Fernando Rodrigues e o brasileiro que quer “se encostar”
23 de outubro de 2013 | 12:03
Fernando Rodrigues, hoje, na Folha, escreve aquelas coisas típicas de uma geração “yuppie”, que reciclou a ideia colonial de que os brasileiros são um povo indolente, ao afirmar que “uma parcela significativa dos cidadãos por aqui sonha em se encostar no Estado-nhonhô.”
A história da indolência brasileira é velha como a Sé de Braga, como dizia minha avó. Vem de um semi-racismo que subjaz também à ideologia da superioridade ariana (ou anglo-teutônica): à lassidão hedonista dos latinos, ainda mais aos que carregam o sangue “poluído” pelos mouros: portugueses e espanhóis.
Depois de colocar o leilão de libra na vala comum das privatizações (leia aqui Porque Libra “é bem diferente de privatização”), Rodrigues embarca na tese, devidamente sustentada por uma pesquisa, que diz que 70% dos trabalhadores de Brasília ”acham que ‘a melhor alternativa para melhorar de vida’ é ‘passar em concurso público’. Apenas 2% querem trabalhar em uma empresa privada. Abrir o próprio negócio? Só 26%, possivelmente pensando em prestar serviços para o governo”.
Que gente vagabunda, não?
Claro que em Brasília, onde 40% dos empregos são da administração pública e não há indústrias capazes de sustentar empregos mais bem remunerados, a situação é pior. Mas não é isso o que faz com que muitos jovens busquem a segurança de um emprego público.
É que o mercado brasileiro é cruel como trabalhador, a quem toma como alguém facilmente descartável, e chega à triste condição de campeão mundial de rotatividade de mão-de-obra: perto de 25 milhões de trabalhadores são demitidos por ano.
Rodrigues devia ler um pouco mais, antes de falar assim do ânimo dos brasileiros como trabalhadores.
Por exemplo, ler a insuspeita reportagem da Época, em 2011, onde se diz que “as empresas desligam empregados para contratar substitutos com salários menores.” E que o trabalhador brasileiro permanece a metade do tempo no emprego se comparado aos europeus.
E não é só com os trabalhadores da construção civil.Quem é que pode se sentir seguro em empresas privadas onde ter 40 anos e ganhar um pouco mais são bons motivos para ser mandado embora?
Aliás, seria bom que as dezenas de jornalistas, colegas de Rodrigues, demitidos recentemente da Abril, da própria Folha e de outros veículos porque era necessário “reestruturar”, dissessem isso ao autor da coluna. Talvez alguns deles, cansados de ficar “na mão” de um dia para outro, acabem vendo na estabilidade do serviço público um argumento irresistível para sair da “iniciativa privada”.
Ou, melhor ainda, quem sabe Fernando Rodrigues não usa seu espaço para fazer uma campanha mostrando como é escandaloro que, 25 anos depois de promulgada a Constituição, ainda seja “proibido” falar na regulamentação do parágrafo 4° de seu artigo 239, que aumenta as alíquotas de PIS/Pasep das empresas que praticarem rotatividade de empregados maior que a média de seus setores?
Ah, isso seria mais do tal “custo Brasil”, não é. E destes desocupados que gostam de ganhar seguro-desemprego, bolsa-família e “se encostar no Estado-nhonhô.”
E se há mesmo alguns que pensem assim, quanto de culpa têm as elites brasileiras, que sempre desprezaram o valor do trabalho e apontaram o salário como perigoso vilão da inflação e das despesas públicas?
Como diz jocosamente um amigo, o Brasil foi durante muito tempo um país onde o conceito marxista da “mais-valia” era diferente:
- Pra ganhar só isso, mais valia ficar em casa!
Por: Fernando Brito
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