Trégua: o que fazer com ela?

Governo e forças progressistas respiram nesse momento o ar fresco que sopra da janela aberta no front interno e externo.

Depois de meses em que a iniciativa política coube à maré antagônica, o mando do jogo mudou de mão e favorece o governo.

Sinais : o recuo da inflação; o ‘Mais Médicos’ ; o esgotamento midiático do ‘mensalão’ (sem produzir, por ora, o emblema das prisões cinematográficas) ; a resposta soberana à espionagem da CIA; a sustentação dos níveis de consumo, emprego e renda – um naufrágio previsto diariamente pelas editorias de renda fixa e rentismo em geral; e a reviravolta no calendário do Fed.

O BC dos EUA decidiu azedar de vez a 4ª feira do conservadorismo brasileiro. Depois do voto de Celso de Mello, no STF, Ben Bernank anunciou que o horizonte dos incentivos à liquidez nos EUA foram dilatadas sem prazo de reversão, desanuviando a pressão cambial sobre as contas externas e a inflação.



Seria injusto dizer que o conjunto é obra exclusiva do acaso.

Mas tampouco é justo atribuí-lo a uma sólida capacidade de resposta da agenda progressista.

Ao lado de trunfos encorajadores, persistem lacunas preocupantes.

A de natureza política mais geral resume todas as demais.

O novo ciclo de políticas de crescimento e convergência da riqueza, requerido pela sociedade, exige decisões que talvez não caibam no espaço quase ornamental reservado à mobilização progressista, dentro do bloco de alianças do PT.

De forma mais direta: a institucionalidade que sustenta o projeto do partido hoje está em desacordo com as tarefas que o sustentariam amanhã.

É preciso dizer que no polo oposto o quadro tampouco é confortável.

A verdade é que as mobilizações de junho emitiram recados, alguns de inegável cabimento.

Mas as ruas não designaram nenhum protagonista novo capaz de transformar esses sinais em um projeto rival ao do governo.

A sociedade exige políticas públicas que tratem o estrutural e o emergencial ao mesmo tempo e com igual intensidade. O sucesso do ‘Mais Médicos’ responde a isso. A receptividade aos corredores exclusivos de ônibus em São Paulo, idem.

Em que arcabouço esses saltos pontuais ganham nervos e musculatura de uma nova dinâmica de desenvolvimento?

Seria a reforma universitária, por exemplo, a contrapartida estrutural de uma nova família de políticas públicas inspirada no ‘Mais Médicos’?

Não se trata de debate acadêmico.

Nem é suficiente remeter as omissões a uma panaceia do discurso ornamental: a ‘radicalização da democracia participativa’.

O que quer que isso possa significar desemboca em um vazio estratégico, se desprovido dos pilares intermediários para atravessá-lo .

O vácuo favorece o outro lado.

O oportunismo midiático, ao mesmo tempo em que vitamina a insatisfação, adicionando-lhe ingredientes regressivos, a exemplo do ódio à política e aos partidos (os de esquerda, em especial), aniquila tudo o que floresce à margem da pauta monotemática, que vocaliza diuturnamente.

Qual seja, destruir o PT. E restituir o Estado à tutela tucana e assemelhada.

A matraca contagia as parcelas receptivas da sociedade, mas não organiza um novo projeto de futuro.

A redundância não é inócua.

Ela imobiliza o conservadorismo no golpismo renitente.

E acomoda perigosamente o governo.

O vácuo de hoje pode não se repetir amanhã: outsiders que gravitam na órbita conservadora tateiam uma forma de preenchê-lo.

Desnecessário citar nomes.

Suficiente é dizer que rótulos novos tentam vender um conteúdo velho: a terceira via.

O sortido estoque já produziu um Presidente caçador de marajás.

Por que não produziria um ‘Capriles Nieto’ disposto a ‘ fazer ‘mais com menos’? Ou a versão disso e tom verde?

O desenlace vai depender muito da forma como o PT , o governo e as forças progressistas decidirem explorar a janela aberta pela conjunção de ventos favoráveis que sopram a sua vela atualmente.

A corrida eleitoral adiciona aos alísios um espaço de ruptura com grilhões de uma governabilidade que, frequentemente, subjuga governos, partidos e projetos em um círculo vicioso de prostração política acanhamento estratégico.

Desde 2002, o PT se convenceu de que não governaria sem uma aliança com o PMDB, que lhe desse estabilidade e maioria legislativa.

A história mostrou que estava certo no diagnóstico eleitoral.

Dentro e fora do partido, porém, acumulam-se evidencias arguições que sugerem ter se esgotado esse ciclo.

A questão não envolve apenas uma renovação de nomes, siglas ou rostos aliados.

É mais complicado .

O que está em debate é o método de governo. E a ferramentaria de governabilidade correspondente.

É possível governar para além do limite programático do PMDB, sem a mobilização democrática da sociedade?

Sem uma estrutura de mídia ecumênica, que supere o veto hoje imposto ao debate e às reformas requeridas ao passo seguinte do desenvolvimento?

Para além do aparente labirinto há escolhas a fazer.

A primeira: decidir como se pretende desfrutar a sobrevida da liquidez mundial, sinalizada pelo anúncio do Fed, na 4ª feira.

Com mais do mesmo? Consumindo a ‘folga’ com importações baratas que acalmam a inflação, sucateiam o parque fabril e embalam a classe média em tours à Miami?

Em segundo lugar: como se pretende conduzir a campanha eleitoral de 2014? Como um evento publicitário, a exemplo do que se fez nas últimas?

Ou requalificá-la como um espaço de mobilização, debate e pactuação de diretrizes para a nova institucionalidade que o avanço do desenvolvimento brasileiro requer?

A ver.

Postado por Saul Leblon às 19:39

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