Apareceu a turma do quanto pior melhor

A mobilização contra a confirmação dos embargos infringentes, garantia democrática que a Câmara dos Deputados fez questão de manter na nossa legislação em 1998, envolve personagens inesperados.

Não há nada de novo na mobilização dos conservadores. A novidade é reparar que essa mobilização contra os infringentes começa a ganhar adesão em fileiras que deveriam ocupar-se da resistência ao ataque a uma garantia que representa a última possibilidade de se corrigir determinados erros da ação penal 470.

O argumento é um típico produto da escola do quanto pior, melhor – no lombo dos outros, de preferência.

Diz-se que o julgamento foi uma tragédia completa e que todo esforço para corrigir uma falha, qualquer que seja, só irá atrapalhar a denúncia – necessária – de que a ação penal foi submetida a um julgamento puramente político.


Este niilismo erudito pode estar inspirado por grandes intenções teóricas e em alta sociologia da sociedade do espetáculo, mas, na prática, só facilita o trabalho de quem quer impor uma derrota sem apelação aos condenados. Do ponto de vista político e, na visão de muitas pessoas, seria a prova definitiva de que eles não têm e nunca tiveram argumentos consistentes para contestar a acusação.

É como um cidadão que assiste aos preparativos de um crime na casa do vizinho e nada faz para tentar impedir que seja cometido. Fica de braços cruzados enquanto elabora mentalmente “argumentos excelentes” para fazer uma boa denúncia mais tarde – quando a cena estiver repleta de mortos e feridos.

No tempo em que se lutava contra a ditadura, havia quem dissesse que a denúncia dos direitos humanos não resolveria nada e que a Constituinte seria uma “farsa liberal”, pois só iria reforçar ilusões na “democracia burguesa”. Imagine quem adorava estes argumentos.

Os embargos podem, sim, beneficiar os condenados e é só por isso que Celso de Mello será pressionado e atacado em graus crescentes de agressividade e covardia até quarta-feira. Imagine as pesquisas de opinião que nos aguardam. Os shows. As cascas de banana e armadilhas.

Imagine quantos bons empregos após a aposentadoria serão oferecidos. Quantos poderão ser retirados. Quantos cursos, quantas palestras.

É assim, meus amigos.

O problema é que a lei está ao lado dos condenados e desta vez não será tão fácil impedir que ela gere benefícios reais. O fato de a Câmara ter rejeitado uma tentativa do governo Fernando Henrique Cardoso, no tempo em que Gilmar Mendes ocupava-se de assuntos jurídicos na Casa Civil, para eliminar os embargos reforça seu significado político. Não é uma omissão, uma sobrevivência por engano, um descuido político. É uma decisão.

O empate de 5 a 5 na semana passada, e uma eventual vitória de 6 a 5, nesta quarta-feira, podem trazer uma conquista irreversível, ainda que parcial.

Quem ainda tem curiosidade sobre o caso, quem desconfia dessas verdades tão grandiosas, dessas unanimidades tão burras, como dizia Nelson Rodrigues, terá a chance de uma reflexão melhor. Os condenados terão um novo discurso, um apoio para discutir a situação de um ponto de vista menos hostil.

Uma nova derrota, acachapante, só irá reforçar o discurso de quem quer usar o julgamento para criminalizar as forças que governam o país desde 2003, com resultados indiscutíveis na distribuição de renda e luta contra a desigualdade.

Há um aspecto moral, ainda. É absurdo deixar as vítimas de uma injustiça tremenda entregues à própria sorte. Se não há razão para otimismos exagerados, é bom olhar as perspectivas com conhecimento de causa.

Vamos ficar no caso mais importante, o crime de formação de quadrilha. Para quem não sabe, vários réus foram condenados com base em indícios tão fracos, tão pouco convincentes, que tiveram 4 votos favoráveis no final de 2012.

Mesmo naquele ambiente, sob muita pressão, só precisariam de um voto a mais, apenas um!, para serem absolvidos. O que isso demonstra?

Que, ao menos neste caso, a denúncia trouxe falhas imensas e não conseguiu sustentar seu ponto como deveria. Por trás das caretas, dos gritos, das frases indignadas, não havia muita coisa.

Por essa razão, cabe à Justiça, com toda humildade, submeter-se à lei que assegura que é preciso, neste caso, oferecer uma segunda chance aos réus. Quem conseguir demonstrar sua inocência deve ser inocentado deste crime.

Pelas regras dos embargos, os ministros devem se pronunciar sobre o único pedindo em pauta, que pede redução de penas e absolvição. Não há precedente, num caso deste, em que um ministro eleve a pena que deu anteriormente.  Nem lhe cabe transformar uma absolvição em condenação.

Mesmo que Celso de Mello, depois de aprovar os embargos, faça os discursos mais duros contra os réus na hora de julgar os recursos de cada um -- e é muito provável que venha a agir assim, por convicção e coerência --, isso não fará a menor diferença.

Celso de Mello já votou contra os condenados em 2012. Fazendo o mesmo agora, sua decisão não vai alterar o saldo final. O problema é saber se terá a companhia de outros cinco votos para garantir a maioria de seis que se obteve no ano passado.

Na fase de embargos, cabe a cada ministro aceitar – ou não – os pedidos dos condenados. As chances de uma mudança no placar nem de longe são garantidas, mas são possíveis. É só ter 1% de sensibilidade política no cérebro para constatar que, felizmente, não há mais no Supremo um ambiente de alinhamento automático com a acusação.

Os ministros vão votar de acordo com os condenados, depois que os embargos forem aprovados? Votarão contra? Ninguém sabe.

Cada um pode dar seu palpite. A especulação é livre.

Mas quem entregou o ouro antes da hora nunca ajudou a erguer um único tijolo de nossa democracia.  

Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

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