Alexandre Martins
Relatório da ONU apela aos vários países que cheguem a um acordo
sobre a divulgação de números oficiais e que ponham fim "à falta de
transparência quase intransponível".
As Nações Unidas apelam a Washington que "divulgue os seus próprios dados sobre o número de baixas civis" Khaled Abdullah/Reuters O número de civis mortos em ataques com drones
norte-americanos é muito mais elevado do que as estimativas oficiais e
deverá ser muito superior à realidade, devido à "falta de transparência
quase intransponível", acusa um relatório das Nações Unidas.
O relatório, assinado pelo relator especial da ONU para a promoção dos direitos humanos na luta contra o terrorismo, Ben Emmerson , apresenta números semelhantes aos já avançados por organizações não-governamentais e universidades norte-americanas ,
mas é o primeiro documento das Nações Unidas a incluir estimativas
detalhadas de mortes de civis nos vários países e regiões em que os EUA,
o Reino Unido e Israel usam drones com o objectivo de matar elementos que definem como combatentes inimigos.
O
relator especial da ONU reuniu-se em Março com representantes do
Ministério dos Negócios Estrangeiros paquistanês e teve acesso às
estimativas oficiais das autoridades locais. Nos últimos nove anos,
foram mortas pelo menos 2200 pessoas em ataques com drones e 600 ficaram feridas com gravidade.
Daquilo
que foi possível perceber junto do Governo do Paquistão, pelo menos 400
civis e outras 200 pessoas "provavelmente não-combatentes" foram mortos
desde 2004 nas Áreas Tribais de Administração Federal do Paquistão, na
fronteira com o Afeganistão, mas os números podem ser muito superiores.
"As
autoridades [paquistanesas] salientaram que os esforços para
identificar o número exacto de vítimas mortais (e, portanto, para
estabelecer um número exacto de civis mortos) são prejudicados por
questões de segurança e por obstáculos topográficos e institucionais às
investigações no terreno por agentes ao serviço das Áreas Tribais de
Administração Federal do Paquistão, e também pela tradição das tribos
pashtun de enterrarem os seus mortos o mais rapidamente possível",
salientam os autores do relatório.
CIA responsável por "falta de transparência quase intransponível" Mas
o principal obstáculo, de acordo com a ONU, é mesmo a falta de
transparência. "Nos Estados Unidos, o envolvimento da CIA em operações
letais de contra-terrorismo no Paquistão e no Iémen criou um obstáculo
quase intransponível para a transparência. Isto acontece porque, tal
como todos os serviços secretos, [a CIA] não confirma nem desmente a
realização das suas operações", lê-se no documento, avançado em primeira mão pela NBC News .
"Tal
como a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos [a
sul-africana Navi Pillay] salientou perante o Conselho de Segurança no
dia 18 de Agosto de 2013, a actual falta de transparência dá origem a um
vazio de responsabilidade e prejudica a capacidade das vítimas de
obterem compensações", salienta o relator especial da ONU.
De
acordo com os números da Missão de Assistência da ONU
no Afeganistão (UNAMA), pelo menos 16 civis foram mortos e cinco ficaram
feridos em 2012 em ataques com drones em território afegão. Nos primeiros meses de 2013, a UNAMA estima que foram mortos 15 civis, em sete ataques.
"A
UNAMA admite que estes números podem ser superiores, mas estima que os
ataques com veículos aéreos não-tripulados têm infligido menos baixas
civis nos últimos anos do que os ataques com outras plataformas aéreas",
avança o relatório das Nações Unidas.
ONU não aceita argumentos sobre segurança nacional O
relator especial das Nações Unidas "não aceita que as considerações
sobre segurança nacional justifiquem a sonegação de dados estatísticos"
sobre a morte de civis e lembra que o director da CIA, John Brennan, tem
"apelado publicamente à divulgação de informação sobre baixas civis em
nome da transparência".
Em Junho de 2011, John Brennan –
então principal conselheiro do Presidente dos EUA para as acções de
contra-terrorismo –, afirmou que os ataques com drones não
tinham provocado "uma única morte colateral" (civis mortos) no ano
anterior, devido à "precisão excepcional" dos ataques. Três semanas
depois, o Bureau of Investigative Journalism (um grupo de media sem fins
lucrativos, com sede em Londres) desmentia o responsável norte-americano , após uma investigação sobre 116 ataques com drones no
Paquistão entre Setembro de 2010 e Junho de 2011. Segundo os números
desta organização, pelo menos 45 civis foram mortos nesse período, entre
os quais seis crianças.
O relator especial da ONU considera
"urgente e imperativo que os países cheguem a acordo sobre este
assunto", em particular os Estados Unidos, que devem "clarificar a sua
posição sobre as questões legais e factuais aqui levantadas".
Ben
Emmerson pede ao Governo norte-americano que "desclassifique, até à
medida do possível, informação relevante sobre as suas operações de
contra-terrorismo letais realizadas em outros países" e que "divulgue os
seus próprios dados sobre o número de baixas civis provocado pelo uso
de veículos aéreos controlados à distância, juntamente com informação
sobre a metodologia utilizada".
O relatório recorda que os ataques
que provoquem vítimas civis devem ser investigados pelos Estados que os
lançaram e que o resultados desses inquéritos devem ser revelados
publicamente.
Em todo o caso, salienta o documento, o uso de drones em
conflitos armados pode "reduzir o risco de vítimas civis", desde que
sejam usados "em estrito cumprimento dos princípios das leis
internacionais".
Numa reacção ao relatório das Nações Unidas, a
porta-voz da Casa Branca, Laura Magnuson, disse apenas que tinha
conhecimento da sua existência e que a Administração Obama está a fazer
uma "avaliação cuidada".
A responsável lembrou a posição pública do Presidente Barack Obama sobre o uso de drones
em conflitos armados. "Tal como o Presidente já salientou, o uso de
força letal, incluindo a exercida por veículos aéreos comandados à
distância, exige o nível mais elevado de atenção e cuidado. Antes de
lançarmos qualquer ataque de contra-terrorismo, devemos ter quase a
certeza absoluta de que nenhum civil será morto ou ferido – é esse o
padrão mais elevado que podemos estabelecer."
Comentários