O Jeca Chorão
Muitas vezes é o próprio setor agropecuário que permite estereotipar o produtor rural
por Rui Daher — publicado 23/08/2013 11:49
Muitas vezes é o próprio setor agropecuário que permite estereotipar o produtor rural como um Jeca-Tatu ou um Chorão de Rodeio sem ter chegado ao Empreendedor. Bom tema para uma investigação antropológica.
No momento, uma conjunção positiva de fatores promete continuar beneficiando as exportações brasileiras de produtos agropecuários. Volume de produção, preços internacionais e agora o câmbio. Uma conta onde tudo se multiplica.
O volume está garantido por colheitas maiores de grãos (12%), laranja (5%) e cana-de-açúcar (5%). Mesmo o café, que colhe em ano de baixa bianualidade, segundo a CONAB, produzirá 48,5 milhões de sacas de 60 kg, apenas 4,4% a menos do que no ciclo anterior, de alta.
Soja em torno de R$ 60,00/saca, no Mato Grosso, e a US$ 13,00 por bushel em Chicago, pode não ser o pico estratosférico de anos recentes, mas ainda está pra lá de bom.
A pluma de algodão, em R$ 70,00 por arroba, no oeste baiano, faz antever forte crescimento de área plantada, em parte substituindo o milho que devido à enorme safra brasileira teve queda de preços mais acentuada.
Nada assustador, porém. A gramínea já aponta recuperação no exterior, devido aos temores com o clima quente e seco no sul do Meio-Oeste norte-americano.
E pasmem. Depois de penar um bom tempo, os citricultores nacionais constatam que, nos últimos 12 meses, as cotações internacionais do suco de laranja subiram 25%, pela oferta apertada, na Flórida.
A mesma tendência de produção e preços acompanha o complexo de carnes.
Claro que há certa volatilidade em relação aos preços. Mas é assim que anda o planeta pós-globalização, e quem não se acostumar poderá volatizar seu bolso.
Para os produtos do mercado interno, mesmo considerando os ciclos pontuais de altas e baixas, que justificam mocinhas de TV entrevistando anciãos de supermercados, será o “segue o jogo” de sempre.
Caso parássemos por aí, já teríamos uma situação confortável para a agropecuária, sobretudo a que influencia a balança comercial.
Acrescentem agora à equação um dólar apreciado 20% sobre o real, comparado a agosto de 2012. Perceberam? Claro.
Então me expliquem o motivo de o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, em entrevista dada ao Valor Econômico, em 9 de agosto, dizer que o setor começará a viver “sua dor de cabeça” e que “uma luz amarela se acende para o setor produtivo”?
Houve tempo em que se justificava o figurino chorão-pidão no agricultor brasileiro. A atividade padeceu décadas com falta de apoio, levando rasteiras de sucessivos planos econômicos que fazia plantar-se em Saturno e colher em Netuno.
Não mais. Além do fato de que, nos últimos anos, os Planos Agropecuários têm sido cada vez mais generosos e consistentes, o setor batalhou sozinho para obter produtividade, se tornar rentável e defender-se dos ciclos de baixa. Tivesse esperado o Estado, deveria as calças ou muitos teriam desistido.
Sim, sim. Ainda falta muita coisa. Na área de infraestrutura, sobretudo. Disto se fala todos os dias, mas não abreviará o longo processo de aquisição competitiva, herança de um péssimo começo.
Queixar-se e sair por aí distribuindo injustificável pessimismo parece reproduzir um quem não chora não mama difícil de engolir.
Diante da conjuntura de produção e do quadro da comercialização, sabe-se que os aumentos nos preços dos insumos importados, os custos de mão de obra e energia, não retirarão das margens da produção agrícola, fatias diferentes do que sempre o fizeram.
Na matéria, a ABAG se queixa de uma suposta falta de estratégia para o agronegócio no país. Diz seu presidente: "Se não tenho estratégia, a gente vai para a guerra sem exército". E acrescenta: “a vocação agrícola do Brasil acaba sendo usada e ‘mal interpretada’ pelo governo. Não temos visto sensibilidade no Executivo".
Uai. Será que estratégia é atributo apenas do Estado ou inerente a cada setor da iniciativa privada? A não ser que estratégia se resuma a espalhar pessimismo.
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