No Facebook não há maminhas mas há decapitações


Ao autorizar vídeos de decapitações, a empresa americana levantou questões que vão da sua ética à sua jurisdição.
As polémicas não afectaram a prestação do Facebook na bolsa AFP
É um mundo estranho, o do Facebook. Um mundo onde não se pode mostrar a imagem de uma mama de mulher, mas se autoriza a publicação de vídeos de pessoas a serem decapitadas.
A administração desta empresa americana com mais de mil milhões de utilizadores em todo o mundo decidiu, esta semana, voltar a permitir a publicação de imagens e filmes de decapitações. Em Maio, e depois de milhares de protestos – um
deles da Family Online Safety Institute, que tem representação na administração do Facebook –, a empresa decidiu suspender "temporariamente" as publicações, até tomar uma decisão.
A suspensão, explicou o Facebook em comunicado na altura, aconteceu para proteger a liberdade dos utilizadores desta rede social que não queriam ver aquele tipo de imagens ou correr o risco de ficar perturbados por elas. Agora é usado o mesmo argumento: as decapitações voltam ao Facebook em nome da liberdade dos utilizadores que querem "conhecer o mundo em que vivem" e ter a possibilidade de condenar o que lhes desagrada.
Em 2012, quando o Facebook actualizou as suas regras de publicação, insistindo que não podem ser mostradas imagens de mamas de mulheres mas podem ser publicados filmes em que se vê pernas a serem partidas e com os ossos de fora, o especialista do jornal britânico The Guardian Charles Arthur escreveu que as regras demonstram claramente que o Facebook é (e só podia ser) uma empresa com origem nos Estados Unidos da América.
Foi nos Estados Unidos da América que uma estação de televisão, a CBS, teve que pedir desculpas públicas porque, na transmissão em directo de uma final do campeonato de futebol americano se viu o mamilo da cantora Janet Jackson. Quinhentas mil pessoas apresentaram queixa e a Federal Communication Commision (comité para as comunicações) multou a CBS em 550 mil dólares (cerca de 450 mil euros), que só não foram pagos depois de o assunto ter sido levado ao Supremo Tribunal, que deliberou a favor da estação.
Uma empresa americana
Só na América, então, se percebe que exista uma rede social mundial onde é proibido mostrar pessoas embriagadas (ou desmaiadas por excesso de álcool), mas é permitido publicar vídeos de sangrentos acidentes de automóvel.
"Estamos a trabalhar para dar aos utilizadores mecanismos para controlarem os conteúdos que querem ver", disse à BBC um porta-voz do Facebook cujo nome não é revelado. Acrescentou que, em breve, poderão surgir banners a advertir que as imagens são sensíveis e podem causar perturbações. E, concluiu a fonte da BBC, nos casos em que claramente as decapitações são glorificadas ou que as imagens sirvam para defender aquele tipo de acto, serão apagadas pela empresa.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, considerou a decisão do Facebook uma "irresponsabilidade". E espera-se uma polémica semelhante à que levou à suspensão da publicação dos vídeos com este tipo de conteúdos – na origem das queixas esteve um filme em que uma mulher, que se crê mexicana, é decapitada por um homem de cara coberta.
"Isto é absolutamente horrível e tem que ser imediatamente apagado... Há muita gente nova que pode ver isto. Tenho 23 anos e estou perturbado com os poucos segundos que vi", dizia uma das queixas. O Facebook só admite utilizadores com 13 ou mais anos, mas há muitos milhares que são mais novos.
Os utilizadores de todo o mundo vão reagir, uns a favor e outros contra, o que demonstra mais uma vez as falhas de se usar a legislação de um país num serviço que é usado em todo o mundo.
Muitas associações de pais vão condenar o Facebook, que entrou na bolsa em 2012 (as acções, de valor considerado demasiado alto, 38 dólares, caíram a pique no primeiro ano, mas estão agora quase nos 60 dólares) e cuja prestação nos mercados nunca foi afectada pelas polémicas. As associações de psicólogos já repudiaram a decisão dos gestores americanos e falaram de regras de bom gosto e de bom senso: "Bastam uns segundos de exposição a este tipo de material gráfico para se ficar com danos psicológicos permanentes", sintetizou a organização Yellow Ribbon, da Irlanda do Norte.
O poder de decisão do Facebook
No outro lado do espectro do protesto, também já há movimentações. Nos EUA, alguns grupos já disseram estar preocupados com a possibilidade de o Facebook poder tapar parcialmente imagens, o que consideram ser uma violação à liberdade de expressão – defendem que a responsabilidade pela exposição de menores aos conteúdos da Internet é dos pais e não das empresas.
Outros, como o grupo de direitos digitais francês La Quadrature, sublinharam que o problema que os vídeos de decapitados – e outros regulamentos do Facebook – levanta é mais abrangente. "Mostra o poder que o Facebook tem de decidir o que pode e o que não pode ser expresso na rede. Quando faz essas escolhas, está a ser profundamente antidemocrático, seja qual for a razão para a tomada de decisão. Só uma autoridade judicial pode determinar restrições, e sempre de acordo com a lei", disse à BBC o co-fundador de La Quadrature, Jeremie Zimmermann.

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