Dois dias antes de uma jornada de “jejum e oração” pela paz, o Papa escreveu a Vladimir Putin, Presidente russo e anfitrião da cimeira do G20, pedindo aos líderes mundiais que desistam da “fútil perseguição de uma solução militar” para a guerra na Síria. A carta faz parte de uma mobilização diplomática sem precedentes no Vaticano desde que, em 2003, João Paulo II se opôs à guerra lançada por George W. Bush no Iraque.
“É lamentável que, desde o início do conflito na Síria, tenham prevalecido os interesses de cada um, o que de facto obstruiu a busca de uma solução que poderia ter evitado o massacre que agora se desenrola”, escreve o Papa, num recado às partes em conflito e às potências que têm sido incapazes de se entender para desbloquear a acção das Nações Unidas. Mas ao contrário dos que defendem que o regime sírio deve ser punido, Francisco espera que o horror de 21 de Agosto incentive os líderes reunidos do G20 a “procurar, com coragem e determinação, uma solução pacífica através do diálogo”.
A carta é a última de várias tomadas de posição do Papa desde que na oração do Angelus disse que “nunca o uso da violência trouxe paz”. Na terça-feira usou a sua conta no Twitter para pedir ao mundo que se mobilize em defesa da paz e na audiência semanal das quartas-feiras desafiou os romanos a participarem em massa à vigília pela paz a que ele presidirá na Praça de São Pedro, ao final da tarde de sábado.
Mobilização de crentes e ateus
Com uma duração de quatro horas, será uma das mais longas cerimónias da história recente do Vaticano e representará o ponto alto de um dia inédito de “jejum e oração”. O “convite” feito por Francisco está a mobilizar católicos de todo o mundo, mas também líderes de outras igrejas e religiões — a imprensa italiana afirma que o grande mufti da Síria, líder dos sunitas sírios, disse que gostaria de estar presente na vigília — e mesmo figuras distantes do Vaticano, como Emma Bonino, chefe da diplomacia italiana e ateia convicta.
O jornal Osservatore Romano noticiou que a diplomacia vaticana accionou todos os canais, “com todos os instrumentos possíveis”, para fazer chegar o mais longe possível o apelo do Papa e multiplicaram-se as declarações de figuras que lhe são próximas, como foi o caso do Superior Geral dos Jesuítas, a companhia de origem de Francisco, que quebrou a reserva habitual para dizer que uma ofensiva contra a Síria à margem da ONU “seria totalmente inaceitável” e “um abuso de poder”.
“É o regresso da política externa à Santa Sé”, depois de o Vaticano “ter desaparecido da cena internacional” durante o pontificado de Bento XVI, disse à AFP o vaticanista Marco Politi, explicando que este regresso é também visível na recente nomeação de Pietro Parolin, um diplomata aguerrido, para o cargo de secretário de Estado. O jornalista do Il Fatto Quotidiano acrescenta que a “ofensiva” ganha ainda mais relevo por coincidir com o “décimo aniversário da vitória moral” de João Paulo II sobre a lógica bélica de George W. Bush.
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