A Globo queria o monopólio

O editorial que parece indicar arrependimento por ter apoiado o golpe de 64 não convence, porque não prova a conversão à democracia
por Mauricio Dias — publicado 07/09/2013 10:09

Jornal

A imprensa nativa não gosta de debater o jornalismo brasileiro, e há mesmo “certa resistência da parte dos jornalistas em admitir a legitimidade da análise de mídia”.

Essa constatação é do conceituado cientista político Marcus Figueiredo (Iesp-Uerj), após analisar a cobertura dos principais jornais do País sobre as eleições presidenciais e colher forte oposição ao trabalho, com o qual mostra o tratamento negativo dado a Lula em benefício dos opositores.



O diagnóstico de Figueiredo casa com a declaração de Joaquim Barbosa, em San José da Costa Rica: “O Brasil tem hoje três principais jornais nacionais impressos, todos mais ou menos inclinados para a direita”, explicou o presidente do Supremo. Nesse caso, nada mais natural que, em 1964, todos eles tenham aderido ao golpe contra o presidente João Goulart.

O Globo, quase 50 anos depois, parece incomodado por ter “confundido” o golpe que acabou com a democracia com “revolução”, como trombeteava em manchete. À qual traria a democracia de volta.

“Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: ‘A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura’. De fato, trata-se de uma verdade e, também de fato, de uma verdade dura”, diz o jornal com essa espécie de autopenitência.

O texto esconde muitas verdades. Uma delas, a mais dura: apoio à ditadura significa apoio à tortura. Mas por esse “pequeno” sacrifício a empresa foi recompensada. Sob a ditadura, o Sistema Globo tornou-se um império: televisão, rádio, jornais, revistas etc. Há um relato de como os aliados obtinham vantagens materiais. Está registrado no livro Dossiê Geisel (FGV), organizado por Celso Castro e Maria Celina D’Araujo. Eis um caso essencial para a compreensão da aliança civil-militar:

“A concessão de um canal de televisão para João Pessoa teve quatro candidatos e um deles era a Rede Globo. O ministro (Euclides Quandt de Oliveira) mostrou-se contrário à outorga à TV Globo, porque isso significaria aumentar o monopólio da emissora”.

“O ministro expôs sua política em relação à radiodifusão (...) Devia-se procurar certo equilíbrio entre duas ou três redes, para que nenhuma delas tivesse condições de exercer um monopólio virtual da audiência de televisão (...) Se uma rede de TV vier a ter índices de audiência, em âmbito nacional, superior a 80%, ela representará um virtual perigo, o que não pode ser aceito pelo governo.”

“Marinho discordou (...) Afirmou que deveria ser permitido o crescimento, sem restrições e sem limites, da Rede Globo (...) O comportamento da Globo deveria fazê-la merecedora de atenção e favores especiais do governo.”

Quandt de Oliveira estava certo. Roberto Marinho, no entanto, venceu a queda de braço. A pretensa autocrítica publicada em O Globo coabita com um comunicado de igual novidade. Com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o jornal firma o compromisso de abandonar a prática de descontos nos anúncios (dumping), da qual se valeu para aniquilar economicamente alguns adversários.

O texto não convence. Não alcança o objetivo. Provar que O Globo se converteu à democracia.

BC sem algemas
No último dia do próximo ano, o Banco Central do Brasil terá meio século. Durante um bom tempo o BC cultivou internamente economistas oriundos do mercado de capitais. Havia risco nisso?

Agora, possivelmente pela primeira vez, o banco, autoridade monetária do País, tem na direção somente funcionários públicos. Não sei se é por isso, ou só por isso, que o mercado errou redondamente a projeção do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). É curioso constatar, como fez primeiramente o blogueiro Ricardo Miranda, que o crescimento do PIB mereceu manchetecom o mesmo verbo dos três principais jornais do País (Ver a ilustração de O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo,do dia 31 de agosto). A palavra mágica é “surpresa”, que para sempre assim seja.

Honras a Jango I
Em ritmo lento, próprio da história do País, vai-se recompondo a imagem do ex-presidente João Goulart, derrubado pelos militares em 1964. Agora, às vésperas dos 50 anos do golpe, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, anuncia novo funeral com as honras de chefe de Estado negadas pelos militares.

Honras a Jango II
Jango morreu no exílio. O retorno do corpo ao Brasil foi negociado. Uma das exigências da permissão, por receio de manifestações políticas, era a de que evitassem o desembarque no Rio ou em Brasília. Aliás, houve um episódio grotesco na capital: alguém hasteou a Bandeira Nacional a meio pau no Planalto. Durou pouco. Foi de novo esticada. A presidenta Dilma é figura esperada na cerimônia. Ela vai?

Pós-Gurgel
O conflito de forças políticas na Procuradoria-Geral da República, após a saída de Roberto Gurgel, forçou uma composição política interna. Rodrigo Janot, o primeiro da lista tríplice, escolhido para o cargo, puxou a segunda colocada, Ela Wiecko, para vice-procuradora-geral.

Para a Procuradoria Eleitoral escolheu Eugênio Aragão.

Voto secreto
Não podem ser inteiramente desprezados os cuidados de Renan Calheiros, presidente do Senado, com a adoção do voto aberto aprovado na Câmara. O voto secreto no Senado significa aprovar magistrados nos casos escolhidos pela Constituição, ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo presidente da República, governador de território, presidente e diretores do Banco Central, aprovar e exonerar o procurador-geral da República antes do término do mandato e aprovar a escolha de chefes
de missão diplomática de caráter permanente.

Essa é uma das funções do voto secreto. Talvez precise ser derrubado. A tarefa, no entanto, deixa de ser uma ação política e passa a ser uma tarefa revolucionária em razão dos interesses.

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