O jogo até 4a. feira
As pressões contra o Supremo vêm de um circo produzido por veículos que abandonaram os princípios do jornalismo
A manobra protelatória que permitiu o encerramento da sessão de quinta-feira sem o voto decisivo de Celso de Mello foi um aperitivo do que virá por aí. Os pronunciamentos chegaram a ser arrogantes. O esforço para ganhar tempo de forma bisonha, teatral, foi ofensivo num tribunal onde a denuncia de chicanas é feita com tanta facilidade.
Confesso que fiquei perplexo ao assistir Marco Aurélio Mello virar-se para Celso de Mello e fazer uma advertência nestes termos:
“Estamos a um voto. Que responsabilidade, hein, ministro Celso de Mello.”
É ofensivo. Parece um professor dirigindo-se a um discípulo.
Parece que a responsabilidade de Celso de Mello não é idêntica a de cada um dos onze ministros que tomaram a decisão.
Para empregar uma imagem: ele vai dar um voto. Não vai cobrar um pênalti.
O esforço para colocar a decisão sobre os ombros do decano é apenas uma tentativa de diminuir a firmeza de suas convicções.
O que se pretende é acovardar Celso de Mello diante de um voto que é tão legítimo como o de todos os outros.
Sua travessia até quarta-feira será longa. Não consigo imaginar as pressões que irá receber durante cinco dias para recuar, deixar de lado o que escreveu, negar aquilo em que acreditou.
Até porque contraria o senso comum, aquela verdade dos donos da verdade, aquela mentira que tantas vezes repetida deixa de provocar estranhamento, é um voto com um valor especial.
Isaiah Berlim, um dos pensadores mais argutos do século XX, dizia quem os bons princípios são aqueles que contrariam nossos interesses.
Um dos mais duros adversários de José Dirceu e do governo Lula, capaz de criticá-los com palavras que considero erradas e injustas, Celso de Mello está mostrando que é preciso separar os princípios do Direito das convicções políticas.
Nada fará para dar conforto a seus adversários políticos.
É muito provável que, com a aprovação dos embargos infringentes, o ministro se recuse a votar pela inocência de José Dirceu.
Ele concorda com a noção de que o governo do PT abrigou uma organização criminosa.
A discussão não é esta, no entanto. O decano sabe disso.
Não deixará de dar um voto que considera correto só porque eles poderão beneficiar-se dessa decisão.
Essa foi a mensagem que deixou, ao lembrar que os interessados em adivinhar seu voto só precisam ler sua declaração de 2 de agosto de 2012. Há pouco mais de um ano, através de seus advogados, Celso de Mello disse aos réus da ação penal que eles teriam direito aos embargos infringentes – que iriam funcionar como um indispensável segundo grau de jurisdição para quem fora impedido de um julgamento na primeira instância.
Sua postura, assim, é uma forma de ser leal a si próprio – e a todos que deram fé a suas palavras.
Num Supremo politizado, que transformou convicções políticas em sentenças jurídicas, essa postura serve como uma aula sobre a necessidade de recuperar a Justiça como uma força que permite a comunhão de todos os homens.
É dessa forma que um ministro afirma valores. Tantas vezes mencionado por Celso de Mello no julgamento da ação penal, o ministro do STF Aliomar Baleeiro era um udenista convicto e um conservador sem retoques. Mesmo assim, foi capaz de defender os direitos de frades franciscanos acusados de participar da luta armada sob orientação de Carlos Marighella, mandando tirá-los da cadeia onde o regime mantinha trancafiados. Baleeiro demonstrou coragem num tempo em que a maior ameaça ao bom Direito vinha do Estado, da ditadura.
Os tempos são outros e muitas verdades mudaram. Não há por que comparar personagens, nem situações.
As pressões contra o Supremo vêm de um circo produzido por aqueles veículos de comunicação que abandonaram os bons princípios do jornalismo – pluralidade, isenção, respeito aos fatos – para organizar um espetáculo que deve ser unilateral como um anuncio de sabonete, definitivo como um pelotão de fuzilamento, catártico como um final feliz de novela.
Daí a importância de uma declaração de Luiz Roberto Barroso, ao dizer que não toma decisões pensando na “manchete do dia seguinte.”
Ao tentar impedir o ministro de votar conforme sua consciência, seus adversários querem travar uma luta que ao longo da história só engradeceu juízes, advogados e cidadãos comuns –- o direito de todos e de cada um a uma defesa ampla, a defender sua inocência até que se prove o contrário. É isso, e tudo isso, que está em jogo no STF.
A manobra protelatória que permitiu o encerramento da sessão de quinta-feira sem o voto decisivo de Celso de Mello foi um aperitivo do que virá por aí. Os pronunciamentos chegaram a ser arrogantes. O esforço para ganhar tempo de forma bisonha, teatral, foi ofensivo num tribunal onde a denuncia de chicanas é feita com tanta facilidade.
Confesso que fiquei perplexo ao assistir Marco Aurélio Mello virar-se para Celso de Mello e fazer uma advertência nestes termos:
“Estamos a um voto. Que responsabilidade, hein, ministro Celso de Mello.”
É ofensivo. Parece um professor dirigindo-se a um discípulo.
Parece que a responsabilidade de Celso de Mello não é idêntica a de cada um dos onze ministros que tomaram a decisão.
Para empregar uma imagem: ele vai dar um voto. Não vai cobrar um pênalti.
O esforço para colocar a decisão sobre os ombros do decano é apenas uma tentativa de diminuir a firmeza de suas convicções.
O que se pretende é acovardar Celso de Mello diante de um voto que é tão legítimo como o de todos os outros.
Sua travessia até quarta-feira será longa. Não consigo imaginar as pressões que irá receber durante cinco dias para recuar, deixar de lado o que escreveu, negar aquilo em que acreditou.
Até porque contraria o senso comum, aquela verdade dos donos da verdade, aquela mentira que tantas vezes repetida deixa de provocar estranhamento, é um voto com um valor especial.
Isaiah Berlim, um dos pensadores mais argutos do século XX, dizia quem os bons princípios são aqueles que contrariam nossos interesses.
Um dos mais duros adversários de José Dirceu e do governo Lula, capaz de criticá-los com palavras que considero erradas e injustas, Celso de Mello está mostrando que é preciso separar os princípios do Direito das convicções políticas.
Nada fará para dar conforto a seus adversários políticos.
É muito provável que, com a aprovação dos embargos infringentes, o ministro se recuse a votar pela inocência de José Dirceu.
Ele concorda com a noção de que o governo do PT abrigou uma organização criminosa.
A discussão não é esta, no entanto. O decano sabe disso.
Não deixará de dar um voto que considera correto só porque eles poderão beneficiar-se dessa decisão.
Essa foi a mensagem que deixou, ao lembrar que os interessados em adivinhar seu voto só precisam ler sua declaração de 2 de agosto de 2012. Há pouco mais de um ano, através de seus advogados, Celso de Mello disse aos réus da ação penal que eles teriam direito aos embargos infringentes – que iriam funcionar como um indispensável segundo grau de jurisdição para quem fora impedido de um julgamento na primeira instância.
Sua postura, assim, é uma forma de ser leal a si próprio – e a todos que deram fé a suas palavras.
Num Supremo politizado, que transformou convicções políticas em sentenças jurídicas, essa postura serve como uma aula sobre a necessidade de recuperar a Justiça como uma força que permite a comunhão de todos os homens.
É dessa forma que um ministro afirma valores. Tantas vezes mencionado por Celso de Mello no julgamento da ação penal, o ministro do STF Aliomar Baleeiro era um udenista convicto e um conservador sem retoques. Mesmo assim, foi capaz de defender os direitos de frades franciscanos acusados de participar da luta armada sob orientação de Carlos Marighella, mandando tirá-los da cadeia onde o regime mantinha trancafiados. Baleeiro demonstrou coragem num tempo em que a maior ameaça ao bom Direito vinha do Estado, da ditadura.
Os tempos são outros e muitas verdades mudaram. Não há por que comparar personagens, nem situações.
As pressões contra o Supremo vêm de um circo produzido por aqueles veículos de comunicação que abandonaram os bons princípios do jornalismo – pluralidade, isenção, respeito aos fatos – para organizar um espetáculo que deve ser unilateral como um anuncio de sabonete, definitivo como um pelotão de fuzilamento, catártico como um final feliz de novela.
Daí a importância de uma declaração de Luiz Roberto Barroso, ao dizer que não toma decisões pensando na “manchete do dia seguinte.”
Ao tentar impedir o ministro de votar conforme sua consciência, seus adversários querem travar uma luta que ao longo da história só engradeceu juízes, advogados e cidadãos comuns –- o direito de todos e de cada um a uma defesa ampla, a defender sua inocência até que se prove o contrário. É isso, e tudo isso, que está em jogo no STF.
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