mesmo os objetivos mínimos de Washington.
Considere esta uma das maravilhas do mundo moderno: junte a tecnologia militar, derrame dinheiro sobre suas forças armadas, supere o resto do mundo, e nada disso faz com que o mundo se comporte de acordo com o que você quer.
Sim, no Iraque, para citar um exemplo, o regime de Saddam Hussein foi rapidamente “decapitado”, graças a uma demonstração de força esmagadora por parte dos invasores norte-americanos.
A burocracia estatal foi desmontada, o exército desbaratado e a autoridade de ocupação foi estabelecida com o apoio de tropas estrangeiras, logo instaladas em bases militares multibilionárias que tinham como objetivo permanecer por gerações. Um governo local “amigável” foi instalado.
E foi aí que os sonhos do governo Bush acabaram, nos destroços criados por um conjunto de minorias insurgentes mal armadas, em terrorismo e numa guerra civil étnico-religiosa brutal.
No fim, quase nove anos após a invasão e apesar do fato de o governo Obama e de o Pentágono estarem doidos para manter tropas estacionadas por lá de alguma maneira, um governo central relativamente fraco se recusou, e elas partiram, últimas representantes do maior poder do planeta sumindo na calada da noite.
Para trás ficaram as ruínas históricas, “cidades fantasma” e bases norte-americanas saqueadas que deveriam ser nossos monumentos no Iraque.
Hoje, sob circunstâncias ainda mais extraordinárias, um processo semelhante parece estar se desenrolando no Afeganistão – outro espetáculo do momento que deveria nos impressionar.
Após quase 12 anos lá, ao se ver incapaz de suprimir uma insurreição minoritária, Washington está pouco a pouco retirando as tropas de combate, mas quer deixar, nas bases gigantes que construímos, talvez 10 mil “instrutores” para os militares afegãos e algumas forças de Operações Especiais para continuar caçando membros da Al-Qaeda e outros ditos terroristas.
Para a única superpotência do planeta, tudo isso deveria ser uma moleza.
Ao menos o governo do Iraque tinha alguma força própria (e a riqueza do petróleo para lhe dar apoio). Se existe um governo na Terra que se qualifica como “marionete”, deve ser o do Afeganistão, com o presidente Hamid Karzai.
Afinal, ao menos 80% (talvez 90%) das despesas do governo são cobertas pelos Estados Unidos e seus aliados, e suas forças de segurança são consideradas incapazes de lutar contra o Talibã e outros insurgentes sem o apoio e o dinheiro dos Estados Unidos.
Se Washington saísse totalmente (incluindo aí o apoio financeiro), é difícil imaginar que um sucessor do Karzai sobrevivesse muito tempo.
Como, então, explicar o fato de Karzai ter se recusado a assinar um acordo futuro, de longo prazo, de segurança bilateral. enquanto ele era escrito?
Ao contrário, recentemente ele condenou ações dos Estados Unidos no Afeganistão, como fez várias vezes no passado, e disse que simplesmente não assinaria o acordo, e começou a negociar com os representantes dos Estados Unidos como se ele fosse o líder da outra superpotência do planeta.
Washington, frustrada, teve que despachar o secretário de Estado John Kerry em uma missão de última hora a Cabul para negociações de alto nível, cara-a-cara.
O resultado, anunciado após uma maratona de 24 horas de conversações e encontros, foi apresentado como um sucesso: problema(s) resolvido. Opa! Todos menos um.
Como ficou claro, foi exatamente o mesmo em que a presença militar norte-americana no Iraque tropeçou – a exigência de Washington de imunidade legal para as tropas norte-americanas que permanecerem no Afeganistão.
No fim, Kerry embarcou de volta sem garantia de um acordo.
Entendendo a Guerra no século 21
Se a presença militar americana sobreviverá ou não mais alguns anos no Afeganistão, o fato concreto é: o presidente de um dos países mais pobres e fracos do planeta, ele mesmo relativamente sem poder, está essencialmente ditando as regras a Washington – e quem pode dizer se, no fim, como aconteceu no Iraque, as tropas norte-americanas não terão de sair de lá também?
Mais uma vez, a força militar não sai ganhando.
Ainda assim, o poderio militar, as armas avançadas, a força e a destruição como armas de política, como formas de criar um mundo à sua imagem ou ao seu gosto, funcionaram muito bem no passado.
Pergunte aos mongóis, ou aos poderes imperiais da Europa, da Espanha no século XVI aos britânicos no século XIX, que forjaram seus impérios à força com sucesso e os mantiveram por longos períodos.
Em que planeta vivemos agora? Por que este poder militar, o mais forte já imaginado, não pode vencer, pacificar ou simplesmente destruir poderes fracos, movimentos insurgentes nada impressionantes, ou grupos esfarrapados (quase sempre tribais) de pessoas que rotulamos de “terroristas”?
Por que esse poder militar não é mais transformador ou ao menos razoavelmente eficaz?
Isso é, para buscar uma analogia, como os antibióticos? Se usados por muito tempo, em muitas situações, um tipo de imunidade acaba se desenvolvendo contra eles.
Sejamos claros: essa força militar ainda é um instrumento potencial poderoso de destruição, morte e desestabilização.
Por tudo que sabemos – não é algo que tenhamos visto nos últimos anos – ele pode também ser um instrumento poderoso para a defesa genuína.
Mas, se a história recente serve de guia, o que essa força militar não pode ser no século 21 é um instrumento de policiamento, um meio de alterar o mundo para se adequar a um modelo de desenvolvimento de Washington.
O planeta e as pessoas de toda parte parecem mais e mais resistentes, de forma que a opção militar fica fora da mesa como instrumento efetivo da superpotência.
Os planos militares de Washington e as táticas usadas desde o 11 de setembro têm sido particularmente desastrosos.
Quando você olha para trás, a doutrina da contrainsurgência, ressuscitada das cinzas da derrota norte-americana no Vietnã, está de volta à lata de lixo da História. (Quem ainda hoje se lembra do seu slogan “limpar, assegurar e construir”, que agora parece a frase final de uma piada ruim?)
“Surge” (aumento repentino de tropas), uma vez considerada estratégia militar brilhante, desapareceu na neblina. “Nation building”, termo que foi muito usado em Washington, hoje é execrado. “Botas em solo”, das quais os Estados Unidos tinham um número enorme e ainda têm 51 mil no Afeganistão, agora ninguém quer.
O público norte-americano está, e universalmente todo mundo concorda, “exausto” de guerras.
Grandes forças norte-americanas desembarcando para lutar em algum lugar da Eurásia no futuro próximo? Não conte com isso.
Mas lições foram aprendidas com o colapso da política de guerra? Também não conte com isso.
É bastante claro que Washington ainda não absorveu completamente o que aconteceu.
Sua crença na guerra continua incrivelmente intacta em um século no qual o poder militar tornou a politica norte-americana equivalente à de um estado religioso.
Nossos líderes ainda dão muito crédito às guerras antiterroristas do futuro, mesmo quando se afogam em seus esforços militares do presente.
Eles ainda desejam ressuscitar uma solução militar aplicável.
Agora a mensagem é: evite essa quantidade de botas – na verdade, reduza o número de soldados em tempos de cortes do Orçamento – e adote o pacote antiterrorismo.
Nada mais de derramar sangue (norte-americano). Pegue os “homens maus”, um ou uns poucos de cada vez, usando o exército privado do presidente, as forças de Operações Especiais, ou sua força aérea privada, os drones da CIA.
Construa novas micro-bases globalmente. Desloque esses porta-aviões de combate para a costa de qualquer país que você queira intimidar.
Está claro que estamos em um novo período em termos da produção de guerra norte-americana. Chame-a da era das mini-guerras, ou micro-conflitos, especialmente nas áreas tribais do planeta.
Então algo realmente está mudando em resposta às derrotas militares, mas o que não está mudando é a preferência de Washington por guerras escolhidas. O que não está mudando é o pensamento de que , se você ajustar suas táticas e estratégias corretamente, a força funcionará. (Recentemente, Washington se salvou de mergulhar em outro previsível desastre miliar na Síria por um comentário improvisado do secretário de Estado John Kerry e pela intervenção oportuna do presidente russo Vladimir Putin.)
O que nossos líderes não entendem é o fato mais básico e prático do momento: a guerra simplesmente não funciona, não a grande nem a micro – não para Washington.
Uma superpotência em guerra em locais distantes do planeta não é mais uma superpotência em ascensão, mas com problemas.
A força militar norte-americana pode ser uma máquina de desestabilização. Mas ela certamente não é uma máquina para impor e fazer cumprir políticas.
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