Batalha institucional e da informação. O que vai acontecer com a Vaza Jato?

O QUE ESTÁ EM JOGO

Entram em campo outras mídias, PF, CPI, Conselho do Ministério Público e instituições em xeque. É a peleja entre o resgate da justiça e o golpe da vez

por Paulo Donizetti de Souza, da RBA - 20/06/2019

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O site The Intercept Brasil começou a compartilhar o vasto conteúdo relacionado ao escândalo da Vaza Jato com outros veículos de imprensa. O jornalista Reinaldo Azevedo anunciou novas informações para esta sexta às 18h na Rádio Bandnews. Existe um volumoso acervo de mensagens de texto, áudio, fotos, prints e links, como afirmou ao Seu Jornal da TVT, o jornal o editor executivo do site, Leandro Demori. Em rede social, o editor Glenn Greenwald diz que o objetivo é dar mais agilidade e credibilidade à vazão de informações ilegalmente trocadas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa Lava Jato.
O Código de Ética da Magistratura determina que o magistrado deve manter “distância equivalente das partes” (acusação e defesa), e evitar conduta que revele preferência por uma das partes. E o Código de Processo Penal estabelece que um juiz será posto sob suspeição se “tiver aconselhado qualquer das partes”. O mesmo código define ainda que há três casos em que um processo pode vir a ser anulado: “incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.
“Já estamos trabalhando com outros jornais/revistas no arquivo. Significa: 1) mais revelações serão reportadas mais rapidamente; 2) ninguém pode alegar que a reportagem tem um viés ideológico; 3) quem quiser prender os que divulgar este material terá que prender muitos jornalistas”, afirma Glenn Greenwald em sua conta no Twitter.
Uma maior agilidade poderia fortalecer junto à opinião pública os portadores do conteúdo obtido por fonte anônima, e que o jornalista tem a proteção Constitucional para não revelar. Grande parte da imprensa tem tratado o assunto com rigor e apreensão. Alguns veículos tradicionais – como Globo e Estadão – estão visivelmente empenhados em proteger Sergio Moro, até por terem sido cúmplices de vazamentos seletivos de informações sigilosas antecipadas durante as principais operações da Lava Jato. Há ainda nessa trincheira pró-Moro veículos sustentados por empresários e operadores do mercado financeiro – financiadores do golpe de 2016 e do bombardeio aos partidos de centro à esquerda, notadamente o PT – como o site O Antagonista.
Além disso, há o exército bolsonarista atuante nas redes sociais, boa parte dele formado por robôs e também impulsionado com ajuda de empresários para o disparo ilegal em massa de mensagens. Uma poderosa indústria de produção e distribuição de notícias falsas, as fake news. Nessa batalha de informação e contra-informação, agilidade e credibilidade serão armas importantes.

O que pode acontecer

De um lado, existe ainda a suspeita de que uma onda de perseguições, de caráter miliciano e também por vias institucionais possa ser posta em movimento para intimidar os responsáveis pelo Intercept e outros veículos que venham a ser incorporados à tarefa de elaboração dos conteúdos comprometedores. Afinal, o principal suspeito de participar de um conluio de ilegalidades é o ministro da Justiça e da Segurança Pública.
O procurador Deltan Dallagnol confirmou ontem que os procuradores desativaram suas contas no aplicativo Telegram em abril, devido aos ataques de hackers. “Em abril deste ano, identificamos ataques virtuais às nossas contas no Telegram. Por razões de segurança pessoal e pelo risco de comprometimento de investigações em curso, a decisão na época foi de desativar a conta – o que exclui o histórico tanto na nuvem quanto no celular”, postou. O gesto pode reforçar o argumento dos que pedem o afastamento dos envolvidos. Nas redes, questionou-se: se Dallagnol teria provas em seu celulares de que as notícias do Intercept não seriam verdadeiras, por que não apresentá-las em vez de destruí-las.
De outro lado, assim como há personalidades do meio jurídico e político empenhados em levar adiante medidas que aprofundem a investigação das ilegalidades da Vaza Jato reveladas pelo site de Gleen Greenwald, a disputa hoje travada no campo da comunicação deve correr na seara institucional, envolvendo apoiadores das práticas da Lava Jato, ainda que ilegais ou abusivas.
Será possível ter melhor noção de que rumos o escândalo vai tomar – se a investigação aprofundada ou o abafamento – quando se souber como atuará a Polícia Federal, como será o julgamento dos recursos da defesa do ex-presidente Lula cobrando a suspeição de Moro no Supremo Tribunal Federal (STF), a sindicância no Conselho Nacional do Ministério Público e uma possível abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Esses quatro movimentos são expostos nesta reportagem da BBC.
No STF, cogita-se a possibilidade de adiar o julgamento da suspeição de Moro. A Corte se vê em meio a algumas pressões, justamente por não ter feito a lição de casa de zelar pela Constituição – e não pela opinião publicada – em seu tempo. O Supremo já teve oportunidades de se posicionar, em vez de trazer o conflito para um julgamento tardio. Do ponto de vista da ciência jurídica, os desvios e abusos da Lava Jato não são novidade.
Mas os ministros têm convivido também com o terrorismo emplacado por alguns generais, ameaçadores a cada vez que o caso de Lula é assunto na Corte. A protelação só agrava o estado de politização do Judiciário. E se a ideia seria ganhar tempo à espera de uma solução que não precisasse passar por um veredicto à luz da justiça e das leis, o plano não tem dado certo. Depois do golpe do impeachment veio o da prisão de Lula, e depois o da vitória mandraque de Bolsonaro. Qual seria o próximo, se a mais alta Corte a zelar pela Constituição vestir a capa da omissão, da covardia ou da cumplicidade?

O que saiu até aqui no Intercept