Câmara pode votar PL que acaba com 'autos de resistência' nesta terça
A medida está prevista no PL 4471/12, que exige investigação de todos os homicídios cometidos pelas polícias, cujas principais vítimas são negros e pobres.
Najla Passos
Brasília – A Câmara pode votar, nesta terça (22), o PL 4471/12, que prevê investigação rigorosa de todos os homicídios cometidos pelas polícias, ao acabar com os chamados “autos de resistência”, ferramenta criada pela ditadura para encobrir execuções de
perseguidos políticos, ainda hoje utilizada em larga escala, principalmente, contra jovens negros e pobres. Desde ontem, movimentos sociais e ativistas políticos promovem campanhas no congresso e nas redes sociais para assegurar que o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB -RN) cumpra a promessa de colocar a matéria em pauta, firmada após as mobilizações da semana passada.
O representante da Uneafro e membro do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra e Periférica de SP, Douglas Belchior, lembra que, só em 2012, 546 dos assassinatos cometidos pela polícia paulista foram registrados como “autos de resistência” e, por isso, tiveram suas investigações comprometidas. “Pesquisas da Unesco apontam que só as polícias de São Paulo e do Rio assassinaram, juntas, mais pessoas do que 20 países que adotam a pena de morte. A investigação dos assassinatos cometidos pela polícia é o mínimo que se espera de um estado democrático”, provoca.
O rapper e ativista político GOG, que tem participado ativamente das mobilizações pela aprovação do projeto ao lado de um grupo de artistas, acrescenta outros dados que dão a exata dimensão do que significam os “autos da resistência”: só nos últimos 10 anos, as polícias do Rio registraram dez mil homicídios nesta categoria. Segundo o Ipea, os negros são 70% das vítimas de assassinato no país e a chance de um jovem negro ser assassinado é 3,7 maior do que a de um branco: enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, a de brancos é de 15,5 por 100 mil habitantes.
“Com os autos de resistência, o Ministério Público tem apenas dez dias para responder o processo, prazo que fica prejudicado pela grande demanda do órgão e essas mortes acabam arquivadas, sem nenhuma investigação. Por isso, a ferramenta é usada para exterminar esta parte da população e, para nós, a aprovação do PL significa mais vida e mais longevidade na caminhada”, afirma.
A secretária Nacional Juventude, Severine Macedo, destaca que o governo federal também participa da articulação pela aprovação da proposta. Segundo ela, não dá para continuar com esse sentimento de impunidade, com a polícia achando que está acima do bem e do mal e remetendo tudo a uma possível resistência das vítimas. “A aprovação deste PL é importante porque é uma maneira do estado brasileiro reconhecer que há um problema na atuação das forças policiais e criar mecanismos de manutenção da cena do crime, investigação e punição para quem vier a cometer essas atrocidades”, justificou.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos autores do PL 4471/12, esclarece que a proposta é uma reivindicação histórica dos movimentos sociais que abala a tradição de impunidade da polícia. “O projeto discrimina minuciosamente como deve ser feita a perícia em caso de assassinatos cometidos por policiais, introduz o controle externo das investigações via Ministério Público e Defensoria e impede a presença de pessoas estranhas à corporação na cena dos crimes, como forma de dificultar a atuação de milícias e grupos paramilitares. É uma grande sinalização para uma mudança efetiva das polícias”, explica.
O parlamentar está confiante na aprovação da proposta, que não encontrou muita resistência durante a tramitação. GOG, que tem participado ativamente do corpo-a-corpo com os parlamentares, concorda. Segundo ele, só representantes diretos das corporações policiais se colocaram contrários e, mesmo assim, não de forma direta. “Nos máximo, esses parlamentares pedem mais discussões. Mas nós sabemos que, no Brasil, o racismo é velado, o que dificulta nossa avaliação da correlação de forças”, destaca.
A raiz do problema
Os ativistas admitem que a proposta não é suficiente para acabar com o genocídio negro em curso. Em São Paulo, onde a força dos movimentos sociais conseguiu recentemente abolir os registros de assassinatos via “autos de resistência”, os homicídios policiais caíram cerca de 40%, mas em compensação o número de “desaparecimentos” aumentou. Para GOG, a raiz do problema é o racismo velado que permeia as relações sociais brasileiras, que muitos sequer suspeitam que exista. “O opressor é fisiológico, muda com as circunstâncias. Por isso, a lei é importante, mas também precisamos mudar a cultura do país”.
O rapper avalia que o Brasil dos últimos anos construiu políticas públicas para a juventude negra, aprovou medidas afirmativas, sancionou o Estatuto da Juventude, mas, em contrapartida, nunca se matou tantos jovens negros no país. “O investimento em cultura e educação é essencial, porque a maioria dos brasileiros ainda sequer acredita que exista racismo no país”, desabafa.
Segundo ele, na própria mobilização pela aprovação da lei, há diversos artistas negros e negras, como Sandra de Sá e Negra Lee, não um nome do chamado primeiro escalão da indústria fonográfica, como o de Roberto Carlos. “Daí você já percebe a segmentação dos temas. Quando é, por exemplo, a PEC da Música, que reduz impostos, está todo mundo lá. Mas quando é uma discussão vital para a maior parte da população brasileira, você não tem a presença dessas pessoas. Muitas delas, infelizmente, acham que o Brasil vive uma democracia racial, Gilberto Freire ainda está na mente deles”, lamenta.
Severine Macedo concorda. “A morte dos milhares de jovens negros no Brasil não comove a sociedade como quando morre uma pessoa branca de uma área valorizada da cidade, a notícia vira manchete e as pessoas fazem marchas. A morte da juventude negra virou uma coisa banal. Há, inclusive, uma reprodução dessa lógica de violência simbólica na própria mídia, que trata esses crimes de maneira sensacionalista e com criminalização. O problema, portanto, é de toda a sociedade. É uma tarefa de todos. O governo não pode se furtar a fazer sua parte, mas nós queremos envolver cada vez mais o parlamento e a própria sociedade”, acrescenta.
Para participar da campanha pela aprovação do PL, acesse 24h de Blitz na Rede: Pelo fim dos “Autos de Resistência” – PL 4471/12
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