Alckmin amplia terceirização e entrega da saúde ao setor privado
JÚLIA MORAES/ FOLHAPRESS
Organizações sociais administram pelo menos 37 dos 80 hospitais públicos do estado
Governo de São Paulo adota modelo em que empresas administram as unidades e as OSs cuidam do atendimento médico
por Sarah Fernandes, da RBA
São Paulo – As primeiras parcerias público-privadas do governo do estado de São Paulo para a construção de três hospitais públicos – nas cidades de Sorocaba, São José dos Campos e na capital paulista –, anunciados pela Secretaria de Saúde no último dia 9, incluirão também a gestão dos serviços que não se relacionem com atendimento clínico incluindo, por exemplo, segurança e alimentação, como informou o secretário de estado da Saúde, David Uip. Já os serviços médicos ficarão a cargo de organizações sociais, atualmente responsáveis pela gestão de pelo menos 37 dos 80 hospitais públicos do estado.
A concorrência, de caráter internacional, prevê “a concessão administrativa para a construção, fornecimento de equipamentos, manutenção e gestão dos serviços não assistenciais em três complexos hospitalares”, segundo nota da Secretaria de Saúde. O gasto do governo paulista será de R$ 772,2 milhões, pagos em 30 meses, que inclui projeto, obra, compra de equipamentos médicos e mobiliários, instalação de tecnologia de informação, aquisição de instrumentação cirúrgica e transporte.
Segundo o órgão, a PPP, inédita no estado, será responsável por acrescentar 646 leitos na rede e aumentar em mil o número de atendimentos ambulatoriais por dia. “Teremos novas parcerias para expansão da rede, sempre que necessário”, afirma o coordenador no núcleo de Assuntos Jurídicos da Secretaria de Estado da Saúde, Reynaldo Mapaelli Junior.
“O governo de São Paulo, em várias áreas, tem feito uma série de parceiras público-privadas, afirma. “É uma tentativa de modernizar. Na prática você muitas vezes tem dificuldade em atender a população pelo sistema rigoroso da administração pública, que exige licitação e concurso, que são feitos, mas demoram.'
O promotor de Justiça de Direitos Humanos e Saúde do Ministério Público do Estado, Arthur Pinto Junior, afirmou que está estudando o edital e que, caso encontre alguma irregularidade solicitará alterações no documento. “O município, durante a gestão de Gilberto Kassab, tentou fazer uma PPP para construção de hospitais. A Justiça solicitou modificações no edital e acabou não havendo empresas interessadas no projeto.”
Movimentos sociais que militam por melhorias na saúde pública criticam o modelo. “Não interessa só o investimento para a construção. O custeio é muito mais caro. A PPP pode construir e depois explorar uma área física para sempre”, alerta a professora da faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lígia Bahia.
Ela lembra que, com as PPP, imprime-se uma lógica privada sobre um sistema público. “O modelo correto seria, inclusive, que a escolha da localização levasse em conta o que interessa à população e não às empreiteiras. Os materiais, se fossem investimentos públicos, também deveriam ter uma durabilidade maior. É outra racionalidade.”
O consultor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, Mário Scheffer, concorda. “Se analisarmos um grande hospital isolado é até possível mostrar que ele melhorou com a PPP. Mas nunca se pode ver só isso. É necessário avaliar as custas de quê melhorou. De muito investimento, que a administração direta nunca teve antes, feito de uma forma isolada? Isso tem efeitos muito ruins para a organização do sistema de saúde.”
A primeira PPP do país para construção de hospitais públicos foi em Salvador, no Hospital de Subúrbio, em 2010. A unidade, voltada para atendimentos de urgência e emergência, é operada pelo consórcio Prodal Saúde S.A e exigiu o investimento de R$ 54 milhões. A concessão administrativa, com duração de dez anos, inclui a compra de equipamentos e móveis e a contratação dos serviços médicos prestados.
“É uma parceria intransparente. Ninguém sabe como está. A empresa acabou administrando os recursos humanos do hospital”, denuncia Lígia. “O problema do Sistema Único de Saúde não é um problema de formato de gestão, é um problema político. Nós teremos um sistema universal ou vamos utilizar o SUS para realizar alianças com o setor privado? São duas políticas muito distintas e São Paulo, infelizmente, parece que esta adotando a segunda linha.”
Organizações sociais
Assim como na administração municipal de São Paulo, a gestão de equipamentos públicos de saúde por organizações sociais é uma realidade crescente no governo do estado.
Segundo Mapelli, os contratos se dão por um chamamento público de entidades qualificadas como organizações sociais, sendo que a vencedora assina um acordo de gestão com a Secretaria de Saúde. A partir daí, uma coordenação do órgão fica responsável por acompanhar a prestação de serviços, os gastos públicos e a regularidade da parceria.
“Quando você não tem anestesista, a OS consegue pagar mais e contratar o profissional. No sistema público não é possível porque o salário é X. E aí fica sem médico. Você pode abrir milhares de concursos que não vai preencher a vaga”, diz Mapelli.
Outra lógica
O promotor Arthur Pinto discorda. “O Tribunal de Contas do Estado fez uma comparação entre hospitais administrados por OSs e pelo poder público que mostrou que os geridos pelas organizações sociais gastam mais. E, de fato, não podem ser mais baratos por uma razão simples: eles pagam três ou quatro vezes mais ao médico que o governo. Além disso, compram sem licitação, que é mais caro, e cobram uma taxa administrativa”, diz.
“Se diz também que com as OSs vamos ter mais agilidade para contratar médicos. Não é verdade”, continua. “Nos hospitais faltam médicos, tanto nos de administração direta quanto nos de contrato de gestão. Também se diz que elas comprariam com mais eficiência sem licitação, mas verificamos que não faltam remédios em ambos.”
Segundo Ligia Bahia, da UFRJ, mais de 22 estados do país têm equipamentos de saúde administrados por OSs. “É uma resposta pragmática que tem atendido interesses de governadores e prefeitos, como uma alternativa para contornar a lei de responsabilidade fiscal, em esquemas de contratação e provimento de recursos humanos de uma maneira rápida”, diz. “É a lógica privada no setor público, completamente inadequada: eles querem bater meta com indicadores de produtividade e o que nós precisamos alcançar são metas sanitárias, como a redução da mortalidade infantil e materna.”
A RBA solicitou informações sobre a PPP e os contratos de gestão com organizações sociais e não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Organizações sociais administram pelo menos 37 dos 80 hospitais públicos do estado
Governo de São Paulo adota modelo em que empresas administram as unidades e as OSs cuidam do atendimento médico
por Sarah Fernandes, da RBA
São Paulo – As primeiras parcerias público-privadas do governo do estado de São Paulo para a construção de três hospitais públicos – nas cidades de Sorocaba, São José dos Campos e na capital paulista –, anunciados pela Secretaria de Saúde no último dia 9, incluirão também a gestão dos serviços que não se relacionem com atendimento clínico incluindo, por exemplo, segurança e alimentação, como informou o secretário de estado da Saúde, David Uip. Já os serviços médicos ficarão a cargo de organizações sociais, atualmente responsáveis pela gestão de pelo menos 37 dos 80 hospitais públicos do estado.
A concorrência, de caráter internacional, prevê “a concessão administrativa para a construção, fornecimento de equipamentos, manutenção e gestão dos serviços não assistenciais em três complexos hospitalares”, segundo nota da Secretaria de Saúde. O gasto do governo paulista será de R$ 772,2 milhões, pagos em 30 meses, que inclui projeto, obra, compra de equipamentos médicos e mobiliários, instalação de tecnologia de informação, aquisição de instrumentação cirúrgica e transporte.
Segundo o órgão, a PPP, inédita no estado, será responsável por acrescentar 646 leitos na rede e aumentar em mil o número de atendimentos ambulatoriais por dia. “Teremos novas parcerias para expansão da rede, sempre que necessário”, afirma o coordenador no núcleo de Assuntos Jurídicos da Secretaria de Estado da Saúde, Reynaldo Mapaelli Junior.
“O governo de São Paulo, em várias áreas, tem feito uma série de parceiras público-privadas, afirma. “É uma tentativa de modernizar. Na prática você muitas vezes tem dificuldade em atender a população pelo sistema rigoroso da administração pública, que exige licitação e concurso, que são feitos, mas demoram.'
O promotor de Justiça de Direitos Humanos e Saúde do Ministério Público do Estado, Arthur Pinto Junior, afirmou que está estudando o edital e que, caso encontre alguma irregularidade solicitará alterações no documento. “O município, durante a gestão de Gilberto Kassab, tentou fazer uma PPP para construção de hospitais. A Justiça solicitou modificações no edital e acabou não havendo empresas interessadas no projeto.”
Movimentos sociais que militam por melhorias na saúde pública criticam o modelo. “Não interessa só o investimento para a construção. O custeio é muito mais caro. A PPP pode construir e depois explorar uma área física para sempre”, alerta a professora da faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lígia Bahia.
Ela lembra que, com as PPP, imprime-se uma lógica privada sobre um sistema público. “O modelo correto seria, inclusive, que a escolha da localização levasse em conta o que interessa à população e não às empreiteiras. Os materiais, se fossem investimentos públicos, também deveriam ter uma durabilidade maior. É outra racionalidade.”
O consultor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, Mário Scheffer, concorda. “Se analisarmos um grande hospital isolado é até possível mostrar que ele melhorou com a PPP. Mas nunca se pode ver só isso. É necessário avaliar as custas de quê melhorou. De muito investimento, que a administração direta nunca teve antes, feito de uma forma isolada? Isso tem efeitos muito ruins para a organização do sistema de saúde.”
A primeira PPP do país para construção de hospitais públicos foi em Salvador, no Hospital de Subúrbio, em 2010. A unidade, voltada para atendimentos de urgência e emergência, é operada pelo consórcio Prodal Saúde S.A e exigiu o investimento de R$ 54 milhões. A concessão administrativa, com duração de dez anos, inclui a compra de equipamentos e móveis e a contratação dos serviços médicos prestados.
“É uma parceria intransparente. Ninguém sabe como está. A empresa acabou administrando os recursos humanos do hospital”, denuncia Lígia. “O problema do Sistema Único de Saúde não é um problema de formato de gestão, é um problema político. Nós teremos um sistema universal ou vamos utilizar o SUS para realizar alianças com o setor privado? São duas políticas muito distintas e São Paulo, infelizmente, parece que esta adotando a segunda linha.”
Organizações sociais
Assim como na administração municipal de São Paulo, a gestão de equipamentos públicos de saúde por organizações sociais é uma realidade crescente no governo do estado.
Segundo Mapelli, os contratos se dão por um chamamento público de entidades qualificadas como organizações sociais, sendo que a vencedora assina um acordo de gestão com a Secretaria de Saúde. A partir daí, uma coordenação do órgão fica responsável por acompanhar a prestação de serviços, os gastos públicos e a regularidade da parceria.
“Quando você não tem anestesista, a OS consegue pagar mais e contratar o profissional. No sistema público não é possível porque o salário é X. E aí fica sem médico. Você pode abrir milhares de concursos que não vai preencher a vaga”, diz Mapelli.
Outra lógica
O promotor Arthur Pinto discorda. “O Tribunal de Contas do Estado fez uma comparação entre hospitais administrados por OSs e pelo poder público que mostrou que os geridos pelas organizações sociais gastam mais. E, de fato, não podem ser mais baratos por uma razão simples: eles pagam três ou quatro vezes mais ao médico que o governo. Além disso, compram sem licitação, que é mais caro, e cobram uma taxa administrativa”, diz.
“Se diz também que com as OSs vamos ter mais agilidade para contratar médicos. Não é verdade”, continua. “Nos hospitais faltam médicos, tanto nos de administração direta quanto nos de contrato de gestão. Também se diz que elas comprariam com mais eficiência sem licitação, mas verificamos que não faltam remédios em ambos.”
Segundo Ligia Bahia, da UFRJ, mais de 22 estados do país têm equipamentos de saúde administrados por OSs. “É uma resposta pragmática que tem atendido interesses de governadores e prefeitos, como uma alternativa para contornar a lei de responsabilidade fiscal, em esquemas de contratação e provimento de recursos humanos de uma maneira rápida”, diz. “É a lógica privada no setor público, completamente inadequada: eles querem bater meta com indicadores de produtividade e o que nós precisamos alcançar são metas sanitárias, como a redução da mortalidade infantil e materna.”
A RBA solicitou informações sobre a PPP e os contratos de gestão com organizações sociais e não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
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