Desembargador entra com ação para impedir que Eliana Calmon fale sobre política

ELZA FIÚZA/AGÊNCIA BRASIL

calmon2_elzafiuza_abr.jpg
Caso queira se candidatar, Eliana Calmon tem de entrar em algum partido no começo de 2014
William Campos, do TJ de São Paulo, entende que ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça não pode se manifestar sobre o tema porque existe possibilidade de candidatura ao Senado pela Bahia

por Hylda Cavalcanti, da RBA

Brasília – Está programado para ir ao plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 5 de novembro, um julgamento que tem tudo para chamar a atenção de todos os que passaram os últimos dois anos incomodados com a fiscalização e a adoção de medidas mais
rigorosas na apuração de infrações no Judiciário brasileiro. Trata-se de uma representação movida contra a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que até setembro do ano passado atuou com mão firme no cargo de corregedora nacional. O motivo argumentado é a apuração de envolvimento político, por parte da ministra, em declarações concedidas à imprensa.

A representação foi apresentada pelo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Willian Roberto de Campos, considerando que, em entrevistas concedidas a veículos de comunicação, no início deste mês, Eliana Calmon teria se portado como candidata a uma vaga ao Senado nas eleições de 2014 e tecido comentários de caráter partidário. Ele pediu a abertura, por parte do CNJ, de um processo administrativo para impedir, daqui por diante, que a ministra dê qualquer tipo de declaração político-partidária.

Eliana Calmon já admitiu em entrevistas ter sido procurada por cinco partidos (PPS, PSB, PSDB, DEM e PDT), que lhe propuseram candidatura a uma vaga no Senado tanto pela Bahia, sua terra natal, como pelo Distrito Federal, onde mantém residência há mais de 20 anos (chegou na cidade para atuar como desembargadora federal no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília).

A ministra também reconheceu publicamente ter se empolgado com os convites. Disse que aceitaria se candidatar a uma vaga no Senado e que, se isso viesse a ocorrer, gostaria que fosse pela Bahia. Chegou, de fato, a tecer comentários à decisão do TSE em relação à não formalização da Rede Sustentabilidade como mais um partido e proferiu elogios ao futuro partido de Marina Silva. Mas reiterou que em momento algum fez campanha ou se posicionou como candidata.

“Ela nunca entrou em detalhes quando questionada sobre tais assuntos e não chegou a falar um décimo do que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) comentam e propagam como opinião formada em julgamentos nos quais estão envolvidos. Isso, sim, deveria ser objeto de crítica”, chegou a reclamar um ex-conselheiro do CNJ que trabalhou com Calmon quando foi corregedora (e que pediu para não ter seu nome citado, como forma de não atrapalhar a decisão do colegiado do Conselho sobre o caso).

Na avaliação de boa parte dos integrantes do CNJ e do STJ, a iniciativa teria como pano de fundo uma retaliação de magistrados paulistas à ministra, com quem sempre trombaram nas decisões adotadas pela corregedoria, na época em que ela ocupou o cargo.

Para o desembargador William Campos, a questão não é por retaliação, mas conta com o apoio de todos os magistrados do TJSP. “Não há nenhum intuito pessoal neste meu gesto, só o fato de achar que uma ministra tida como bandeira da legalidade e da moralidade se comportar da forma como ela vem se comportando, praticamente já agindo como candidata, confunde a população. Nada impede que a ministra deixe a magistratura para se candidatar a uma vaga ao Senado, mas, se ela quiser mesmo isso, deve antes pedir sua aposentadoria”, destacou.

O desembargador também evitou fazer comparações entre as declarações da ministra e as do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que disse que poderia ser uma possibilidade a sua candidatura à presidência da República, no futuro. “Foi diferente. O ministro Barbosa não mencionou determinados detalhes que a ministra Eliana tem mencionado dando a entender, inclusive, que ela já tem planos de trabalho caso vença a eleição”, colocou.

Inadequação
O argumento apresentado pelo desembargador na representação foi de que Eliana Calmon teria tomado uma postura inadequada às normas estabelecidas pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) quanto ao distanciamento a ser mantido pelos julgadores em questões envolvendo política. A primeira representação, no entanto, foi arquivada poucos dias depois pelo atual corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, que considerou não ter havido qualquer falta por parte da ministra.

Segundo o corregedor, os documentos juntados não apresentam “nada em concreto a caracterizar a alegada atividade”. “Cuida-se, na verdade, de supostas ‘conversas’ e expressões utilizadas pela magistrada, bem como ‘cortejos’ por partidos políticos, não havendo nada em concreto a caracterizar a alegada atividade político-partidária, não havendo nenhuma razão a ensejar a atuação correcional deste órgão censor”, chegou a afirmar Falcão no seu relatório sobre o caso, ao determinar o arquivamento, no último dia 7.

Poucos dias depois, no entanto, o desembargador paulista recorreu da decisão e pediu à corregedoria para reanalisar os autos da representação. O desembargador também sugeriu ao CNJ para fazer uma investigação nos sites de busca e pesquisar o número de vezes em que foi mencionada alguma possível candidatura da ministra Eliana Calmon. Como se trata de um recurso a uma representação, o processo terá, agora, de ser decidido por meio de votação colegiada no plenário do Conselho, dentro das normas vigentes no regimento interno do órgão.

‘Bandidos de toga’
Corregedora no período de setembro de 2010 a setembro de 2012, Eliana Calmon teve uma atuação destacada no país em sua busca pela reorganização de determinados setores do Judiciário brasileiro, como os que envolvem pagamentos de precatórios nos tribunais, por exemplo, e nas apurações de irregularidades cometidas pelos magistrados. Um desses programas de destaque foi o Justiça Plena, que permitiu o andamento de casos de grande repercussão que estavam parados na Justiça por quase 20 anos – período em que passam a ser prescritos.

A ministra se envolveu numa crise com magistrados em 2011, ao dizer que no Brasil alguns destes julgadores eram verdadeiros “bandidos de toga” e por ter solicitado ao Sistema Integrado de Administração Fazendária (Siaf), do Ministério da Fazenda, a avaliação sobre juízes e desembargadores investigados pela corregedoria que apresentassem, em suas contas, situação financeira considerada atípica.

A iniciativa suscitou um debate dentro do Judiciário sobre a possibilidade de virem ou não a ser quebrados sigilos de desembargadores. E o STF chegou a discutir se a competência, por parte do CNJ, para investigar os magistrados não deveria ser vinculada, antes, à decisão das corregedorias dos tribunais – possibilidade que depois foi rejeitada pelos membros da mais alta Corte do país.

Devido à repercussão obtida pelo seu trabalho na corregedoria, a ministra foi alvo de várias homenagens e manifestações espontâneas da população: foi chamada várias vezes de “Xerife do Judiciário”, aplaudida de pé ao entrar em um avião, homenageada em eventos diversos e passou a ser reconhecida e cumprimentada nas ruas. Depois que deixou a corregedoria, ela retornou às suas atividades no STJ e assumiu a direção da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – que tem como gestor o referido tribunal.

Na segunda-feira (21), Calmon e o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski assumiram uma vaga no Comitê Permanente da América Latina para Prevenção do Crime, da Organização das Nações Unidas (ONU). Lewandowski assumiu a presidência do comitê e, a ministra, a secretaria-geral. Pela frente, o grupo tem a missão de elaborar um relatório sobre a situação da violência na América Latina, a ser apresentado pela ONU em 2015, no Qatar.

O que fazer
Nas declarações que deu desde que deixou a corregedoria, ao ser questionada sobre os convites de filiação partidária, a ministra disse também que, a seu ver, no momento, o Legislativo está sem interlocutores com o Judiciário, o que ocorre desde a saída do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). É que Torres – cassado após ter sido comprovado seu envolvimento com os negócios do contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlos Cachoeira – é membro do Ministério Público (hoje, também afastado do MP) e, por isso, exercia esse papel na tramitação de matérias que envolviam os dois poderes. “Os próximos anos para o Judiciário serão muito importantes e no Senado, sei o que faria”, chegou a afirmar a ministra.

Sem querer se manifestar até a decisão final do CNJ, Eliana Calmon tem respondido, por meio de sua assessoria de imprensa, que não é filiada a partido algum e que jamais se declarou candidata, motivo pelo qual não poderia sofrer esse tipo de acusação. Vários políticos já destacaram que gostariam de ver a magistrada em seus palanques nos próximos anos. Um dos primeiros depoimentos nesse sentido partiu do presidente nacional do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, em abril passado. Se decidir abandonar a magistratura, ela terá até seis meses antes da eleição para se filiar a alguma legenda.

A ministra completa 70 anos no final de 2014, ocasião em que se aposenta compulsoriamente. Caso ela queira permanecer no cargo até a formalização da aposentadoria, pode vir a ser, pelo período de um mês, a primeira mulher a presidir o STJ. Eliana assumiria após a gestão do ministro Gilson Dipp, que atualmente ocupa a vice-presidência do tribunal e é quem deverá substituir o atual presidente, Félix Fisher, no segundo semestre de 2014 – mas também terá de se aposentar poucos meses depois em razão da idade.

Como ela teria apenas um mês de gestão e em seguida se aposentaria, ninguém imagina que vá descartar a possibilidade de se aposentar em abril, para filiar-se a alguma legenda e disputar vaga ao Senado nas próximas eleições, motivo pelos quais o assédio tem sido grande.

Comentários