Merkel exige dos vizinhos o que não faz na Alemanha

Com todas as adaptações necessárias, mais do que uma suposta vitória ideológica, funcionou na Alemanha a regra de James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton autor da fórmula "é a economia, estúpido!"

A reeleição de Angela Merkel contém menos mistérios do que parece.

Capaz de submeter a maioria dos países europeus a um regime de austeridade brutal, seu governo segue a típica receita de quem não faz, na Alemanha, aquilo que exige dos outros. Em vez de recessão, desemprego e redução nos investimentos, sua  política econômica assegura um patamar razoável de crescimento.

Para ficar no dado essencial. O desemprego alemão, por exemplo, se encontra abaixo de 6%, contra o dobro e até o triplo à sua volta.

Não surpreende, portanto, que ela tenha renovado o mandato pela terceira vez, no mesmo período em que 10 dos 17 governos europeus foram jogados ao chão pelo apocalipse econômico.

Com todas as adaptações necessárias, mais do que uma suposta vitória ideológica, funcionou na Alemanha a regra de James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton autor da fórmula “é a economia, estúpido!”

Apesar do esforço conservador para celebrar o nascimento de uma liderança que não possuía desde os tempos de Margareth Thatcher, o país está mais dividido do que parece. Num regime parlamentarista, a oposição – formada por socialdemocratas (25% dos votos), antigos comunistas e verdes (8,6 e 8,4%) – terá 319 cadeiras, contra 311 para a coalizão de Merkel. Para garantir um papel determinante a seu partido, Merkel sacrificou uma sigla de centro-direita, incapaz de atingir o mínimo de votos necessários para ter lugar no Parlamento. Para governar, terá de chamar aliados que se colocam como oposição a seu governo.

Do ponto de vista da crise europeia, precipício que ameaça devorar grande parte da riqueza da humanidade inteira, a vitória de Merkel é uma notícia preocupante. Sua política de austeridade externa fica fortalecida, perspectiva que impede qualquer possibilidade de retomada do crescimento no continente, que hospeda o maior PIB do mundo.

O partido dos eurocéticos, favorável a expulsão de Portugal, Espanha e Grécia da União Europeia, pois considera que mesmo o regime de austeridade a que foram submetidos já é generoso demais, registrou um crescimento notável nas eleições. Faltaram-lhe apenas 0,3% dos votos para conseguir uma cadeira no parlamento, o melhor desempenho até agora.

Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

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