Individualismo Irracional e Loucura Coletiva



Por Fernando Nogueira da Costa

As correntes de pensamento econômico auto classificadas como da “linha principal” [mainstream] adotaram, acriticamente, a premissa de que as pessoas são em essência seres racionais e egoístas. Com essa metodologia, homogeneizou-se os diversos comportamentos com fossem unicamente o tipificado como próprio do Homo Economicus, o superdotado de um comportamento racional.



Nesse raciocínio, não se leva em conta, por exemplo, o altruísmo. Ele é um tipo de comportamento encontrado nos seres humanos e outros seres vivos, em que as ações de um indivíduo beneficiam outro. É sinônimo de filantropia. No sentido comum do termo, é muitas vezes percebida, também, como sinônimo de solidariedade, componente da ideologia da esquerda que enfatiza o instinto humano da proteção social.

A palavra “altruísmo” foi cunhada em 1831 pelo filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) para caracterizar o conjunto das disposições humanas (individuais e coletivas) que inclinam os seres humanos a dedicarem-se aos outros. Esse conceito opõe-se, portanto, ao egoísmo, que são as inclinações, específica e exclusivamente, individuais, particularistas ou privatistas.

Contrária ao altruísmo, a filosofia e as obras de ficção elaboradas por Ayn Rand (1905-1982) enfatizam, sobretudo, as noções de individualismo iluminista, egoísmo racional, e liberalismo econômico. Ela pregava que:

1. o homem deve definir seus valores e decidir suas ações à luz da razão;

2. o indivíduo tem direito de viver por amor a si próprio, sem se sacrificar pelos outros e sem esperar que os outros se sacrifiquem por ele;

3. ninguém tem o direito de usar força física para tomar dos outros o que lhes é valioso ou de impor suas ideias sobre os outros.

O conceito do altruísmo tem a importância filosófica de referir-se às disposições naturais do ser humano, indicando que o homem pode ser bom e generoso, naturalmente, sem necessidade de intervenções culturais como religião ou crença. Nada tão distante da concepção idealizada do homo economicus…

Essa ideia supõe que todo indivíduo tome decisões para maximizar seu bem-estar, baseado em uma avaliação ponderada de todos os fatos. Opta por aquilo que lhe oferece maior utilidade ou satisfação com o menor esforço.

A crença central de Adam Smith (1723-1790) era que a interação econômica humana é ditada sobretudo pelos interesses pessoais. Ao tomar decisões racionais, cada agente econômico procura maximizar seu lucro, ou seja, julga pelo critério de seu próprio interesse, e não por benevolência, pouco se importando com os sentimentos dos demais agentes. Mesmo assim, em economia de livre-mercado, “a mão invisível do mercado impõe ordem”.

Vem dessa postura a recorrente palavrinha-chave do discurso yuppie – eficiência –, a visão de que os indivíduos se motivam com o desejo de conquistar o melhor bem-estar possível, gastando ao mesmo tempo o mínimo esforço possível para atingir essa meta. Esta finalidade é particular ou privada, e não coletiva ou social.

Então, os economistas ortodoxos adotam a Teoria da Escolha Racional. Consideram racionais as ações realizadas em razão de um cálculo ponderado do custo e do benefício da realização do objetivo, mesmo que algumas metas pareçam ser bastante irracionais em longo prazo ou sob um ponto de vista coletivo.

Porém, fora dessa abstração idealizada, o mundo real é complexo demais para se cotejar e avaliar todos os fatores relevantes necessários para calcular os custos e os benefícios de cada ação. Na realidade, na maioria das vezes, pensamos e decidimos, rapidamente, com base na experiência específica, no hábito rotineiro, em regras práticas com vieses heurísticos.

Os economistas comportamentais estudam como as pessoas comuns, descendentes do Homo Sapiens, ao fazerem escolhas, agem diferentemente do Homo Economicus ou do que eu chamo de Homo Pragmaticus, isto é, o especulador profissional tomador contumaz de decisões financeiras práticas.

O economista norte-americano Herbert Simon (1916-2001) afirmou que “só a racionalidade não justifica as decisões”. Como demonstraram Amos Tversky (1937-1996) e Daniel Khneman (1934- ), quando se tem de tomar uma decisão, cujo resultado futuro é incerto, as pessoas não calculam ganhos e perdas com probabilidade matemática. Elas são mais influenciadas por aversão à perda ou medo do arrependimento e pelo modo como a questão de apresenta (efeito enquadramento) do que pela racionalidade de teorias econômicas.

Simon lançou a ideia de “racionalidade limitada”, segundo a qual decisões ruins vêm de limitação de capacidade de processamento de todas informações não imediatamente disponíveis. Recentemente, Alan Greenspan (em sua juventude um dos pupilos de Ayn Rand), que mais tarde se tornou presidente do Banco Central dos Estados Unidos, lançou mão do termo “exuberância irracional” para designar a recorrente ocorrência de bolhas de ativos (formas de manutenção de riqueza) na economia de mercado liberalizada.

Ilusões Populares e a Loucura das Massas não se refere aos recentes protestos das multidões pelas ruas do Brasil. É o título de um livro escrito pelo jornalista escocês Charles Mackay, em 1841, considerado um clássico estudo psicológico dos mercados e do comportamento irracional das pessoas em “manada”. O livro trata de alguns exemplos famosos de especulação financeira. Segundo o autor, ao agir de forma totalmente irracional, em espécie de delírio econômico coletivo, as multidões podem jogar nas alturas os preços de determinado produto, cujo episódio final é uma queda abrupta. Ato seguinte ao do estouro da bolha, a multidão vê seu dinheiro evaporar!

Sob forma de bolhas econômicas, as multidões compostas de seres individuais supostamente racionais geram loucura coletiva. A plebe rude, em turba, é ignara…



Fernando Nogueira da Costa é Professor Livre-Docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/  E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.

Comentários