Brasil denuncia actuação "injustificável" das autoridades britânicas

David Miranda vai prestar esclarecimentos ao Senado de Brasília.
O quartel-general da Agência Nacional de Segurança, nos EUA REUTERS

O Governo brasileiro classificou como “injustificável” a detenção de David Miranda, parceiro do jornalista norte-americano Glenn Greenwald que é o autor de inúmeras notícias sobre o programa secreto de vigilância electrónica conduzido pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
Miranda, que aterrou no Rio de Janeiro ao final da manhã, informou que vai prestar declarações ao Senado brasileiro sobre o “incidente” em que se viu envolvido quando estava em trânsito no aeroporto de Heathrow em Londres. O brasileiro anunciou ainda a sua intenção de “procurar as autoridades americanas” para pedir um esclarecimento sobre a sua eventual colaboração com os serviços do Reino Unido.
Numa nota oficial divulgada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Brasil manifestou a sua “grave preocupação” com a actuação das autoridades britânicas e especialmente com a invocação de legislação anti-terrorismo como razão para a detenção. “Trata-se de uma medida injustificável por envolver um indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso da referida legislação”, nota o Governo brasileiro.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, informou pelo Twitter que o Itamaraty entregou “um protesto imediato diante da retenção arbitrária de um brasileiro em Londres”. David Miranda, de 28 anos, foi retido e interrogado pela polícia britânica durante nove horas, e viu confiscado todo o material electrónico que carregava – até ser libertado sem qualquer acusação.
Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico escusou-se a prestar esclarecimentos sobre o caso alegando tratar-se de “matéria policial”. No entanto, informou que o executivo tenciona rever as provisões da Lei Anti-Terrorismo para “atender a algumas preocupações” relativas à sua aplicação.
Para a Amnistia Internacional, “a detenção de David Miranda é ilegal e indesculpável. Ele foi detido ao abrigo de uma lei que viola qualquer princípio de equidade e a sua prisão mostra como se pode abusar dessa legislação por razões mesquinhas e vingativas”, considerou a directora de Legislação e Política daquela organização, Widney Brown.
“É altamente improvável que David Miranda, em trânsito num aeroporto do Reino Unido, tenha sido detido de forma aleatória, dado o papel que o seu companheiro teve na revelação da verdade sobre a natureza ilícita do programa de vigilância da Agência Nacional de Segurança”, referiu a Amnistia Internacional.

Mensagem "a todos os jornalistas"
“Ao atingir Miranda e Greenwald, o Governo [britânico] enviou uma mensagem a todos os jornalistas, de que se eles insistirem em mostrar-se independentes ou escrever de forma crítica sobre o governo, também poderão ser atingidos”, denunciou. Para a organização, “os estados não podem passar legislação anti-terrorismo sob a desculpa de que é necessária para a protecção do país e depois recorrer à lei para retaliar contra alguém que simplesmente exerceu os seus direitos”.
Vários jornalistas no Brasil, Reino Unido e Estados Unidos denunciaram a detenção de David Miranda como “um abuso de poder”, um “acto intimidatório” e “um escândalo”.

Escrevendo na revista The Atlantic, Conor Friedersdorf disse que o recurso a uma provisão da lei anti-terrorismo para a detenção de “um homem que ninguém pensa que é um terrorista” mostra que os governos não se coíbem de usar os “poderes extraordinários” que lhes foram concedidos em nome da guerra ao terrorismo para “agir contra quem entenderem, mesmo quando a possibilidade de estarem associados à Al-Qaeda ou a alguma das suas afiliadas seja zero”. E mostra ainda que “o jornalismo de investigação na área da segurança nacional foi equiparado a terrorismo”.
Citado pelo jornal O Globo, o jornalista Alberto Dines do Observatório da Imprensa brasileiro considerou todo o episódio com David Miranda como “uma estupidez e uma paranóia, que nem George Orwell poderia prever”. “Glenn Greenwald não poderia ser alvo de retaliação porque cumpriu o seu papel de jornalista. E o que é que o brasileiro tem a ver com a história?”, questionou.

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