A oportunidade do pré-sal
Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES, diz que Brasil poderia se inspirar na Noruega nos anos 1970; E relativiza o noticiário econômico: "o destaque só é dado quando há um destaque negativo"
por Luiz Antonio Cintra
Adriana Lorete
Demian Fiocca: "Estamos em um crescimento moderado, mas não vejo crise, seja de balança de pagamentos ou de confiança"
Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o economista Demian Fiocca atua desde 2010 na Mare Investimentos, um fundo voltado para aplicar em empresas do setor de petróleo e gás natural. Na entrevista a seguir, Fiocca fala dos investimentos projetados no País a partir da exploração do pré-sal e comenta a conjuntura econômica.
Carta Capital: Após sua passagem pelo BNDES e um período sabático, o sr. criou a Mare. O que faz a empresa?
Demian Fiocca: A Mare é uma gestora de recursos voltada para a área técnica. Somos uma gestora de recursos voltada para private equity, com foco no investimento em empresas médias ou mesmo para alguns projetos, focada no setor de petróleo e gás. Vendo a grande oportunidade que se criou com o crescimento muito robusto no investimento de petróleo no Brasil, somadas ao fortalecimento da política que busca aproveitar essas reservas naturais para construir uma parcela importante do PIB no Brasil. A principal alavanca dessa política é a exigência de conteúdo local para os investimentos das petroleiras. A nossa estratégia é investir na cadeia de suprimentos que será desenvolvida no Brasil, que já existe, a partir da forte ampliação dos investimentos das companhias à luz da exploração offshore e do pré-sal. Já temos sob gestão cerca de 740 milhões de reais, captados junto a investidores institucionais brasileiros e a pessoas físicas, reunidos em um segundo fundo.
CC: O sr. pode dar um exemplo de investimento?
DF: Fizemos um primeiro investimento, em uma empresa que produz linhas flexíveis para ligar as plataformas flutuantes ao fundo dos oceanos e os poços entre eles. Parece algo simples, mas não é, é algo muito tecnológico porque precisa suportar pressão externa muito forte, corrosão, temperatura. O mercado mundial de linhas flexíveis é controlado apenas por três empresas: uma francesa, uma inglesa, comprada pela GE, e uma dinamarquesa de uma gigante em Houston. Depois de um longo período de avaliação da companhia, investimos o equivalente a 50% da companhia, a DeepFlex, o que permitirá a ela ter uma fábrica no Brasil. O controle é dividido, com uma maioria de brasileiros. Nosso objetivo é ser a quarta empresa e passar a ter produção nacional. E temos outros investimentos em fase avançada de negociação.
CC: Há um lobby contra o conteúdo local nos investimentos do pré-sal. Como o sr. vê esse tipo de pressão?
DF: Essa política tem sido aperfeiçoada ao longo do tempo. O atual estágio foi inspirado na experiência norueguesa, de grande sucesso. A Noruega descobriu grandes jazidas de petróleo na década de 1970, um período em que o mundo procurava saídas na dependência do Oriente Médio. O país virou um case e põe em prática a política de conteúdo local. Durante os primeiros anos de desenvolvimento do petróleo na Noruega, o investimento era mais caro do que nos outros lugares do mundo porque tinha de ser feito lá, mas o país estava em um momento da curva de aprendizado. Hoje a Noruega está entre os países mais competitivos no segmento de petróleo. Então essas políticas servem como um impulso para se superar a curva de aprendizado. Mas, uma vez que se desenvolve a indústria, não há razão para não se acreditar que o Brasil se tornará um dos países mais competitivos. Hoje a Noruega não só é competitiva, como tem 45 empresas na bolsa de valores do setor de petróleo, serviços, fornecedores e outros. O Brasil tem dois ou três só.
CC: Alguns meses atrás saiu uma capa da revista The Economist comparando o petróleo a um dinossauro, ou seja, como algo em vias de extinção.
DF: Não acredito muito nisso, especialmente quando vemos o nível de investimentos no setor de petróleo. A matriz energética mundial ainda é, grosso modo, baseada em cerca de 66% em petróleo e carvão, 10% elétrica, 10% biomassa, 10% nuclear. E uma porcentagem muito pequena das fontes alternativas, como geotérmica e solar. Essa divisão deveria ser repensada, inclusive porque a energia hidrelétrica realmente é uma energia limpa, sustentável e duradoura.
CC: Mas aí surgem os problemas ambientais, indígenas. E parece não haver uma opção boa.
DF: Pois é, há uma dificuldade colocada por uma visão parcial das coisas. Se a avaliação de qual estratégia seguir na área energética for feita a partir do que cada um não gosta, o resultado final não é satisfatório. Fazer mais reservatórios é algo que expande uma fonte renovável que não produz efeito-estufa. É algo economicamente muito bom porque o custo é baixo. E os conceitos de preservar, deixar intacta a vegetação ou de não deslocar uma comunidade que está ali precisam ser vistos com bom senso, à luz do interesse público e dessas minorias. Tudo é uma questão de proporção.
CC: Qual o horizonte dos investimentos para o pré-sal, estimados em 150 a 250 bilhões de dólares?
DF: Em ordem de grandeza, é coisa de 10 anos. Tem um período inicial, mais exploratório, depois tem um segundo período, mais desenvolvimento mesmo e que é o principal do investimento. E depois tem os investimentos adicionais. A indústria offshore é de alta tecnologia, portanto estamos falando de um desenvolvimento que traga tecnologia, desenvolvida nas empresas de petróleo e também a necessidade de uma cadeia de suprimentos de tecnologia, com conteúdo tecnológico. É um setor de recurso natural, mas é um setor avançado da indústria. Não é como algumas commodities, ela paga bons salários, desenvolve uma rede industrial e tem um grande impacto na economia sim.
CC: Nos últimos meses o noticiário anda muito negativo em relação à economia brasileira. O sr. está otimista?
DF: O Chico Lopes (ex-presidente do BC) fez um artigo interessante no Valor Econômico em que fala que estaríamos em um momento em que analistas e mesmos especialistas estariam envoltos no hábito de só prestar atenção às notícias que lhes interessam. Acho correta a análise. Temos visto uma economia com sinais mistos, mas o destaque só é dado quando há um destaque negativo. Outro aspecto: estamos em um crescimento moderado, mas não vejo crise, seja de balança de pagamentos ou de confiança.
CC: A conjuntura não o preocupa?
DF: Não vejo um problema conjuntural iminente. Acho que temos de desburocratizar a execução dos projetos em geral, de quase tudo. Temos esse problema no processo interno de decisão do Estado, e temos isso nos processos exigidos do setor privado para cumprir todas as normas, leis e requerimentos. O País está sendo travado por um excesso de burocracia. No entanto, me parece que o desenvolvimento natural das sociedades democráticas não é corrigir isso, mas agravar. Porque com a dinâmica da opinião pública, da mídia e da disputa política, a resultante vai sempre no sentido do que possa estar errado. É o desvio, o cartel, o desmando, em todas as áreas e em todos os matizes. A sociedade a isso é mais controle, mais fiscalização. Quando um procurador para uma obra, a mídia fala “olha que ótimo”. Não estou dizendo que não deva haver um equilíbrio entre cuidar do meio ambiente e do social, mas a tendência da sociedade não é ir ao bom senso, e a burocracia tende a ser cada vez maior, o que encarece os processos.
por Luiz Antonio Cintra
Adriana Lorete
Demian Fiocca: "Estamos em um crescimento moderado, mas não vejo crise, seja de balança de pagamentos ou de confiança"
Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o economista Demian Fiocca atua desde 2010 na Mare Investimentos, um fundo voltado para aplicar em empresas do setor de petróleo e gás natural. Na entrevista a seguir, Fiocca fala dos investimentos projetados no País a partir da exploração do pré-sal e comenta a conjuntura econômica.
Carta Capital: Após sua passagem pelo BNDES e um período sabático, o sr. criou a Mare. O que faz a empresa?
Demian Fiocca: A Mare é uma gestora de recursos voltada para a área técnica. Somos uma gestora de recursos voltada para private equity, com foco no investimento em empresas médias ou mesmo para alguns projetos, focada no setor de petróleo e gás. Vendo a grande oportunidade que se criou com o crescimento muito robusto no investimento de petróleo no Brasil, somadas ao fortalecimento da política que busca aproveitar essas reservas naturais para construir uma parcela importante do PIB no Brasil. A principal alavanca dessa política é a exigência de conteúdo local para os investimentos das petroleiras. A nossa estratégia é investir na cadeia de suprimentos que será desenvolvida no Brasil, que já existe, a partir da forte ampliação dos investimentos das companhias à luz da exploração offshore e do pré-sal. Já temos sob gestão cerca de 740 milhões de reais, captados junto a investidores institucionais brasileiros e a pessoas físicas, reunidos em um segundo fundo.
CC: O sr. pode dar um exemplo de investimento?
DF: Fizemos um primeiro investimento, em uma empresa que produz linhas flexíveis para ligar as plataformas flutuantes ao fundo dos oceanos e os poços entre eles. Parece algo simples, mas não é, é algo muito tecnológico porque precisa suportar pressão externa muito forte, corrosão, temperatura. O mercado mundial de linhas flexíveis é controlado apenas por três empresas: uma francesa, uma inglesa, comprada pela GE, e uma dinamarquesa de uma gigante em Houston. Depois de um longo período de avaliação da companhia, investimos o equivalente a 50% da companhia, a DeepFlex, o que permitirá a ela ter uma fábrica no Brasil. O controle é dividido, com uma maioria de brasileiros. Nosso objetivo é ser a quarta empresa e passar a ter produção nacional. E temos outros investimentos em fase avançada de negociação.
CC: Há um lobby contra o conteúdo local nos investimentos do pré-sal. Como o sr. vê esse tipo de pressão?
DF: Essa política tem sido aperfeiçoada ao longo do tempo. O atual estágio foi inspirado na experiência norueguesa, de grande sucesso. A Noruega descobriu grandes jazidas de petróleo na década de 1970, um período em que o mundo procurava saídas na dependência do Oriente Médio. O país virou um case e põe em prática a política de conteúdo local. Durante os primeiros anos de desenvolvimento do petróleo na Noruega, o investimento era mais caro do que nos outros lugares do mundo porque tinha de ser feito lá, mas o país estava em um momento da curva de aprendizado. Hoje a Noruega está entre os países mais competitivos no segmento de petróleo. Então essas políticas servem como um impulso para se superar a curva de aprendizado. Mas, uma vez que se desenvolve a indústria, não há razão para não se acreditar que o Brasil se tornará um dos países mais competitivos. Hoje a Noruega não só é competitiva, como tem 45 empresas na bolsa de valores do setor de petróleo, serviços, fornecedores e outros. O Brasil tem dois ou três só.
CC: Alguns meses atrás saiu uma capa da revista The Economist comparando o petróleo a um dinossauro, ou seja, como algo em vias de extinção.
DF: Não acredito muito nisso, especialmente quando vemos o nível de investimentos no setor de petróleo. A matriz energética mundial ainda é, grosso modo, baseada em cerca de 66% em petróleo e carvão, 10% elétrica, 10% biomassa, 10% nuclear. E uma porcentagem muito pequena das fontes alternativas, como geotérmica e solar. Essa divisão deveria ser repensada, inclusive porque a energia hidrelétrica realmente é uma energia limpa, sustentável e duradoura.
CC: Mas aí surgem os problemas ambientais, indígenas. E parece não haver uma opção boa.
DF: Pois é, há uma dificuldade colocada por uma visão parcial das coisas. Se a avaliação de qual estratégia seguir na área energética for feita a partir do que cada um não gosta, o resultado final não é satisfatório. Fazer mais reservatórios é algo que expande uma fonte renovável que não produz efeito-estufa. É algo economicamente muito bom porque o custo é baixo. E os conceitos de preservar, deixar intacta a vegetação ou de não deslocar uma comunidade que está ali precisam ser vistos com bom senso, à luz do interesse público e dessas minorias. Tudo é uma questão de proporção.
CC: Qual o horizonte dos investimentos para o pré-sal, estimados em 150 a 250 bilhões de dólares?
DF: Em ordem de grandeza, é coisa de 10 anos. Tem um período inicial, mais exploratório, depois tem um segundo período, mais desenvolvimento mesmo e que é o principal do investimento. E depois tem os investimentos adicionais. A indústria offshore é de alta tecnologia, portanto estamos falando de um desenvolvimento que traga tecnologia, desenvolvida nas empresas de petróleo e também a necessidade de uma cadeia de suprimentos de tecnologia, com conteúdo tecnológico. É um setor de recurso natural, mas é um setor avançado da indústria. Não é como algumas commodities, ela paga bons salários, desenvolve uma rede industrial e tem um grande impacto na economia sim.
CC: Nos últimos meses o noticiário anda muito negativo em relação à economia brasileira. O sr. está otimista?
DF: O Chico Lopes (ex-presidente do BC) fez um artigo interessante no Valor Econômico em que fala que estaríamos em um momento em que analistas e mesmos especialistas estariam envoltos no hábito de só prestar atenção às notícias que lhes interessam. Acho correta a análise. Temos visto uma economia com sinais mistos, mas o destaque só é dado quando há um destaque negativo. Outro aspecto: estamos em um crescimento moderado, mas não vejo crise, seja de balança de pagamentos ou de confiança.
CC: A conjuntura não o preocupa?
DF: Não vejo um problema conjuntural iminente. Acho que temos de desburocratizar a execução dos projetos em geral, de quase tudo. Temos esse problema no processo interno de decisão do Estado, e temos isso nos processos exigidos do setor privado para cumprir todas as normas, leis e requerimentos. O País está sendo travado por um excesso de burocracia. No entanto, me parece que o desenvolvimento natural das sociedades democráticas não é corrigir isso, mas agravar. Porque com a dinâmica da opinião pública, da mídia e da disputa política, a resultante vai sempre no sentido do que possa estar errado. É o desvio, o cartel, o desmando, em todas as áreas e em todos os matizes. A sociedade a isso é mais controle, mais fiscalização. Quando um procurador para uma obra, a mídia fala “olha que ótimo”. Não estou dizendo que não deva haver um equilíbrio entre cuidar do meio ambiente e do social, mas a tendência da sociedade não é ir ao bom senso, e a burocracia tende a ser cada vez maior, o que encarece os processos.
Comentários