Desmontando a “pegadinha” da Folha
Enviado por Miguel do Rosário on 30/08/2013 – 12:02 

O Fernando Brito já escreveu alguma coisa sobre a nova farsa da Folha, cuja manchete hoje é nada mais que um ataque político rasteiro à iniciativa do governo federal de ampliar o número de médicos por habitante no país. Mas O Cafezinho também fez pesquisas sobre o tema e levantou informações interessantes. 

Em primeiro lugar, o ministro da Saúde avisou há tempos que o prefeito que demitir médico estará violando o acordo com o governo federal, visto que o objetivo do programa é ampliar o número de médicos no país. E a prefeitura acabará perdendo dinheiro porque o governo cancelará o convênio com a prefeitura que fizer isso. Agora, um programa dessa magnitude, num país com 5.500 municípios, necessariamente implicará em fatos dessa natureza. Se não há médico brasileiro querendo ir ao interior, é natural que haja médicos brasileiros no interior querendo sair, ou trabalhando de má vontade, sem cumprir expediente.
Entretanto, o problema me parece ainda mais grave que isso. Fui pesquisar, individualmente, todos os exemplos citados pela Folha, de prefeitos que estão, supostamente, demitindo médicos para substituí-los pelos profissionais enviados pelo Ministério da Saúde. E descobri que a Folha conseguiu escolher a dedo.
Vamos lá.
1) Coari.
O primeiro caso citado é o da cidade de Coari, no interior profundo do Amazonas. A reportagem da Folha diz o seguinte:
Um exemplo é Coari, no Amazonas, a 421 km de barco de Manaus, onde a prefeitura paga R$ 25 mil para médicos recém-formados e R$ 35 mil para os especialistas.
“Somos obrigados a pagar esse valor ou ninguém aceita. Vamos tirar alguns dos nossos médicos e colocar os profissionais que chegarão do Mais Médicos”, diz o secretário da Saúde, Ricardo Faria.
A prefeitura diz que vai demitir um médico de seu quadro para trocá-lo por outro que chegará já na primeira fase do programa federal.
Pois bem, fui pesquisar o prefeito de Coari, Adail Pinheiro, e quase me arrependi de tê-lo feito. O homem é o principal acusado da Operação Vorax, concluída pela Polícia Federal há alguns anos.
Leia esse trecho, extraído de matéria da Agência Brasil de junho de 2008;
Adail Pinheiro é apontado pela PF como o chefe do esquema responsável pelo desvio de, pelo menos, R$ 49 milhões dos cofres públicos. Segundo o delegado, não restam dúvidas sobre a participação dele no esquema de corrupção. Pinheiro foi indiciado pela PF pelos crimes de peculato, corrupção ativa, formação de quadrilha, favorecimento à prostituição, atentado violento ao pudor, sonegação fiscal e fraude em documento público. A organização criminosa é acusada de direcionar licitações, superfaturar obras e simular prestação de serviços para se apropriar de recursos repassados pelo governo federal e pela Petrobras referentes à exploração de petróleo e gás em Coari.
Ou seja, o prefeito entrevistado pela Folha é useiro e vezeiro em desviar recursos do governo federal, coisa que pretendia fazer agora com Mais Médicos.
Mas a coisa é ainda mais barra pesada. Pinheiro também se tornou o principal suspeito de chefiar uma organização voltada à exploração sexual de crianças. Como resultado paralelo da Operação Vorax, descobriu-se em Coari um sinistro esquema de pedofilia, e a Câmara dos Deputados criou uma CPI, presidida pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF).
Mais notícias aqui. Dê um google com o nome do prefeito e “exploração sexual de crianças”, para vocês verem o nível do primeiro exemplo trazido pela Folha de prefeitos espertalhões que pretendem demitir médicos da cidade para substituí-los pelos oferecidos pelo Ministério da Saúde.
2) Lábrea.
Trecho da matéria da Folha:
“Plano igual ao de Lábrea (a 851 km de Manaus), que tem seis médicos. “Pago R$ 30 mil para cada um deles. [Substituí-los] diminuiria os gastos da prefeitura”, diz o prefeito Evaldo Gomes (PMDB).”
Outra cidade encravada no sertão amazônico. O prefeito Evaldo Gomes, do PMDB, só está no cargo por uma liminar provisória, depois de ter sido acusado de vários crimes eleitorais.
A denúncia do TSE descreve os seguintes fatos:
a) Denúncia de eleitores indígenas ludibriados por Mesários; b) Problemas técnicos na urna da Seção Eleitoral n° 002; c) Violação do lacre da urna da Seção Eleitoral n° 73 e o deslocamento da urna ao local de votação 4 (quatro) dias antes da data do pleito bem como fornecimento de alimentação a eleitores pelo Presidente da referida Mesa Receptora de votos para captar ilicitamente sufrágio em favor dos investigados; d) Entrega pelo Chefe de Cartório Eleitoral de mais de 300 (trezentos) títulos eleitorais a servidor municipal no mês de agosto/2012 para distribuição; e) Irregular parceria entre o Chefe de Cartório Eleitoral e o Prefeito Municipal; f) Reunião entre o Chefe de Cartório, o Prefeito Municipal e o primeiro investigado no dia 02.10.2012; g) Entrega irregular de 300 (trezentos) títulos eleitorais na região sul de Lábrea; h) Irregularidades consistentes no fato de terceiros votarem em lugar de eleitores.
E muitos outros.
3) Sapeaçu.
O exemplo desta cidade ocupa a maior parte da matéria da Folha. Trecho da matéria:
O prefeito de Sapeaçu, Jonival Lucas (PTB), confirma a demissão de Junice e a chegada de um profissional do Mais Médicos para substituí-la.
Lucas afirma que a médica deixará o cargo por não cumprir a carga horária estabelecida e que o substituto será um profissional brasileiro que já atuou naquela região do interior da Bahia.
“Já estávamos procurando outro para assumir o lugar dela”, diz o prefeito do município, que fala em “uma série de vantagens para o município” com o Mais Médicos.
Esse é um caso interessante, porque envolve a Coofsaúde, uma cooperativa de médicos que atua no interior da Bahia. As prefeituras contratam a Coofsaúde para fornecer médicos aos hospitais municipais. É uma terceirização lamentável do serviço médico, mas tudo bem. Acontece que, procurando na internet, descobri uma série de denúncias contra a Coofsaúde justamente por pagar supersalários a diretores de hospital municipais que fizeram convênio com a cooperativa.
Em Jeremoabo, houve denúncia de que o Hospital Municipal da cidade, apesar dos péssimos serviços oferecidos, e da falta de médicos, pagava quase 100 salários mínimos ao diretor da instituição. Foram publicados os contracheques do diretor.
A imagem está apagada, mas dá para ver que a “taxa da cooperativa” é quase R$ 2.000/ mês. No site da Coofsaúde, informa-se que a instituição surgiu em “agosto de 2005, fruto da união de um grupo de profissionais de saúde , com a finalidade de prestar serviços ,de forma legal e justa, atendendo aos princípios do cooperativismo e assumindo a responsabilidade na gestão de seus contratos junto ao poder público. Atualmente a nossa cooperativa possui mais de 1000 (mil) cooperados, mais de 30 (trinta) contratos com Prefeituras Municipais”
É óbvio que a Coofsaúde é uma parte totalmente interessada no fracasso do programa “Mais Médicos” do governo federal, visto que ele concorre diretamente para reduzir os lucros da instituição.  Fui conferir na cartilha da Coofsaúde e descobri que a entidade não tem “fins lucrativos”, mas tem “sobras”:
O que são sobras? A cooperativa tem lucro?
O que em uma empresa comum é chamado de lucro, nas cooperativas chama-se de sobras. Ao final de cada exercício fiscal é levantado o balanço financeiro da sociedade e, em caso de haver sobras, estas devem ser distribuídas igualitariamente aos sócios.
A cartilha informa ainda que o “cooperado” não tem nenhum direito trabalhista garantido. Não tem décimo-terceiro, FGTS, aviso prévio, férias remuneradas. Nada.
O autônomo cooperado tem direito a férias, 13° salário, aviso prévio e FGTS?
O prestador de serviço que aderir à cooperativa e, por estatuo da mesma, adquirir o status de cooperado, não é caracterizado como empregado, conforme artigo 442 da CLT, adiante reproduzido:
“Qualquer que seja o ramo da atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daqueles”. Dito isto, fica claro que o cooperado não tem os mesmos direitos de um trabalhador celetista como as férias remuneradas, 13º salário, aviso prévio e FGTS.
Segundo o site Congresso em Foco, Jonival Lucas, agora prefeito de Sapeaçu, “foi um dos deputados denunciados pela CPI dos Sanguessugas. Responde ao processo 13226-30.2007.4.01.3600 na Justiça Federal de Mato Grosso pelos crimes de quadrilha ou bando, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.”
Em entrevista dada há pouco para o site Bahia Recôncavo, Jonival reafirma que Junice foi demitida por negligência, por não cumprir a carga de horário. E reforça que ela não vai ser substituída por nenhum cubano, mas por um brasileiro que já trabalhou na região, do programa Mais Médicos.
Neste caso, a fonte desqualificada nem é tanto o prefeito, e sim a médica entrevistada.
Nas redes sociais, internautas denunciam Junice: ele teria 3 vínculos públicos e 128 horas semanais de trabalho, o que provaria, naturalmente, que ela não está cumprindo efetivamente a carga horária de suas obrigações médicas.

4) Camaragibe.
“Dos quatro profissionais do Programa Mais Médicos a que Camaragibe, na região metropolitana do Recife, terá direito, apenas dois são novos. Os outros já estão na cidade e vão deixar de receber pela prefeitura para ter o salário pago pelo governo federal.”
A Folha informa, por fim, que a prefeitura de Camaragibe, Bahia, também vai substituir médicos próprios por profissionais contratados pelo governo federal. O prefeito da cidade é o Jorge Alexandre, do PSDB. Os servidores municipais tem acusado o prefeito de estar promovendo uma série de cortes de direitos adquiridos há muito tempo, e contratando pessoal sem concurso. O seu sindicato conseguiu que o Ministério Público publicasse uma recomendação ao prefeito para respeitar o plano de carreiras do município.
Me parece, portanto, que a prefeito Jorge Alexandre, é suspeito duas vezes nessa “pegadinha” da Folha. É de um partido adversário do governo federal, interessado portanto em desgastar a iniciativa do Ministério da Saúde. Tem um histórico de querer “economizar” cortando direitos dos funcionários, e agora vemos, também empregos, contrariando a orientação expressa do Ministério da Saúde, pela qual as prefeituras que demitirem médicos para receberem profissionais do programa serão cortadas do convênio.



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