Alckmin, o diletante

Para que isolar os líderes do PCC se o governador paulista permite o ingresso de celulares nos presídios para monitorar as conversas?
por Wálter Maierovitch — publicado 21/10/2013

Marcelo Camargo/ABr
Alckmin
Alckmin repete nas mídias, com base em experiência italiana de sucesso no trato penitenciário com os chefões das quatro máfias, ser necessário isolar em presídios de segurança máxima os líderes do crime organizado

Conhecer o fenômeno representado pelo crime organizado é fundamental antes de legislar ou traçar políticas e estratégias para contrastá-lo. Pablo Escobar, o maior narcotraficante de cocaína de todos os tempos e chefão do colombiano e transnacional Cartel de Medellín, mandou fuzilar e matar o ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, e foi corresponsável pela eliminação, em ataque único, da metade dos
magistrados da Suprema Corte de Justiça colombiana. Salvatore Totò Riina, o chefe da Cosa Nostra siciliana, dinamitou, num arco de 49 dias, os magistrados italianos antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino. Somente após esses ataques as Nações Unidas começaram a se preocupar com a dimensão e a ousadia dessas organizações. E elas ­atuam sem limitação de fronteiras. Têm controle social e territorial, difundem o medo, movimentam fortunas pelos sistemas bancário e financeiro internacional atentam contra o Estado Democrático de Direito e as garantias fundamentais dos cidadãos.

Em novembro de 1994, a ONU promoveu, em Nápoles, a primeira Conferência Mundial sobre Crime Transnacional. Estavam presentes chefes de Estado, de governo e ministros de 140 dos 189 Estados membros das Nações Unidas. Do do­cumento de encerramento constou a ­recomendação para não se legislar ou executar medidas de contraste sem conhecimento do fenômeno.

Com diletantismo, o governador paulista Geraldo Alckmin fracassa no enfrentamento da organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), uma pré-máfia que completou, em julho deste ano, 20 anos de idade. A cada ano, ela se torna mais bem organizada, ousada e poderosa financeiramente. Fatura 120 milhões de reais por ano, segundo o Ministério Público Paulista. Não são necessários os cem olhos do mitológico príncipe de Argo, pintado em famosa tela de Velázquez exposta no madrilenho Museu do Prado, para se perceber a contradição na política e estratégia do governo Alckmin no combate ao PCC.

Alckmin repete nas mídias, com base em experiência italiana de sucesso no trato penitenciário com os chefões das quatro máfias peninsulares, ser necessário isolar em presídios de segurança máxima os líderes do crime organizado. Mas, em flagrante contradição lógica, o governador admite, nos presídios paulistas ditos de segurança máxima, o ingresso e o uso de telefones celulares. Isso abre canal para a crème de la crème da delinquência se comunicar com o exterior e governar o PCC a distância. Essa estratégia consiste em permitir o ingresso de celulares para a polícia colher informações por meio de grampos.

Alckmin ainda não se deu conta dessa contradição lógica de querer isolar sem impedir a comunicação mediante o uso de celulares. No popular, “enxuga-se  ­gelo”. Esse tipo de contradição os pretores romanos classificavam como contradictio in adiecto.

Na Itália, por emenda ao artigo 41 do Código Penitenciário, a nata da criminalidade é vigiada 24 horas por dia, em presídios especiais equipados com telecâmeras. Para se ter ideia, o mafioso Salvatore Lo Piccolo conseguiu, na Corte Suprema, uma ordem de retirada da câmera que captava imagens do banheiro da sua cela individual, com foco na privada. Nesses presídios, atuam a polícia ­penitenciária e o seu núcleo de inteligência. As visitas, com vidro blindado a separar nas interlocuções, e comunicação por microfone e equipamento individual de áudio, são vigiadas. Nos presídios não entram celulares e, em razão de bloqueadores de sinal, estes não funcionam.

A propósito de restrições, a Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu no sentido de um longo período de encarceramento, com as restrições voltadas a “desplugar” o mafioso da sua organização criminosa, o que não ofende os direitos fundamentais. Isso quando o encarcerado representa grave perigo à sociedade e ao Estado. Como frisou o juiz Roberto Scarpinato, magistrado responsável por vultoso desfalque ao patrimônio da Cosa Nostra siciliana, o chefão mafioso, no sistema de cárcere-duro e isolado, passa a ter a certeza de não mais ser “chefe de nada”.

Os narcodiálogos grampeados nos presídios de Alckmin não resultam em apreensões significativas e não geram desfalque substancioso no “banco central” do PCC. Não se deve esquecer a vocação do crime organizado de se infiltrar no poder e da sua atuação parasitária, a sugar recursos e a força do Estado.

Num pano rápido, com o diletantismo de Alckmin, em cujo governo já se afirmou ora estar o PCC extinto, ora estar reduzido a poucos membros, ajuda na expansão do PCC, que já colocou o governo de joelhos.




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