James "Whitey" Bulger não era nenhum Tony Soprano

James "Whitey" Bulger teve um começo de vida nos bairros de lata de South Boston DR
Durante o julgamento, um dos mais notórios mafiosos americanos não negou ter cometido vários crimes. Mas recusou admitir que tinha sido um informador do FBI. Até os criminosos têm o seu código de honra
Num mundo pós-11 de Setembro, talvez seja difícil perceber como é que, até há pouco tempo, James "Whitey" Bulger era um dos homens mais procurados na América - o segundo mais procurado, depois de Osama bin Laden.
Quando foi capturado em Junho de 2011, Bulger tinha 81 anos e alguns dos seus crimes eram tão antigos que no mundo de hoje só podiam ser ficção. A revista The New Yorker sugeria anteontem que Bulger "é provavelmente o último criminoso americano a ter uma aura lendária, maior do que a vida". Ou seja: em breve, num cinema perto de si...
Na segunda-feira, Bulger foi considerado culpado de 11 homicídios e uma trintena de outros crimes relacionados com crime organizado, incluindo extorsão, lavagem de dinheiro e tráfico de droga. O veredicto anunciado no final do seu julgamento num tribunal em Boston pode ter sido anticlimáctico - "este julgamento devia ter acontecido nos anos 90", diz ao PÚBLICO Dick Lehr, ex-jornalista do Boston Globe e autor de dois livros sobre Bulger, incluindo a mais recente biografia Whitey: The Life of America"s Most Notorious Mob Boss -, mas é o começo do fim de um caso que até há pouco tempo não parecia ter fim.
Bulger conseguiu fugir às autoridades durante 16 anos - mais do que Bin Laden -, o que fez muita gente duvidar de que alguma vez seria apanhado. Quando foi finalmente descoberto, ele estava a viver uma confortável vida de reformado num apartamento ao pé da praia em Santa Mónica, na Califórnia, sob uma identidade falsa, Charles Gasko. Bulger conseguiu manter-se escondido à vista de todos durante tanto tempo graças à sua incrível autodisciplina, diz Dick Lehr. "Ele tornou-se Charlie Gasko de um dia para o outro, como quem liga um botão. E soube diluir-se numa comunidade que tinha imensa gente como ele, idosos e reformados. Ele também se reformou. É verdade que continuava a coleccionar armas, mas tinha deixado de intimidar e de matar pessoas."
Durante muito tempo, acreditou-se que a principal razão por que Bulger não tinha sido apanhado era porque o FBI queria evitar um enorme embaraço.
Pior escândalo do FBI
O que faz de "Whitey" Bulger um dos mais notórios criminosos do século XX nos Estados Unidos, a par de Al Capone e John Dillinger, mas também o coloca num campeonato que é só seu, é a sua longa e produtiva aliança com a principal agência de investigação criminal do país, o FBI. Entre 1975 e 1990, Bulger informou o FBI sobre um grupo rival, pertencente à mafia italiana, enquanto ele próprio continuava a matar e a intimidar, sob a protecção da agência. Ao mesmo tempo, subornou agentes do FBI e da polícia local e estadual em troca de informação sobre investigações e escutas feitas à sua organização, de forma a manter-se sempre um passo à frente das autoridades. Bulger pôs-se em fuga em Dezembro de 1994, quando um agente corrupto do FBI o avisou de que as autoridades estavam prestes a executar um mandado de captura contra ele. "Essa aliança com o FBI é tida como o pior escândalo na história da agência, porque durou quase duas décadas", nota Dick Lehr. "Ele teve o que qualquer gangster no mundo gostaria de ter: a protecção da maior instituição de segurança e ordem pública do país."
Filho de imigrantes irlandeses, "Whitey" Bulger ("Whitey", a alcunha por que é conhecido e que significa "branquela", é uma referência ao tufo de cabelo loiro platinado que o distinguiu desde jovem) teve um começo de vida nos bairros de lata de South Boston que parece saído de um romance de Charles Dickens e converteu-se no rei do crime organizado e no homem mais temido da cidade, o que é uma espécie de triunfo.
Durante o seu julgamento, que durou dois meses, "Whitey" Bulger foi descrito como um criminoso de sangue-frio que matava as suas vítimas com as próprias mãos e a seguir dormia a sesta enquanto os seus subordinados "limpavam" a cena do crime, o que incluía a remoção dos dentes para evitar que os corpos viessem a ser identificados. Um a um, antigos associados e parceiros de crime de Bulger testemunharam em tribunal a sua surpresa ao descobrir que ele tinha sido um informador do FBI, já depois da sua fuga. Um homem que foi assassino a soldo de Bulger, John- ny Martorano, admitiu, sem uma ponta de emoção, ter matado oito pessoas (como se estivesse a ler uma lista de supermercado, notou o New York Times) e a seguir disse que o seu coração tinha ficado desfeito quando soube que Bulger - um amigo, um irmão, o padrinho dos seus filhos - tinha sido um informador do FBI.
O ficheiro de 700 páginas que o FBI tinha sobre ele foi apresentado em tribunal como prova. O seu advogado de defesa admitiu que ele cometera vários dos crimes pelos quais estava indiciado, mas insistiu sempre em negar que ele tinha sido um informador do FBI. E o próprio Bulger, quase sempre disciplinado durante o julgamento, só reagiu para protestar, com injúrias, quando uma testemunha ou o procurador do Ministério Público se referiram a ele como um delator. "É, no mínimo, risível que ele diga que não foi um informador. É o mesmo que declarar que a Terra não é redonda", diz Dick Lehr, cujos livros sobre Bulger estão a ser adaptados ao cinema. "No mundo de onde ele vem, com raízes irlandesas, um delator é a pior forma de vida que pode existir à face da terra." O próprio Bulger defendeu esse código de honra dentro da sua organização criminosa, exigindo lealdade absoluta dos seus membros, e terá matado ou mandado matar quem quer que fosse suspeito de ser um informador.
"Desde muito cedo, ele sempre procurou apresentar-se como o bom criminoso, protector do bairro e por aí fora. E o julgamento foi uma espécie de acto final, algo desesperado, para tentar manter essa imagem", diz Dick Lehr. "Esse era o objectivo da sua defesa, ele não tentou lutar contra a maior parte das acusações."
A sentença está marcada para dia 13 de Novembro. Bulger poderá ser condenado a prisão perpétua. Mas, dada a sua idade, mesmo uma sentença mais modesta poderá significar passar o resto da vida na prisão. James "Whitey" Bulger tem 83 anos.

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